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Armadilhas à solta
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Armadilhas à solta
O comentário político, com pendor de Direita, tem estado ativo na promoção de duas ideias políticas perigosas: a de que só é defensor da Europa quem assume obediência acrítica aos tratados, às regras e às práticas dos poderes dominantes na União Europeia (UE); a que coloca a reposição pontual de rendimentos e direitos, e a não sujeição àquela conceção de europeísmo, como causas de enfraquecimento da "fada" confiança e impedimento do investimento e do crescimento económico. Com que provas empíricas são construídas estas teorias?
"Antieuropeísmo" é o epíteto que todo o opinador de Direita dispara quando confrontado com apreciações críticas às instituições e orientações da UE. Durante muito tempo a catalogação atribuída foi "euroceticismo", agora subiu na escala do acinte passando para "anti". O curioso e contraditório deste argumentário é que quem levou a União Europeia - através dos tratados de Maastricht e de Lisboa, do Euro e do Tratado Orçamental - ao estado em que se encontra foram os que hoje se dizem pró-europeus. Com amigos destes a UE nem precisa de inimigos para se desagregar.
O "anti" de que os opinadores de Direita abusam serve um propósito: bloquear o debate sobre a UE. Para eles, a União Europeia é e tem de continuar a ser frente avançada do neoliberalismo, ponto final. Discordar é ser anti, é ser subversivo. Se pudessem tornavam ilegal a discordância. Ora, mais que em outros períodos da sua história, é imperioso discutir a UE.
Disse o primeiro-ministro António Costa, no Congresso do PS, que "é difícil ser socialista na Europa". É uma constatação que dá que pensar. É difícil ser socialista na Europa porque esta, ao mesmo tempo que assegura a mobilidade das mercadorias e dos capitais, é incapaz de estabelecer regras tão simples como taxas de imposto uniformes sobre os rendimentos de capital, ou salários mínimos dignos a todos os trabalhadores, ou tornar universal e efetiva a proteção social. A UE promove uma corrida para o fundo no que diz respeito à taxação do capital, deixando o trabalho a ser, de forma direta ou indireta, a única fonte de receita fiscal.
É difícil ser socialista na Europa, porque esta impõe regras orçamentais que só convêm aos credores e porque proporciona refúgio em paraísos fiscais a fortunas que fogem às suas obrigações para com o coletivo das sociedades. As dificuldades existem porque a Europa se transformou num espaço onde a livre escolha dos eleitores dificilmente tem tradução em políticas que correspondam a essas escolhas. Dito por outras palavras: o que hoje é difícil é fazer vingar a democracia. Mas, sem hesitações, vale a pena lutar por ela.
Entretanto, o que está de facto a impedir o aumento do investimento, o crescimento, a confiança e a criação de emprego? Não é a reposição de feriados e das 35 horas na Administração Pública, ou outras pequenas recuperações de justiça social. Historicamente, as reduções do tempo de trabalho impulsionaram modernização empresarial, avanços tecnológicos e ajudaram à criação de emprego. Assumindo que o trabalho tem dimensões económicas, sociais, culturais e políticas, os estados modernos foram impulsionadores de reduções de horários de trabalho, de melhorias nas relações de trabalho e procuraram criar dinâmicas de harmonização no progresso. Hoje, quando alguma gente aborda a questão da igualdade/desigualdade numa perspetiva de harmonização no retrocesso, nem se apercebe que está a negar princípios do Estado Social de Direito Democrático que ancoram os direitos humanos e os compromissos, em todas as áreas, de cada geração para com as gerações seguintes.
As desconfianças e os entraves ao investimento têm outras origens: i) a podridão do setor financeiro - para haver investimento a máquina do crédito tem de estar bem oleada; ii) as promiscuidades entre o público e o privado; iii) o empolamento do binómio público/privado acompanhado por insuficiente aposta e responsabilização do terceiro setor, da economia solidária e da economia social; iv) as persistentes restrições ao investimento público - resultantes dos brutais encargos da dívida e de regras europeias - essencial para alavancar o investimento privado.
