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O recorde de usuários online foi de 864 em Sex Fev 03, 2017 11:03 pm
Lisboa com chuva
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Lisboa com chuva
Nos últimos dias, Lisboa habituou-se à chuva, apesar das inundações e poças de água por todo o lado. O ministro da educação não tem razão: Lisboa funciona mesmo sob chuva.
Uma das coisas de que mais gosto no mundo é a chuva. E Portugal tem chuva como deve de ser. No Reino Unido, chove muito, como toda a gente sabe, mas na maior parte das ocasiões, a chuva britânica não é grande coisa: um chuvisco, um molha-parvos. Habituamo-nos rapidamente, e já nem ligamos. A chuva portuguesa não é assim, porque o clima por cá é feito de extremos. Quando chove, chove torrencialmente, há belas tempestades, e o mau tempo provoca céus fabulosos. Sou obcecada pelos céus nublados, e passo muito tempo a fotografá-los. Estar em casa, debaixo de um toldo, no carro ou numa tenda, a ver e a ouvir a chuva a cair — é o ideal para esta fã da chuva. Se houver trovões e relâmpagos, ainda melhor.
Quando não consigo dormir, tenho um app no meu telefone que reproduz o som da chuva e dos trovões. Por vezes, oiço isso enquanto trabalho. Ajuda a concentrar-me de uma maneira que a música nunca pode.
No entanto, reconheço que estas últimas semanas cheias de chuva em Lisboa têm sido um bocado demais. No café e na mercearia, toda a gente goza comigo por haver tanta chuva, já que sou conhecida como aquela senhora bizarra que adora a chuva e que aparentemente até reza para que ela venha. Tenho sido obrigada a pedir desculpa várias vezes pelos excessos de chuva. Mas, sim, agora até esta adoradora de chuva está um pouco farta. Bem, não é precisamente a chuva que me incomoda, mas as poças na calçada em que não reparo até ser tarde demais, e já ter o pé lá dentro – e é muito mais irritante ter um pé molhado do que ter os dois. São os buracos na rua, cheios de água, sobre os quais os carros e os autocarros passam, molhando toda a gente que está nos passeios. Ou as rodas dos carros que escorregam nas linhas férreas dos eléctricos, perigosamente perto dos peões. Ou as pessoas que não conhecem a etiqueta do guarda-chuva, e se recusam a levantá-lo ou a baixá-lo para deixar os outros passar, e que depois, nos momentos entre quedas de água, empunham o guarda-chuva fechado como se fosse uma arma branca, sempre a ameaçar tirar-nos um olho ou um rim. São as calçadas íngremes, transformadas pela chuva em pistas de gelo. Ou a água acumulada nos telhados, que cai dos beirais, das caleiras e dos toldos, e a que não se consegue escapar nas ruas mais estreitas, e isso durante minutos mesmo depois de a chuva acabar. A chuva em Lisboa é mesmo molhada.
Li que o ministro de educação, ao chegar à comissão parlamentar a que teve de ir a semana passada, teria dito: “Peço desculpa, antes de mais, por ter chegado ligeiramente atrasado. A cidade de Lisboa não está claramente preparada para a chuva. Basta chover um pouco e a cidade é logo uma pequena confusão”.
Primeiro, achei piada por ele pedir desculpa por um atraso de 15 minutos. Quem faz isso em Portugal? Pede-se desculpa por chegar 3 horas atrasado, mas 15 minutos?
Depois, pensei na tese dele de que Lisboa não funciona sob chuva, e pareceu-me que o ministro não tem razão. Passei algum tempo em movimento nas ruas da cidade — a pé, no meu carro ou de táxi –, e o trânsito nesta época de chuva não tem sido muito diferente do que é costume na época seca. Sim, no início desta estação chuvosa, nos primeiros dois dias, talvez tenha havido um caos ligeiro, do tipo que ocorre em qualquer dia de chuva inesperada. Mas logo depois, a chuva parece ter deixado de afectar as pessoas. Lisboa adaptou-se à chuva, cedeu a uma forma molhada do síndroma de Estocolmo. Por acaso, estive no Mercado da Ribeira esta semana, quando uma carga de água gigante fez as caleiras ceder, e a água inundou o chão e os balcões, jorrando das colunas penduradas do tecto. Toda a gente parou durante dois minutos para ver o espectáculo, mas depois continuou a comer ou tratou de ir limpar a água. Não foi um grande drama. Parece-me mesmo que as pessoas deixaram de falar do tempo, até os taxistas. É estranho mas engraçado: faz-me lembrar uma versão lisboeta daquilo a que nós, em Inglaterra, chamamos “espírito do Blitz“.
