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Os convertíveis
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Os convertíveis
A extrema-direita chegará ao poder pelas mãos do politicamente correto. Como em Portugal não há extrema-direita, talvez tenhamos de levar com uma extrema-direita qualquer estrangeira, o que não sei se será pior, ou melhor.
Eleitos pelo voto, os políticos em democracia tendem a pregar mais aos convertíveis do que aos convertidos. Os convertíveis, aqueles que mudam de voto de eleição para eleição, ou votam numas e noutras não, tendem a ser politicamente menos comprometidos. Ora, o comum do votante, menos engajado, com a vida para tratar, vota tendencialmente ao meio, no mais ponderado dos discursos, dos argumentos. Assim, para capturar o voto do cidadão médio, o político fica capturado pelo discurso que pensa que agrada ao cidadão médio. E aqui a palavra importante é pensa, porque o que o cidadão médio acha varia conforme o tempo, o lugar, o saldo do multibanco - e o político é lento na sua atualização.
A isto juntou-se a crise financeira, com os seus efeitos aparentemente contraditórios no discurso público, que anda sempre entre o reiki e o pelourinho. De um lado, a crise, os mercados, o rating, como forças celestes fora do domínio dos homens; do outro, a procura dos culpados de carne e osso, banqueiros centrais e periféricos para arderem depois de inquiridos e condenados expiando os pecados de todos. Estes dois discursos sobre a crise, aliados ao discurso do politicamente correto, deixam muito pouco espaço aos atores políticos tradicionais para outro tipo de tomadas de posição, para outras batalhas na praça pública, para o que importa.
Além disso, há o novo fôlego do politicamente correto que resulta da captura pelas forças tradicionais de espaços menos tradicionais, ou da chegada ao poder da extrema-esquerda, de certa maneira ambas representam um crescimento do centro. Aquilo que António Costa fez em Portugal, apeando um governo recém-eleito (nem me deu tempo para fazer um mês completo para efeitos de CV), indo a primeiro-ministro juntando aos seus os votos de partidos mais nas extremas que agora traz no bolso (chapeau), nada mais é do que expandir o centro acrescentando uns pozinhos de politicamente correto. Ou o que aconteceu na Grécia, em que o novo PASOK, ainda chamado Syriza, é obrigado (?) a governar como governaria qualquer outro governo, mas tentando não perder o seu eleitorado que continua a tentar apaziguar mais pela voz do que pela caneta. A consequência da chegada ao poder de partidos mais à esquerda é também a entrada no discurso de governo (e não apenas de luta ou oposição) de um ainda maior acervo de medidas oriundas do politicamente correto, mas um politicamente correto de nicho, das universidades, das elites urbanas (porque, não havendo operários, não há votos operários, não há que ter um discurso operário) - veja-se, enquanto a Europa arde em terrorismo, a proposta de polícias de vizinhos da alcaldesa madrilena eleita pelo Podemos.
Um discurso ainda dominado pela crise financeira, aliado à força magnética de um centro que cresce e se transmuta, com os holofotes a serem disputados por um novo tipo de politicamente correto, que acresce ao tradicional, redunda num discurso que oscila, no mesmo dia, entre as casas decimais do défice ou o excesso de turistas em Alfama, numa discussão que enreda tanto governos, como as oposições.
Mas o problema são os convertíveis, as pessoas, que não querem saber disso para nada. Ou melhor, querem saber, mas começam a ficar muito preocupadas com as coisas com que realmente devem estar preocupadas: a segurança interna, a imigração e a segurança social, ou seja, o seu futuro.
E naquilo que lhes interessa, que os inquieta profundamente, não encontram respostas nos seus interlocutores tradicionais. Rajoy e Costa são homens inteligentes, sabem que o atual sistema de Segurança Social é insustentável talvez já no curto prazo. Merkel e Hollande sabem que a conjugação de terrorismo com imigração ditará mais segurança e mais fronteiras externas sob pena de uma alteração radical da Europa. Mas ninguém, governos e alternativas moderadas, quer entrar nesse terreno minado, ninguém quer ser o primeiro a falar, porque se o fizer o mais provável é ser lançado aos lobos pelos outros, apedrejado, mostrado na praça pública como o desumano que não quer salvar as crianças de Aleppo, que quer vender a reforma do avozinho canceroso à Goldman Sachs, a besta securitária que quer acabar com a privacidade e meter um polícia em cada esquina.
E as coisas nem sequer se discutem, quanto mais se resolvem. Mas enquanto tudo enrola e ninguém puxa copas, apesar de saber que se não se desfizer delas acabará com elas na mão, há quem ocupe esse espaço, com inteligência, persistência e método. Os Trumps, Le Pens, Akessons, Farages vão entrando pela porta escancarada por todos nós, dando respostas simples a inquietações complexas, opondo soluções determinadas a um bom senso caduco, ideias fortes a um economês distante. A extrema-direita dá segurança onde há medo, mas faz mais: diz às pessoas o teu medo é normal, a culpa é do sistema, deles, dos políticos que apenas por medo não resolveram as causas desse teu medo. E como soa bem, e não é totalmente mentira, os convertíveis vão paulatinamente votando neles, dia após dia, eleição após eleição, referendo após referendo. Até que um dia destes acordamos e o Reino Unido terá votado para sair da Europa, ou Trump poderá estar forte na corrida para a Casa Branca. E nesse dia pode começar a ser tarde demais.
