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PORTO DE LISBOA: Os estivadores venceram. A minha cidade e o meu país perderam
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PORTO DE LISBOA: Os estivadores venceram. A minha cidade e o meu país perderam
Que dizer de um acordo que impede uma empresa de contratar mais trabalhadores? E que permite progressões na carreira mesmo sem mérito? A chantagem corporativa venceu, pela mão do governo da geringonça
Vamos lá ver se percebi bem. Um dos pontos do acordo com o sindicato dos estivadores é que uma das empresas de trabalho portuário de Lisboa deixe de contratar mais trabalhadores. Exacto, não me enganei: com o alto patrocínio da ministra do Mar e de António Costa, foi assinado um acordo que impede que se crie mais emprego no Porto de Lisboa, a não ser com autorização do sindicato.
No tempo de Salazar havia uma lei, chamada de “condicionamento industrial”, que limitava a criação de novas empresas à verificação de que estas não iriam fazer concorrência com empresas já instaladas. Se já houvesse uma fábrica de parafusos, não haveria mais fábricas de parafusos sem que o governo autorizasse. Agora estamos a viver uma situação semelhante com os estivadores, só que o poder de veto passou para a mão do seu sindicato.
Mas há mais: num país onde o salário médio bruto de um trabalhador por conta de outrem é de 900 euros, o salário de entrada de um estagiário de estivador é de 1046 euros, sendo que este só pode estar um ano nessa categoria. Mais: do acordo assinado na noite da passada sexta-feira resultou que existirá “um regime misto de progressões automáticas por decurso do tempo e de progressões por mérito com base em critérios objectivos”, o que significa que mesmo quem não tenha mérito nenhum terá sempre a possibilidade de progredir na carreira.
Não surpreende que, nestas condições, o sindicato tenha levantado a greve. No fundo o que saiu da negociação foi uma espécie de recuo no tempo e de regresso às condições de chantagem corporativa que tinham começado a ser quebradas com a aprovação da nova lei do trabalho portuário em 2012, era ainda ministro Álvaro Santos Pereira. Essa nova lei liberalizou muitos aspectos da regulação do trabalho nos portos e permitiu que alguns deles se tornassem mais competitivos e vissem o seu tráfego aumentar significativamente, como sucedeu em Leixões ou em Sines. Essa lei, cuja aprovação em 2012 teve de vencer greves convocadas por este mesmo sindicato que agora canta vitória, assim como manifestações que terminaram de forma violenta, também permitiu alguma liberalização do trabalho no Porto de Lisboa, onde foi criada uma outra empresa, a PORLIS, concorrente da Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa, criando condições mínimas de abertura do mercado.
De resto uma das originalidades da greve das últimas semanas é que esta tinha características de lock-out, já que os estivadores em greve impediam os trabalhadores da empresa concorrente também trabalhassem. Quando a política interveio para permitir a saída de contentores do Porto de Lisboa não estava a proteger fura-greves, estava a proteger o direito ao trabalho e à livre concorrência.
O que os estivadores agora conseguiram foi impor aos concessionários do Porto de Lisboa a liquidação a prazo dessa empresa concorrente, fazendo com que a regulação do trabalho de estiva regresse ao controle do sindicato, o qual por seu turno protege os já empregados, e entre estes os melhor remunerados, bloqueando para isso a contratação de novos trabalhadores, trabalhadores esses que, como sucede com os da PORLIS, têm mais habilitações e melhor formação.
As características corporativas da actividade de estiva são antigas e bem conhecidas. O famoso filme de Elia Kazan Há Lodo no Cais, protagonizado por Marlon Brando, não reflectia uma situação imaginária, antes realidades vividas nos portos de Nova Iorque. A introdução dos contentores, que revolucionou o comércio à escala global, teve de vencer a resistência destes profissionais, como recordou João Taborda da Gama citando a obra de Marc Levinson, The Box: How the Shipping Container Made the World Smaller and the World Economy Bigger.
A necessidade de quebrar essas resistências corporativas e abrir a profissão – aquilo que o sindicato realmente não quer nem nunca quererá – tem sido um problema recorrente em todos os portos que procuram modernizar-se num mundo cada vez mais interligado e globalizado. Sem que isso aconteça os custos da operação portuária, que em Lisboa continuam a ser mais elevados do que noutros portos portugueses e que nos portos espanhóis mais próximos, vão continuar a penalizar a economia portuguesa. Os operadores que assinaram os acordos não poderão fazer mais do que transferir os custos acrescidos das cedências de sexta-feira à noite para todos os que utilizam o porto de Lisboa, pelo que não faltará quem continue a preferir outros portos nacionais ou espanhóis, mesmo tendo de suportar custos acrescidos de transporte. Tudo isto, está bem de ver, é um ónus para a economia e o emprego da grande Lisboa.
