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ÉTICA: Há poucos problemas morais
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ÉTICA: Há poucos problemas morais
Nenhuma teoria sobre justiça nos ensina a distinguir o que é justo, ou muito menos a fazer o que é certo.
A ideia de que há muitos problemas morais é indissociável da ideia de que estamos sempre a deliberar sobre o que devemos fazer. Faz parte da noção de que passamos as vidas atarefados com questões éticas. Quer a ideia quer a noção são exageradas. Não quer isso dizer que sejamos hoje piores que os nossos antepassados. Somos muito parecidos: nunca, eles ou nós, precisámos de grandes deliberações para saber o que é uma boa acção.
O caso da guerra é um bom exemplo. Somos normalmente contra, menos nalguns casos. Pode parecer que nesses casos precisamos de deliberar. Acontece que as teorias disponíveis (por exemplo aquela que nos diz que uma guerra é justa quando os seus objectivos são justos) não são de grande ajuda. Nenhuma teoria sobre justiça nos ensina a distinguir o que é justo, ou muito menos a fazer o que é certo; as opiniões dos participantes ou dos espectadores também não ajudam a determinar a diferença entre uma guerra justa e uma guerra injusta; e os efeitos das guerras justas são idênticos aos das guerras injustas. Não parece haver muito para deliberar.
De facto, a dificuldade principal não é moral: é a dificuldade mais vasta de saber como se distinguem acções justificadas de acções imorais. Não se distinguem por coisas que possamos observar nos actos; nem pelas emoções que sentimos a respeito deles; nem pelas consequências das próprias acções. É o facto de acharmos que uma acção é justificada que nos faz olhar as suas consequências com mais leniência.
Imaginemos uma situação venial. Ao fritar batatas a cozinha incendiou-se; chamámos os bombeiros. Os bombeiros, ao apagar o fogo, destruíram a nossa cozinha. No entanto, a frase ‘Os bombeiros destruíram a nossa cozinha’ não exprime bem o que se passou. Os bombeiros apagaram o fogo, e queriam apagar o fogo; também estragaram a cozinha, mas não queriam estragar a cozinha. Destruir a cozinha nunca foi o seu objectivo; e não é um meio reconhecido de apagar um incêndio.
Destruir a cozinha de alguém não será uma boa acção; mas pode não ser má. Na escala das más acções, por ordem decrescente, temos: um bombeiro que quer destruir a nossa cozinha; um bombeiro que quer destruir a nossa cozinha porque quer apagar um fogo; e um bombeiro que ao querer apagar um fogo nos destrói sem querer a cozinha. Nos três casos ficámos furiosos e sem cozinha: mas as acções do primeiro bombeiro são sempre más: não têm desculpa nem justificação e por isso não requerem deliberações morais; e as do terceiro têm quase sempre, e por isso quase nunca as requerem. Só as acções do segundo bombeiro põem realmente problemas morais; e por isso há muito menos problemas morais do que geralmente se imagina.
Miguel Tamen
29/4/2016, 1:07
Observador
A ideia de que há muitos problemas morais é indissociável da ideia de que estamos sempre a deliberar sobre o que devemos fazer. Faz parte da noção de que passamos as vidas atarefados com questões éticas. Quer a ideia quer a noção são exageradas. Não quer isso dizer que sejamos hoje piores que os nossos antepassados. Somos muito parecidos: nunca, eles ou nós, precisámos de grandes deliberações para saber o que é uma boa acção.
O caso da guerra é um bom exemplo. Somos normalmente contra, menos nalguns casos. Pode parecer que nesses casos precisamos de deliberar. Acontece que as teorias disponíveis (por exemplo aquela que nos diz que uma guerra é justa quando os seus objectivos são justos) não são de grande ajuda. Nenhuma teoria sobre justiça nos ensina a distinguir o que é justo, ou muito menos a fazer o que é certo; as opiniões dos participantes ou dos espectadores também não ajudam a determinar a diferença entre uma guerra justa e uma guerra injusta; e os efeitos das guerras justas são idênticos aos das guerras injustas. Não parece haver muito para deliberar.
De facto, a dificuldade principal não é moral: é a dificuldade mais vasta de saber como se distinguem acções justificadas de acções imorais. Não se distinguem por coisas que possamos observar nos actos; nem pelas emoções que sentimos a respeito deles; nem pelas consequências das próprias acções. É o facto de acharmos que uma acção é justificada que nos faz olhar as suas consequências com mais leniência.
Imaginemos uma situação venial. Ao fritar batatas a cozinha incendiou-se; chamámos os bombeiros. Os bombeiros, ao apagar o fogo, destruíram a nossa cozinha. No entanto, a frase ‘Os bombeiros destruíram a nossa cozinha’ não exprime bem o que se passou. Os bombeiros apagaram o fogo, e queriam apagar o fogo; também estragaram a cozinha, mas não queriam estragar a cozinha. Destruir a cozinha nunca foi o seu objectivo; e não é um meio reconhecido de apagar um incêndio.
Destruir a cozinha de alguém não será uma boa acção; mas pode não ser má. Na escala das más acções, por ordem decrescente, temos: um bombeiro que quer destruir a nossa cozinha; um bombeiro que quer destruir a nossa cozinha porque quer apagar um fogo; e um bombeiro que ao querer apagar um fogo nos destrói sem querer a cozinha. Nos três casos ficámos furiosos e sem cozinha: mas as acções do primeiro bombeiro são sempre más: não têm desculpa nem justificação e por isso não requerem deliberações morais; e as do terceiro têm quase sempre, e por isso quase nunca as requerem. Só as acções do segundo bombeiro põem realmente problemas morais; e por isso há muito menos problemas morais do que geralmente se imagina.
Miguel Tamen
29/4/2016, 1:07
Observador
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