Ainda assim, seria bom se a chuva parasse agora. Os pé molhados e as experiências quase fatais com os guarda-chuvas dos outros estão a tornar-se um bocado cansativas.
(traduzido do original inglês pela autora)
Rain Rain Go Away
One of my favourite things is rain. Portugal does proper rain. In Britain, it rains a lot, as everyone knows, but more often than not, it’s light rain, or drizzle. Sometimes there’s a good storm, but mostly, the rain isn’t that interesting. You get used to it. I love Portuguese weather because it can be so extreme. When it rains, it rains properly and heavily and makes for big storms, and bad weather produces fabulous interesting skies which obsess me and my camera throughout the cloudy winter. Sitting inside, or under an awning, in car or in a tent when there is rain pouring down is one of the best places to be for this rain lover. as long as I’m mostly dry and warm, I’m happy. When there is thunder and lightning, I cannot contain my joy.
When I can’t sleep, I listen to a soundtrack of rain and thunderstorms with an app on my phone. I listen to it while I work, sometimes, too. It helps me focus like music can’t.
The last few rainy weeks in Lisbon have been a bit much, though. It is a running joke in the café and the mercearia that it is my fault that there is so much rain, because I’m the weirdo who loves it and must pray for it, so I have to go in from time to time to apologise. But now, even I, the biggest rainophile I know, am getting a bit tired of it. It’s not the really the rain I’m tired of, but the puddles in the calçada that you don’t spot in time and step into with one foot. It’s more annoying to have one wet foot than two. It’s the puddles in the potholes and being drenched by cars and buses as they drive through them. It’s people’s wheels skidding on the shiny tram tracks, precariously near pedestrians. It’s people not following umbrella etiquette and refusing to raise or lower their umbrella to let people pass. It’s forgetting my umbrella. It’s risking life and limb on the glassy calçada. It’s the brief moments when the rain stops and half the people on the pavements have a lethal weapon in their hands and I try to not lose an eye or a kidney to the point of their closed umbrella. It’s accumulated rain dripping off roofs and gutters and awnings, unescapable in narrow streets. First it falls from above and then it splashes you from below and that continues for minutes after the rain has stopped. It is proper wet rain.
I was amused to hear the other day that the Minister of Education said to a parliamentary commission he was slightly late for, that “Peço desculpa, antes de mais, por ter chegado ligeiramente atrasado. A cidade de Lisboa não está claramente preparada para a chuva. Basta chover um pouco e a cidade é logo uma pequena confusão”. Firstly, I was amused because he was only late by 15 minutes… who in their right minds in Portugal apologises for being 15 minutes late? 3 hours late, maybe, but 15 minutes? So, kudos to the man.
But then I thought about what he said about the Lisbon not being up to the rain. I think he is wrong. I spend much of my time walking around the city, and sometimes in my car or a taxi and honestly, it really hasn’t been that bad, hasn’t been so different from normal traffic in rainless weeks. Yes, when the rain started, the first couple of days were the usual mild chaos that a random day of rain can cause, but then people stopped being bothered by it. Lisbon has adapted, given in to a kind of rain-based Stockholm Syndrome. I was in Mercado da Ribeira the other day when, during a huge shower, the drainpipes gave in to the sheer amount of water and water poured from the roof onto the restaurant counters below. Everyone stopped for a couple of minutes, in awe of the water pouring through the electrics in the ceiling and onto the floor, and then just got on with eating and clearing up the water. It just wasn’t a big deal. People have stopped mentioning the weather, even taxi drivers. It’s really rather odd and really rather beautiful, like a kind of blitz spirit.
