Penumbra

O sol não brilha da mesma maneira para todos. Então para nós, que estendemos as toalhas nesta ponta ocidental da Europa, não tem brilhado nada nesta primavera que parece inverno. A nossa relação com a meteorologia nunca foi fácil, mas agora que se tornou fundamentalmente tecnológica passou a ser esquizofrénica. A ponto de deixarmos o futuro imediato nas mãos de uma aplicação de smartphone que faz projeções a dez dias. O bom tempo é cada vez mais um sinal de liberdade num mundo que gira depressa de mais para o nosso metabolismo. Se está sol vamos à esplanada, se está sol vamos à praia, se está sol vamos. Não importa onde. Se está sol somos, enfim, um pouco mais felizes. Nunca pensamos no sol como um passaporte para fugirmos, como um salvo-conduto numa viagem infernal. Para nós, o sol é só um trampolim para a satisfação. Mas para o exército de refugiados que, todos os dias, continua a desaguar na Europa, o sol é um chamamento, uma janela de onde se vê o amanhã. É agora, que o bom tempo desperta, que eles se lançam ainda em maior número em botes frágeis, apinhados, na esperança de que o astro os ilumine e aqueça. Ontem, numa praia da Líbia, 117 cadáveres anónimos foram encontrados a meio do trajeto para Itália. Jaziam frios. Debaixo do sol.

Pedro Ivo Carvalho
04 Junho 2016 às 00:02
Jornal de Notícias