O futuro do Porto de Lisboa, por comparação com os portos onde a actividade portuária foi liberalizada, dificilmente será risonho. Pode mesmo acontecer-lhe o que está a acontecer à metade do Porto do Pireu, na Grécia, que não foi privatizada. Recentemente o jornal inglês The Guardian, ligado à esquerda trabalhista e não a José Rodrigues dos Santos, fez aí uma reveladora reportagem. Na metade do porto que tinha sido privatizada e concessionada a uma companhia chinesa “o volume de negócios triplicou” e o fervilhar de actividade nessa metade do porto que serve a capital grega “está a mundo de distância do filme em câmara lenta a que assistimos na outra metade do porto”, onde havia cada vez menos trabalhos para os “estivadores protegidos por normas laborais e com salários mais elevados, resultados de anos de um sindicalismo inflexível”.
É certo que já vi defender na imprensa portuguesa (Daniel Oliveira) que onde se está bem é na parte do Porto do Pireu de onde o tráfego está a desaparecer, mas isso não me surpreende, pois os que sempre disseram que a globalização traria a pobreza aos mais pobres do mundo são os mesmos que hoje, quando é evidente que foi o contrário que sucedeu, tratam de proteger os instalados da concorrência de todos quantos estão precisamente a sair da pobreza. A actividade portuária é precisamente um dos estreitos por onde passa a corrente da globalização, pelo que nossos novos reaccionários, mesmo quando se auto-classificam de progressistas, gostariam de aí erguer novas barreiras proteccionistas. Não admira por isso que tenham, de novo, alinhado ao lado de estivadores que, nas manifestações de 2012, foram surpreendidos a fazer a saudação nazi.
De resto, quanto ao Governo que nos trouxe mais este magnífico “acordo” e a todos os que já se preparam para saudar as habilidades negociais do primeiro-ministro, a única coisa que recomendo é que comecem a somar as facturas de todas essas habilidades. É que vamos pagá-las, se é que já não estamos a fazê-lo, e com juros.
José Manuel Fernandes
29/5/2016, 11:03
Observador
Vamos lá ver se percebi bem. Um dos pontos do acordo com o sindicato dos estivadores é que uma das empresas de trabalho portuário de Lisboa deixe de contratar mais trabalhadores. Exacto, não me enganei: com o alto patrocínio da ministra do Mar e de António Costa, foi assinado um acordo que impede que se crie mais emprego no Porto de Lisboa, a não ser com autorização do sindicato.
No tempo de Salazar havia uma lei, chamada de “condicionamento industrial”, que limitava a criação de novas empresas à verificação de que estas não iriam fazer concorrência com empresas já instaladas. Se já houvesse uma fábrica de parafusos, não haveria mais fábricas de parafusos sem que o governo autorizasse. Agora estamos a viver uma situação semelhante com os estivadores, só que o poder de veto passou para a mão do seu sindicato.
Mas há mais: num país onde o salário médio bruto de um trabalhador por conta de outrem é de 900 euros, o salário de entrada de um estagiário de estivador é de 1046 euros, sendo que este só pode estar um ano nessa categoria. Mais: do acordo assinado na noite da passada sexta-feira resultou que existirá “um regime misto de progressões automáticas por decurso do tempo e de progressões por mérito com base em critérios objectivos”, o que significa que mesmo quem não tenha mérito nenhum terá sempre a possibilidade de progredir na carreira.
Não surpreende que, nestas condições, o sindicato tenha levantado a greve. No fundo o que saiu da negociação foi uma espécie de recuo no tempo e de regresso às condições de chantagem corporativa que tinham começado a ser quebradas com a aprovação da nova lei do trabalho portuário em 2012, era ainda ministro Álvaro Santos Pereira. Essa nova lei liberalizou muitos aspectos da regulação do trabalho nos portos e permitiu que alguns deles se tornassem mais competitivos e vissem o seu tráfego aumentar significativamente, como sucedeu em Leixões ou em Sines. Essa lei, cuja aprovação em 2012 teve de vencer greves convocadas por este mesmo sindicato que agora canta vitória, assim como manifestações que terminaram de forma violenta, também permitiu alguma liberalização do trabalho no Porto de Lisboa, onde foi criada uma outra empresa, a PORLIS, concorrente da Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa, criando condições mínimas de abertura do mercado.