Still, I would rather it just stopped, now. The wet feet and near death experiences with other people’s umbrellas are getting a bit tiresome now.
Lucy Pepper
17/4/2016, 3:06
Observador
Uma das coisas de que mais gosto no mundo é a chuva. E Portugal tem chuva como deve de ser. No Reino Unido, chove muito, como toda a gente sabe, mas na maior parte das ocasiões, a chuva britânica não é grande coisa: um chuvisco, um molha-parvos. Habituamo-nos rapidamente, e já nem ligamos. A chuva portuguesa não é assim, porque o clima por cá é feito de extremos. Quando chove, chove torrencialmente, há belas tempestades, e o mau tempo provoca céus fabulosos. Sou obcecada pelos céus nublados, e passo muito tempo a fotografá-los. Estar em casa, debaixo de um toldo, no carro ou numa tenda, a ver e a ouvir a chuva a cair — é o ideal para esta fã da chuva. Se houver trovões e relâmpagos, ainda melhor.
Quando não consigo dormir, tenho um app no meu telefone que reproduz o som da chuva e dos trovões. Por vezes, oiço isso enquanto trabalho. Ajuda a concentrar-me de uma maneira que a música nunca pode.
No entanto, reconheço que estas últimas semanas cheias de chuva em Lisboa têm sido um bocado demais. No café e na mercearia, toda a gente goza comigo por haver tanta chuva, já que sou conhecida como aquela senhora bizarra que adora a chuva e que aparentemente até reza para que ela venha. Tenho sido obrigada a pedir desculpa várias vezes pelos excessos de chuva. Mas, sim, agora até esta adoradora de chuva está um pouco farta. Bem, não é precisamente a chuva que me incomoda, mas as poças na calçada em que não reparo até ser tarde demais, e já ter o pé lá dentro – e é muito mais irritante ter um pé molhado do que ter os dois. São os buracos na rua, cheios de água, sobre os quais os carros e os autocarros passam, molhando toda a gente que está nos passeios. Ou as rodas dos carros que escorregam nas linhas férreas dos eléctricos, perigosamente perto dos peões. Ou as pessoas que não conhecem a etiqueta do guarda-chuva, e se recusam a levantá-lo ou a baixá-lo para deixar os outros passar, e que depois, nos momentos entre quedas de água, empunham o guarda-chuva fechado como se fosse uma arma branca, sempre a ameaçar tirar-nos um olho ou um rim. São as calçadas íngremes, transformadas pela chuva em pistas de gelo. Ou a água acumulada nos telhados, que cai dos beirais, das caleiras e dos toldos, e a que não se consegue escapar nas ruas mais estreitas, e isso durante minutos mesmo depois de a chuva acabar. A chuva em Lisboa é mesmo molhada.
Li que o ministro de educação, ao chegar à comissão parlamentar a que teve de ir a semana passada, teria dito: “Peço desculpa, antes de mais, por ter chegado ligeiramente atrasado. A cidade de Lisboa não está claramente preparada para a chuva. Basta chover um pouco e a cidade é logo uma pequena confusão”.
Primeiro, achei piada por ele pedir desculpa por um atraso de 15 minutos. Quem faz isso em Portugal? Pede-se desculpa por chegar 3 horas atrasado, mas 15 minutos?
Depois, pensei na tese dele de que Lisboa não funciona sob chuva, e pareceu-me que o ministro não tem razão. Passei algum tempo em movimento nas ruas da cidade — a pé, no meu carro ou de táxi –, e o trânsito nesta época de chuva não tem sido muito diferente do que é costume na época seca. Sim, no início desta estação chuvosa, nos primeiros dois dias, talvez tenha havido um caos ligeiro, do tipo que ocorre em qualquer dia de chuva inesperada. Mas logo depois, a chuva parece ter deixado de afectar as pessoas. Lisboa adaptou-se à chuva, cedeu a uma forma molhada do síndroma de Estocolmo. Por acaso, estive no Mercado da Ribeira esta semana, quando uma carga de água gigante fez as caleiras ceder, e a água inundou o chão e os balcões, jorrando das colunas penduradas do tecto. Toda a gente parou durante dois minutos para ver o espectáculo, mas depois continuou a comer ou tratou de ir limpar a água. Não foi um grande drama. Parece-me mesmo que as pessoas deixaram de falar do tempo, até os taxistas. É estranho mas engraçado: faz-me lembrar uma versão lisboeta daquilo a que nós, em Inglaterra, chamamos “espírito do Blitz“.
