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MAIORIA DE ESQUERDA: São mais as pessoas que preferem mentiras
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MAIORIA DE ESQUERDA: São mais as pessoas que preferem mentiras
Se a direita não aprender a lição de 2009, repete a derrota: denunciar contas falhadas não chega. Com a mensagem certa, muitos preferirão mentiras. E o “Cenário Macroeconómico” prova que Costa o sabe.
O “Cenário Macroeconómico” do PS, elaborado há mais de um ano e construído para dar sustentação às propostas eleitorais dos socialistas, foi atropelado pela realidade. