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Mensagem por Admin Ter maio 10, 2016 10:24 am

Medíocres são os que não fazem nem deixam fazer. Coligam-se, unem-se e juntam forças para travar todos os que se cruzam no caminho com ideias melhores e talvez iluminantes. Detestam ver outros brilhar

Harold Bloom, crítico literário, escritor e ensaísta norte-americano, autor de “Génio”, o livro genial que escreveu há um par de anos, deteve-se sobre 100 dos autores mais criativos de toda a história da literatura, para tentar definir o génio particular destas 100 personagens, sem pretender criar um top-100 e, muito menos, ser definitivo quanto aos ‘100 mais’. Apenas queria muito escrever sobre estes, ponto.

Assumiu que deixou de fora verdadeiros génios como Einstein, Delacroix, Mozart e Louis Armstrong, entre muitos outros, porque somente lhe importavam os génios da língua. Incisivo e extraordinariamente perspicaz, como sempre, Bloom começa por sublinhar que o pensamento em grupo é a praga da nossa Era da Informação. Não fala explicitamente das redes sociais, mas é óbvio que estão implícitas. Fala do impacto deste mesmo pensamento normalizado, sem génio nem veia, que alastra na sociedade e impera em instituições académicas que considera obsoletas.

“O estudo da mediocridade, seja qual for a sua origem, gera mediocridade. Thomas Mann, descendente de fabricantes de móveis, profetizou que a sua tetralogia de José perduraria porque era bem feita. Nós não aceitamos mesas e cadeiras que tenham as pernas a cair, independentemente de quem as fez, mas instamos os jovens a estudar textos medíocres, sem pernas que os sustenham”.

Abstraindo da Academia e das alegadas instituições obsoletas que Bloom e, de certa forma, todos conhecemos, na verdade a teoria da mediocridade aplica-se a todas as áreas do conhecimento e da acção humana. É uma matemática infalível. Assim como a confiança gera confiança, e a desconfiança, desconfiança, também a mediocridade gera mediocridade. E por aí adiante. É fácil perceber e conferir em nós e à nossa volta. Daí que o foco de Bloom seja o génio, a inspiração máxima, o dom superlativo, e não os que ficam aquém, os que apostam numa lógica suficiente ou aspiram a alcançar apenas o meio da tabela.

Em ‘Génio’, Harold Bloom mostra os caminhos inversos aos da mediocridade e traz uma luz incrível que ajuda a iluminar as sombras que derramam sobre o mundo todos aqueles que vivem obcecados em apagar luzes e brilhos. Medíocres são todos os que não fazem, nem deixam fazer. Os que se coligam e unem, que juntam forças para travar os que se atravessam no seu caminho com ideias melhores que as suas e porventura mais iluminantes. Os medíocres detestam ver outros brilhar e fazem tudo o que estiver ao seu alcance para os escurecer. Se possível, aniquilar.

Felizmente dos medíocres não reza a História e também por isso vale a pena ler “Génio”, para percebermos os caminhos que levam a verdadeiras conquistas para a humanidade. Vejamos, então, em que consiste a anatomia do génio, segundo Harold Bloom.“O génio autêntico tem sempre a capacidade de nos absorver” e chega-nos como que através dos poros, fazendo-nos dedicar-lhe um interesse ou uma atenção totais. “O génio afirma a sua autoridade sobre mim, quando reconheço poderes maiores que os meus”.

Bloom, que escreve apenas sobre génios que já morreram, interroga-se naturalmente sobre a relação entre o génio recente, contemporâneo, e a autoridade estabelecida. Ou seja, pergunta-se se existe ligação entre as pessoas com autêntico génio e as pessoas que hoje em dia representam a autoridade. “Neste momento, no início do século XXI, eu diria: ‘pois nenhuma, absolutamente nenhuma’. As nossas confusões sobre os padrões canónicos para o génio transformaram-se em confusões institucionalizadas, de modo que os nossos julgamentos acerca da diferença entre o talento e o génio estão à mercê dos meios de comunicação e obedecem às políticas culturais e aos seus caprichos”.