* INVESTIGADOR E PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
MANUEL CARVALHO DA SILVA
Hoje às 00:00
Jornal de Notícias
"Antieuropeísmo" é o epíteto que todo o opinador de Direita dispara quando confrontado com apreciações críticas às instituições e orientações da UE. Durante muito tempo a catalogação atribuída foi "euroceticismo", agora subiu na escala do acinte passando para "anti". O curioso e contraditório deste argumentário é que quem levou a União Europeia - através dos tratados de Maastricht e de Lisboa, do Euro e do Tratado Orçamental - ao estado em que se encontra foram os que hoje se dizem pró-europeus. Com amigos destes a UE nem precisa de inimigos para se desagregar.
O "anti" de que os opinadores de Direita abusam serve um propósito: bloquear o debate sobre a UE. Para eles, a União Europeia é e tem de continuar a ser frente avançada do neoliberalismo, ponto final. Discordar é ser anti, é ser subversivo. Se pudessem tornavam ilegal a discordância. Ora, mais que em outros períodos da sua história, é imperioso discutir a UE.
Disse o primeiro-ministro António Costa, no Congresso do PS, que "é difícil ser socialista na Europa". É uma constatação que dá que pensar. É difícil ser socialista na Europa porque esta, ao mesmo tempo que assegura a mobilidade das mercadorias e dos capitais, é incapaz de estabelecer regras tão simples como taxas de imposto uniformes sobre os rendimentos de capital, ou salários mínimos dignos a todos os trabalhadores, ou tornar universal e efetiva a proteção social. A UE promove uma corrida para o fundo no que diz respeito à taxação do capital, deixando o trabalho a ser, de forma direta ou indireta, a única fonte de receita fiscal.
É difícil ser socialista na Europa, porque esta impõe regras orçamentais que só convêm aos credores e porque proporciona refúgio em paraísos fiscais a fortunas que fogem às suas obrigações para com o coletivo das sociedades. As dificuldades existem porque a Europa se transformou num espaço onde a livre escolha dos eleitores dificilmente tem tradução em políticas que correspondam a essas escolhas. Dito por outras palavras: o que hoje é difícil é fazer vingar a democracia. Mas, sem hesitações, vale a pena lutar por ela.
Entretanto, o que está de facto a impedir o aumento do investimento, o crescimento, a confiança e a criação de emprego? Não é a reposição de feriados e das 35 horas na Administração Pública, ou outras pequenas recuperações de justiça social. Historicamente, as reduções do tempo de trabalho impulsionaram modernização empresarial, avanços tecnológicos e ajudaram à criação de emprego. Assumindo que o trabalho tem dimensões económicas, sociais, culturais e políticas, os estados modernos foram impulsionadores de reduções de horários de trabalho, de melhorias nas relações de trabalho e procuraram criar dinâmicas de harmonização no progresso. Hoje, quando alguma gente aborda a questão da igualdade/desigualdade numa perspetiva de harmonização no retrocesso, nem se apercebe que está a negar princípios do Estado Social de Direito Democrático que ancoram os direitos humanos e os compromissos, em todas as áreas, de cada geração para com as gerações seguintes.
As desconfianças e os entraves ao investimento têm outras origens: i) a podridão do setor financeiro - para haver investimento a máquina do crédito tem de estar bem oleada; ii) as promiscuidades entre o público e o privado; iii) o empolamento do binómio público/privado acompanhado por insuficiente aposta e responsabilização do terceiro setor, da economia solidária e da economia social; iv) as persistentes restrições ao investimento público - resultantes dos brutais encargos da dívida e de regras europeias - essencial para alavancar o investimento privado.
* INVESTIGADOR E PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
MANUEL CARVALHO DA SILVA
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