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Um imenso jardim-de-infância
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Um imenso jardim-de-infância
Em fevereiro de 2010, quando não tivemos outro remédio senão alterar a periodicidade da revista Actualidad Económica de semanal para mensal, inaugurámos a nova época com um assunto que tem sido recorrente desde então: "Irão os filhos, pela primeira vez, viver pior do que os seus pais?" A resposta que nos deram então os peritos com quem falámos foi que não. Que não havia razões para alarme. Que não estamos na presença de uma geração perdida. Basicamente porque os nossos filhos estão mais bem preparados e porque dominam a poderosa tecnologia que está a ser o gérmen das mudanças revolucionárias dos novos tempos. Mas, seis anos depois, não existe nenhum tópico mais arraigado entre a juventude ocidental, desde a europeia até à norte-americana, que o de pensar que o seu futuro será menos brilhante que o dos seus pais, que nunca conseguirão uma ascensão económica e social comparável à nossa. É um pessimismo sem fundamento. Até insultuoso, porque pressupõe que para nós foi tudo fácil, que vivemos sempre rodeados de todo o tipo de confortos. E não é verdade.
Eu nasci numa pequena aldeia em que as ruas não eram asfaltadas. Vivíamos num apartamento alugado que não tinha aquecimento e onde trabalhávamos com um aquecedor a gás na diminuta sala de estar da casa e com um fogão a lenha na cozinha que nos dava calor na hora do almoço ou do jantar. Quando nos metíamos na cama, os lençóis estavam gelados. Não tínhamos televisão. Víamo-la em casa de uma tia aos fins de semana até que, já tinha eu passado dos 5 anos, os meus pais puderam comprar uma. Não gozei férias fora da povoação onde morava até quase à adolescência. E só conheci a praia aos 12 anos, quando o meu pai, que sempre teve mais de um emprego, pôde comprar um automóvel. Quando conto estas coisas aos meus filhos parece que lhes estou a falar de outro planeta. Mas fazem parte da minha pequena história e correspondem à realidade dos factos.
A diferença entre as duas gerações, a minha e a atual, é que eu sempre fui feliz a jogar futebol com os meus amigos nas ruas por asfaltar e sem televisão, enquanto eles, agora que são adultos - um estuda, o outro trabalha -, estão preocupados com a eventualidade de que tudo o que desfrutaram até à data se dissolva como um torrão de açúcar. A maioria dos jovens que estão a trabalhar acham que recebem pouco e inquietam-se com o facto de não poderem tornar-se independentes. Tudo lhes parece, aparentemente, muito complicado porque carecem da grande virtude da paciência e estão viciados no conforto. Não é o caso dos meus filhos, a quem procurei educar nas virtudes do capitalismo e do mercado livre, mas esta situação inquietante é a razão pela qual muitos jovens mostram desamor pela política e, o que é pior, aderem com frequência a ideologias anacrónicas como o marxismo, ainda que seja pintado de verde, ou o populismo nas suas diferentes versões, quer seja de direita ou de esquerda.
O mais vulgar é relacionar este sentimento de desenraizamento ou de contestação, que além da juventude invade também as classes sociais média e baixa, com as dramáticas consequências da Grande Recessão e o seu rasto de destruição de empresas e de desemprego galopante. Mas a mim parece-me que tem que ver com causas que ultrapassam a explicação meramente económica. Contrariamente ao pensamento único e politicamente correto, que adjudica o que nos está a acontecer ao predomínio do neoliberalismo na maioria dos países desenvolvidos que sofrem esta crise existencial, eu creio que a origem dos problemas é a contrária: a criação de um Estado moderno monstruoso que faz demasiadas coisas e que pretende continuar a fazê-las. Foi gerado um modelo em que a ligação entre os deveres e os direitos dos cidadãos desapareceu. E como o grosso dos direitos que os cidadãos exigem são materiais e têm um custo que alguém há de pagar; como a sua satisfação está condicionada pelos recursos disponíveis, que por natureza são escassos, o cumprimento dessas expectativas conduz ou a um endividamento crónico - e, no limite, à eventual bancarrota do Estado - ou a uma sociedade de beneficiários da assistência pública que se transforma numa sociedade frustrada, que protesta quando tem a perceção de que é impossível que se cumpram as promessas de que se sente credora.