Bloom tenta clarificar esta percepção que considera distorcida fornecendo critérios para julgarmos e avaliarmos o verdadeiro génio, que como reconhece, é muito arriscado definir. Em todo o caso ele arrisca dizendo que aprendemos a identificar-nos com aquilo que sentimos como uma grandeza que nos acrescenta, que podemos juntar ao nosso eu, sem tocar a integridade de cada um. É interessante esta perspectiva de ‘grandeza’ do génio que acrescenta sempre, sem ameaçar nem violar a nossa integridade. Nesta lógica ainda menos se percebem as confusões institucionalizadas ou as atitudes recorrentes perante pessoas geniais, quando são olhadas com desconfiança, rotuladas e postas à margem. E sabemos bem que a História está cheia de génios que não chegam a ser reconhecidos em vida, ou têm existências marcadas pela adversidade e exclusão.

“Talvez a ‘grandeza’ esteja fora de moda, tal como o transcendente, mas é difícil continuar a viver sem a esperança de um encontro com o extraordinário”.

Encontrar o extraordinário noutra pessoa tornou-se espinhoso para muitos. E, no entanto, “crescer graças ao génio de outros é aumentar as possibilidades de sobrevivência, pelo menos no presente e no futuro próximo”. Nunca saberemos qual a verdadeira substância do génio nem nunca teremos a certeza sobre como ele se forma, mas sabemos que existe para nosso imenso enriquecimento. Se pensarmos numa linha avançada da humanidade, identificamos facilmente vários génios em várias dimensões e geografias, a puxarem-nos para a frente e a elevarem permanentemente a fasquia.

“Todos os génios têm antecessores”. É fabulosa a consciência desta genealogia que nem sempre permite saber quem são esses mesmos antecessores. Bloom cita Isaac D’Israeli quando afirma que “é necessário que surjam muitos homens de génio antes de um homem de génio especial poder aparecer”, mas na verdade se recuarmos para um passado remoto poderemos nunca chegar a saber quem são esses muitos homens e mulheres que antecedem um verdadeiro génio.

Crítico entre críticos, mestre entre mestres, Bloom é panfletário: “o génio já não é um termo muito grato aos académicos, muitos dos quais se converteram em niveladores culturais imunes ao espanto. No entanto, com o público, a ideia de génio mantém o seu prestígio, embora a palavra em si possa parecer um tanto ou quanto desgastada.” E grita, como se a manifestação fosse real e ele próprio desfilasse com um cartaz onde está inscrito: “Precisamos de génio, por mais inveja ou desconforto que ele provoque em muitos de nós!”

William Blake, um génio visionário que Bloom admira e cita, afirmou que “todas as épocas são iguais, mas o génio está sempre acima da sua época”. Harold Bloom conclui, então, que “não podemos enfrentar o século XXI sem esperar que ele nos traga um Stravinsky ou um Louis Armstrong, um Picasso ou um Matisse, um Proust ou um James Joyce. Desejar um Dante ou um Shakespeare, um J. S. Bach ou um Mozart, um Miguel Ângelo ou um Leonardo é pedir de mais, dado que os talentos de tal magnitude são muito raros. Contudo, queremos e necessitamos daquele que se elevar acima do século XXI, qualquer que seja a sua manifestação”.

Apetece elevar o olhar, abstrair do pensamento em grupo, escapar aos ícones modernos, desligar os botões que dão voz aos medíocres e neutralizar todas as coligações de gente que não faz nem deixa fazer, para ficarmos atentos às manifestações de génio. Que as há sempre e em todas as épocas, mas não nos cenários massificados e diariamente transmitidos, supostamente habitados por lendas vivas. Ao contrário do talento, que por maior que seja é sempre limitado, o génio não tem limites. E esse é o sinal.

Laurinda Alves
10/5/2016, 0:52
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