De resto uma das originalidades da greve das últimas semanas é que esta tinha características de lock-out, já que os estivadores em greve impediam os trabalhadores da empresa concorrente também trabalhassem. Quando a política interveio para permitir a saída de contentores do Porto de Lisboa não estava a proteger fura-greves, estava a proteger o direito ao trabalho e à livre concorrência.
O que os estivadores agora conseguiram foi impor aos concessionários do Porto de Lisboa a liquidação a prazo dessa empresa concorrente, fazendo com que a regulação do trabalho de estiva regresse ao controle do sindicato, o qual por seu turno protege os já empregados, e entre estes os melhor remunerados, bloqueando para isso a contratação de novos trabalhadores, trabalhadores esses que, como sucede com os da PORLIS, têm mais habilitações e melhor formação.
As características corporativas da actividade de estiva são antigas e bem conhecidas. O famoso filme de Elia Kazan Há Lodo no Cais, protagonizado por Marlon Brando, não reflectia uma situação imaginária, antes realidades vividas nos portos de Nova Iorque. A introdução dos contentores, que revolucionou o comércio à escala global, teve de vencer a resistência destes profissionais, como recordou João Taborda da Gama citando a obra de Marc Levinson, The Box: How the Shipping Container Made the World Smaller and the World Economy Bigger.
A necessidade de quebrar essas resistências corporativas e abrir a profissão – aquilo que o sindicato realmente não quer nem nunca quererá – tem sido um problema recorrente em todos os portos que procuram modernizar-se num mundo cada vez mais interligado e globalizado. Sem que isso aconteça os custos da operação portuária, que em Lisboa continuam a ser mais elevados do que noutros portos portugueses e que nos portos espanhóis mais próximos, vão continuar a penalizar a economia portuguesa. Os operadores que assinaram os acordos não poderão fazer mais do que transferir os custos acrescidos das cedências de sexta-feira à noite para todos os que utilizam o porto de Lisboa, pelo que não faltará quem continue a preferir outros portos nacionais ou espanhóis, mesmo tendo de suportar custos acrescidos de transporte. Tudo isto, está bem de ver, é um ónus para a economia e o emprego da grande Lisboa.
O futuro do Porto de Lisboa, por comparação com os portos onde a actividade portuária foi liberalizada, dificilmente será risonho. Pode mesmo acontecer-lhe o que está a acontecer à metade do Porto do Pireu, na Grécia, que não foi privatizada. Recentemente o jornal inglês The Guardian, ligado à esquerda trabalhista e não a José Rodrigues dos Santos, fez aí uma reveladora reportagem. Na metade do porto que tinha sido privatizada e concessionada a uma companhia chinesa “o volume de negócios triplicou” e o fervilhar de actividade nessa metade do porto que serve a capital grega “está a mundo de distância do filme em câmara lenta a que assistimos na outra metade do porto”, onde havia cada vez menos trabalhos para os “estivadores protegidos por normas laborais e com salários mais elevados, resultados de anos de um sindicalismo inflexível”.
É certo que já vi defender na imprensa portuguesa (Daniel Oliveira) que onde se está bem é na parte do Porto do Pireu de onde o tráfego está a desaparecer, mas isso não me surpreende, pois os que sempre disseram que a globalização traria a pobreza aos mais pobres do mundo são os mesmos que hoje, quando é evidente que foi o contrário que sucedeu, tratam de proteger os instalados da concorrência de todos quantos estão precisamente a sair da pobreza. A actividade portuária é precisamente um dos estreitos por onde passa a corrente da globalização, pelo que nossos novos reaccionários, mesmo quando se auto-classificam de progressistas, gostariam de aí erguer novas barreiras proteccionistas. Não admira por isso que tenham, de novo, alinhado ao lado de estivadores que, nas manifestações de 2012, foram surpreendidos a fazer a saudação nazi.
De resto, quanto ao Governo que nos trouxe mais este magnífico “acordo” e a todos os que já se preparam para saudar as habilidades negociais do primeiro-ministro, a única coisa que recomendo é que comecem a somar as facturas de todas essas habilidades. É que vamos pagá-las, se é que já não estamos a fazê-lo, e com juros.
José Manuel Fernandes
29/5/2016, 11:03
Observador
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