Les bourgeois

A moda é um fenómeno eminentemente urbano, historicamente identificado na viragem da industrialização, na Revolução Francesa, e que os séculos foram paulatinamente integrando nos comportamentos das sociedades modernas, com notória e progressiva influência temporal na formatação das mentalidades.

Dir-se-ia que a moda se democratizou, com tudo o que isso implica de crescente complexidade e dificuldade no juízo crítico diferenciador, estético ou literário, e também, claro está, político ou ideológico. Por isso mesmo, a moda interessa ao poder. E na medida em que este cada vez mais depende da comunicação, a moda tornou-se também progressivamente instrumental, sistémica, e foi perdendo a sua originária autonomia criativa. Nem Goebbels nem Jdanov nem os sucedâneos imaginariam que o politicamente correto desse um abraço de urso à maria-vai-com-as-outras. Chanel em Havana, pois.

O premonitório Oscar Wilde disse, há mais de cem anos, “only a fool would not judge by appearances”. Finíssima ironia. Era o tempo em que o bom Jacinto de Tormes, virtuoso cúmplice do seu criador, se pilhava em Paris, onde “(…) tudo era róseo, as paredes, os móveis, as luzes, as louças, os cristais, os gelados, os champanhes, e até (por uma invenção da Alta Cozinha), os peixes, as carnes, e os legumes que os escudeiros serviam, empoados de pó rosado, com librés cor-de-rosa, enquanto do tecto, de um velário de seda rosada caíam pétalas frescas de rosas”, até que Tormes, com a sua “bela, forte e sã planta de serra”, Joaninha de Sandofim, o tomasse de vez ao barulho das luzes. E… tutto si muove.

Escreve à terça-feira

10/05/2016
Elísio Summavielle 
opiniao@newsplex.pt 
Jornal i