Ainda assim, seria bom se a chuva parasse agora. Os pé molhados e as experiências quase fatais com os guarda-chuvas dos outros estão a tornar-se um bocado cansativas.
(traduzido do original inglês pela autora)
Rain Rain Go Away
One of my favourite things is rain. Portugal does proper rain. In Britain, it rains a lot, as everyone knows, but more often than not, it’s light rain, or drizzle. Sometimes there’s a good storm, but mostly, the rain isn’t that interesting. You get used to it. I love Portuguese weather because it can be so extreme. When it rains, it rains properly and heavily and makes for big storms, and bad weather produces fabulous interesting skies which obsess me and my camera throughout the cloudy winter. Sitting inside, or under an awning, in car or in a tent when there is rain pouring down is one of the best places to be for this rain lover. as long as I’m mostly dry and warm, I’m happy. When there is thunder and lightning, I cannot contain my joy.
When I can’t sleep, I listen to a soundtrack of rain and thunderstorms with an app on my phone. I listen to it while I work, sometimes, too. It helps me focus like music can’t.
The last few rainy weeks in Lisbon have been a bit much, though. It is a running joke in the café and the mercearia that it is my fault that there is so much rain, because I’m the weirdo who loves it and must pray for it, so I have to go in from time to time to apologise. But now, even I, the biggest rainophile I know, am getting a bit tired of it. It’s not the really the rain I’m tired of, but the puddles in the calçada that you don’t spot in time and step into with one foot. It’s more annoying to have one wet foot than two. It’s the puddles in the potholes and being drenched by cars and buses as they drive through them. It’s people’s wheels skidding on the shiny tram tracks, precariously near pedestrians. It’s people not following umbrella etiquette and refusing to raise or lower their umbrella to let people pass. It’s forgetting my umbrella. It’s risking life and limb on the glassy calçada. It’s the brief moments when the rain stops and half the people on the pavements have a lethal weapon in their hands and I try to not lose an eye or a kidney to the point of their closed umbrella. It’s accumulated rain dripping off roofs and gutters and awnings, unescapable in narrow streets. First it falls from above and then it splashes you from below and that continues for minutes after the rain has stopped. It is proper wet rain.
I was amused to hear the other day that the Minister of Education said to a parliamentary commission he was slightly late for, that “Peço desculpa, antes de mais, por ter chegado ligeiramente atrasado. A cidade de Lisboa não está claramente preparada para a chuva. Basta chover um pouco e a cidade é logo uma pequena confusão”. Firstly, I was amused because he was only late by 15 minutes… who in their right minds in Portugal apologises for being 15 minutes late? 3 hours late, maybe, but 15 minutes? So, kudos to the man.
But then I thought about what he said about the Lisbon not being up to the rain. I think he is wrong. I spend much of my time walking around the city, and sometimes in my car or a taxi and honestly, it really hasn’t been that bad, hasn’t been so different from normal traffic in rainless weeks. Yes, when the rain started, the first couple of days were the usual mild chaos that a random day of rain can cause, but then people stopped being bothered by it. Lisbon has adapted, given in to a kind of rain-based Stockholm Syndrome. I was in Mercado da Ribeira the other day when, during a huge shower, the drainpipes gave in to the sheer amount of water and water poured from the roof onto the restaurant counters below. Everyone stopped for a couple of minutes, in awe of the water pouring through the electrics in the ceiling and onto the floor, and then just got on with eating and clearing up the water. It just wasn’t a big deal. People have stopped mentioning the weather, even taxi drivers. It’s really rather odd and really rather beautiful, like a kind of blitz spirit.
Still, I would rather it just stopped, now. The wet feet and near death experiences with other people’s umbrellas are getting a bit tiresome now.
Lucy Pepper
17/4/2016, 3:06
Observador
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