31 DE JULHO DE 2016
01:14
João Taborda da Gama
Diário de Notícias
Eleitos pelo voto, os políticos em democracia tendem a pregar mais aos convertíveis do que aos convertidos. Os convertíveis, aqueles que mudam de voto de eleição para eleição, ou votam numas e noutras não, tendem a ser politicamente menos comprometidos. Ora, o comum do votante, menos engajado, com a vida para tratar, vota tendencialmente ao meio, no mais ponderado dos discursos, dos argumentos. Assim, para capturar o voto do cidadão médio, o político fica capturado pelo discurso que pensa que agrada ao cidadão médio. E aqui a palavra importante é pensa, porque o que o cidadão médio acha varia conforme o tempo, o lugar, o saldo do multibanco - e o político é lento na sua atualização.
A isto juntou-se a crise financeira, com os seus efeitos aparentemente contraditórios no discurso público, que anda sempre entre o reiki e o pelourinho. De um lado, a crise, os mercados, o rating, como forças celestes fora do domínio dos homens; do outro, a procura dos culpados de carne e osso, banqueiros centrais e periféricos para arderem depois de inquiridos e condenados expiando os pecados de todos. Estes dois discursos sobre a crise, aliados ao discurso do politicamente correto, deixam muito pouco espaço aos atores políticos tradicionais para outro tipo de tomadas de posição, para outras batalhas na praça pública, para o que importa.
Além disso, há o novo fôlego do politicamente correto que resulta da captura pelas forças tradicionais de espaços menos tradicionais, ou da chegada ao poder da extrema-esquerda, de certa maneira ambas representam um crescimento do centro. Aquilo que António Costa fez em Portugal, apeando um governo recém-eleito (nem me deu tempo para fazer um mês completo para efeitos de CV), indo a primeiro-ministro juntando aos seus os votos de partidos mais nas extremas que agora traz no bolso (chapeau), nada mais é do que expandir o centro acrescentando uns pozinhos de politicamente correto. Ou o que aconteceu na Grécia, em que o novo PASOK, ainda chamado Syriza, é obrigado (?) a governar como governaria qualquer outro governo, mas tentando não perder o seu eleitorado que continua a tentar apaziguar mais pela voz do que pela caneta. A consequência da chegada ao poder de partidos mais à esquerda é também a entrada no discurso de governo (e não apenas de luta ou oposição) de um ainda maior acervo de medidas oriundas do politicamente correto, mas um politicamente correto de nicho, das universidades, das elites urbanas (porque, não havendo operários, não há votos operários, não há que ter um discurso operário) - veja-se, enquanto a Europa arde em terrorismo, a proposta de polícias de vizinhos da alcaldesa madrilena eleita pelo Podemos.
Um discurso ainda dominado pela crise financeira, aliado à força magnética de um centro que cresce e se transmuta, com os holofotes a serem disputados por um novo tipo de politicamente correto, que acresce ao tradicional, redunda num discurso que oscila, no mesmo dia, entre as casas decimais do défice ou o excesso de turistas em Alfama, numa discussão que enreda tanto governos, como as oposições.
Mas o problema são os convertíveis, as pessoas, que não querem saber disso para nada. Ou melhor, querem saber, mas começam a ficar muito preocupadas com as coisas com que realmente devem estar preocupadas: a segurança interna, a imigração e a segurança social, ou seja, o seu futuro.
E naquilo que lhes interessa, que os inquieta profundamente, não encontram respostas nos seus interlocutores tradicionais. Rajoy e Costa são homens inteligentes, sabem que o atual sistema de Segurança Social é insustentável talvez já no curto prazo. Merkel e Hollande sabem que a conjugação de terrorismo com imigração ditará mais segurança e mais fronteiras externas sob pena de uma alteração radical da Europa. Mas ninguém, governos e alternativas moderadas, quer entrar nesse terreno minado, ninguém quer ser o primeiro a falar, porque se o fizer o mais provável é ser lançado aos lobos pelos outros, apedrejado, mostrado na praça pública como o desumano que não quer salvar as crianças de Aleppo, que quer vender a reforma do avozinho canceroso à Goldman Sachs, a besta securitária que quer acabar com a privacidade e meter um polícia em cada esquina.
E as coisas nem sequer se discutem, quanto mais se resolvem. Mas enquanto tudo enrola e ninguém puxa copas, apesar de saber que se não se desfizer delas acabará com elas na mão, há quem ocupe esse espaço, com inteligência, persistência e método. Os Trumps, Le Pens, Akessons, Farages vão entrando pela porta escancarada por todos nós, dando respostas simples a inquietações complexas, opondo soluções determinadas a um bom senso caduco, ideias fortes a um economês distante. A extrema-direita dá segurança onde há medo, mas faz mais: diz às pessoas o teu medo é normal, a culpa é do sistema, deles, dos políticos que apenas por medo não resolveram as causas desse teu medo. E como soa bem, e não é totalmente mentira, os convertíveis vão paulatinamente votando neles, dia após dia, eleição após eleição, referendo após referendo. Até que um dia destes acordamos e o Reino Unido terá votado para sair da Europa, ou Trump poderá estar forte na corrida para a Casa Branca. E nesse dia pode começar a ser tarde demais.
31 DE JULHO DE 2016
01:14
João Taborda da Gama
Diário de Notícias
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