O meu amigo Lorenzo Bernaldo de Quirós, uma das melhores plumas de Espanha, assegura que as democracias ocidentais deixaram de tratar os seus cidadãos como seres adultos. E penso que tem razão. Fabricaram um gigantesco e caríssimo jardim--de-infância. Um jardim-de-infância insustentável porque o mundo em que vivemos, a globalização, as tecnologias da informação, a necessidade de inovar, a evolução demográfica exigem respostas diferentes das de um Estado hipertrofiado que, além do mais, impõe uma carga fiscal brutal aos cidadãos. Por isso, manter um aparelho estatal que não vai ser capaz de satisfazer num horizonte temporal próximo as expectativas materiais geradas nos seus abnegados e explorados súbditos só pode conduzir à frustração social que domina os nossos jovens - e não só -, e a impedir o crescimento económico.
Não se deveria refletir no debate público sobre o futuro que nos espera se não mudarmos as coisas? O escritor francês Guy Sorman, que tem quatro filhas que também pensam que as suas expectativas são menos radiosas do que as que o seu pai teve, não tem dúvida de que elas viverão muito melhor do que ele. Desde logo, no aspeto material. E no aspeto social ou espiritual? "Não o sabemos - diz - mas se eu tivesse 20 anos sentir-me-ia motivado pelo facto de me atirar ao desconhecido. Já é hora de as minhas filhas o fazerem em vez de se deprimirem ou indignarem." O meu filho mais velho tem 24 anos. Trabalha a contrato num hotel há dois anos, mas o seu objetivo na vida é ser empresário, dono da sua própria vida. E ganhar muito dinheiro. O mais possível. Eu tenho 52 anos e continuo a trabalhar por conta de outrem sem vontade, de momento, de tomar as rédeas do resto da minha vida. Não será isto uma evidente melhoria na qualidade do pensamento? Não está o meu filho bem-educado? Nós que temos alguma possibilidade de influenciar aqueles que nos leem devemos tentar o impossível para evitar que a visão estatista, que o socialismo, afogue a esperança dos jovens - a sua capacidade para a criatividade e para se responsabilizarem pelo seu futuro - com promessas vãs impossíveis de cumprir, que lhes infundem uma esperança de segurança, de bem-estar e de proteção que apenas conduz à moleza.
03 DE JUNHO DE 2016
00:00
Miguel Angel Belloso
Diário de Notícias
Eu nasci numa pequena aldeia em que as ruas não eram asfaltadas. Vivíamos num apartamento alugado que não tinha aquecimento e onde trabalhávamos com um aquecedor a gás na diminuta sala de estar da casa e com um fogão a lenha na cozinha que nos dava calor na hora do almoço ou do jantar. Quando nos metíamos na cama, os lençóis estavam gelados. Não tínhamos televisão. Víamo-la em casa de uma tia aos fins de semana até que, já tinha eu passado dos 5 anos, os meus pais puderam comprar uma. Não gozei férias fora da povoação onde morava até quase à adolescência. E só conheci a praia aos 12 anos, quando o meu pai, que sempre teve mais de um emprego, pôde comprar um automóvel. Quando conto estas coisas aos meus filhos parece que lhes estou a falar de outro planeta. Mas fazem parte da minha pequena história e correspondem à realidade dos factos.
A diferença entre as duas gerações, a minha e a atual, é que eu sempre fui feliz a jogar futebol com os meus amigos nas ruas por asfaltar e sem televisão, enquanto eles, agora que são adultos - um estuda, o outro trabalha -, estão preocupados com a eventualidade de que tudo o que desfrutaram até à data se dissolva como um torrão de açúcar. A maioria dos jovens que estão a trabalhar acham que recebem pouco e inquietam-se com o facto de não poderem tornar-se independentes. Tudo lhes parece, aparentemente, muito complicado porque carecem da grande virtude da paciência e estão viciados no conforto. Não é o caso dos meus filhos, a quem procurei educar nas virtudes do capitalismo e do mercado livre, mas esta situação inquietante é a razão pela qual muitos jovens mostram desamor pela política e, o que é pior, aderem com frequência a ideologias anacrónicas como o marxismo, ainda que seja pintado de verde, ou o populismo nas suas diferentes versões, quer seja de direita ou de esquerda.
O mais vulgar é relacionar este sentimento de desenraizamento ou de contestação, que além da juventude invade também as classes sociais média e baixa, com as dramáticas consequências da Grande Recessão e o seu rasto de destruição de empresas e de desemprego galopante. Mas a mim parece-me que tem que ver com causas que ultrapassam a explicação meramente económica. Contrariamente ao pensamento único e politicamente correto, que adjudica o que nos está a acontecer ao predomínio do neoliberalismo na maioria dos países desenvolvidos que sofrem esta crise existencial, eu creio que a origem dos problemas é a contrária: a criação de um Estado moderno monstruoso que faz demasiadas coisas e que pretende continuar a fazê-las. Foi gerado um modelo em que a ligação entre os deveres e os direitos dos cidadãos desapareceu. E como o grosso dos direitos que os cidadãos exigem são materiais e têm um custo que alguém há de pagar; como a sua satisfação está condicionada pelos recursos disponíveis, que por natureza são escassos, o cumprimento dessas expectativas conduz ou a um endividamento crónico - e, no limite, à eventual bancarrota do Estado - ou a uma sociedade de beneficiários da assistência pública que se transforma numa sociedade frustrada, que protesta quando tem a perceção de que é impossível que se cumpram as promessas de que se sente credora.
O meu amigo Lorenzo Bernaldo de Quirós, uma das melhores plumas de Espanha, assegura que as democracias ocidentais deixaram de tratar os seus cidadãos como seres adultos. E penso que tem razão. Fabricaram um gigantesco e caríssimo jardim--de-infância. Um jardim-de-infância insustentável porque o mundo em que vivemos, a globalização, as tecnologias da informação, a necessidade de inovar, a evolução demográfica exigem respostas diferentes das de um Estado hipertrofiado que, além do mais, impõe uma carga fiscal brutal aos cidadãos. Por isso, manter um aparelho estatal que não vai ser capaz de satisfazer num horizonte temporal próximo as expectativas materiais geradas nos seus abnegados e explorados súbditos só pode conduzir à frustração social que domina os nossos jovens - e não só -, e a impedir o crescimento económico.
Não se deveria refletir no debate público sobre o futuro que nos espera se não mudarmos as coisas? O escritor francês Guy Sorman, que tem quatro filhas que também pensam que as suas expectativas são menos radiosas do que as que o seu pai teve, não tem dúvida de que elas viverão muito melhor do que ele. Desde logo, no aspeto material. E no aspeto social ou espiritual? "Não o sabemos - diz - mas se eu tivesse 20 anos sentir-me-ia motivado pelo facto de me atirar ao desconhecido. Já é hora de as minhas filhas o fazerem em vez de se deprimirem ou indignarem." O meu filho mais velho tem 24 anos. Trabalha a contrato num hotel há dois anos, mas o seu objetivo na vida é ser empresário, dono da sua própria vida. E ganhar muito dinheiro. O mais possível. Eu tenho 52 anos e continuo a trabalhar por conta de outrem sem vontade, de momento, de tomar as rédeas do resto da minha vida. Não será isto uma evidente melhoria na qualidade do pensamento? Não está o meu filho bem-educado? Nós que temos alguma possibilidade de influenciar aqueles que nos leem devemos tentar o impossível para evitar que a visão estatista, que o socialismo, afogue a esperança dos jovens - a sua capacidade para a criatividade e para se responsabilizarem pelo seu futuro - com promessas vãs impossíveis de cumprir, que lhes infundem uma esperança de segurança, de bem-estar e de proteção que apenas conduz à moleza.
03 DE JUNHO DE 2016
00:00
Miguel Angel Belloso
Diário de Notícias
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