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Mensagem por Admin Seg maio 23, 2016 10:24 am

"Beber vinho é dar pão a um milhão de portugueses." O slogan foi uma criação do Estado Novo. Mas o mito perdura. Qualquer debate sobre medidas que penalizem bebidas alcoólicas - seja por via fiscal, através do Código da Estrada, ou apertando as regras para consumo em idades precoces - esbarra no argumento de que este é um setor estratégico para a economia nacional.

Na semana passada entrou em vigor a lei que obriga à inserção de imagens chocantes em maços de tabaco. Leram-se análises sobre números, discutiu-se até que ponto a lei deveria dar mais passos restritivos, repetiu-se o discurso punitivo relativamente aos fumadores. A diferença de tratamento que damos aos dois consumos não é apenas fiscal, com o vinho a ser sistematicamente protegido relativamente ao tabaco e a outras bebidas, particularmente as espirituosas. Socialmente, continuamos a ter dois pesos e duas medidas quando olhamos para o tabaco e para o álcool.

É verdade que a vitivinicultura é um setor estratégico na economia portuguesa. Mas esse peso não dispensa uma atitude crítica sobre o facto de usarmos esse argumento para silenciar alguma má consciência pela forma como não conseguimos travar os números assustadores do consumo. Somos o décimo país no Mundo onde se bebe mais. Os dados atualizados da Organização Mundial de Saúde foram divulgados esta sexta-feira, mas passaram quase despercebidos.

O setor vinícola deve afirmar-se pela qualidade. Pela capacidade de conquistar novos mercados de exportação. Pelas ofertas turísticas de nicho associadas. Não pela persistência numa cultura de consumo massivo. E se para o tabaco é fácil apontar estatísticas sobre a mortalidade do cancro de pulmão, números não faltam para explicar os efeitos do álcool. Um terço das vítimas mortais de acidentes rodoviários tinha álcool no sangue. A esperança média de vida para consumidores persistentes é reduzida em 10 a 12 anos. O excesso de álcool é detonador de situações de violência doméstica, porque aumenta a impulsividade e a agressividade.

O sinal dado pela carta por pontos, que penaliza fortemente a condução sob efeito de álcool, é positivo. Mas transversalmente fazem falta mais medidas preventivas. Encararmos que se bebe, em Portugal, demasiado e em idades demasiado precoces. Admitirmos a dificuldade de diversão sem a presença permanente de um tóxico. Para lá dos mitos, há uma realidade de efeitos sociais duros. E dormentes.

INÊS CARDOSO, SUBDIRETORA
23 Maio 2016 às 00:14
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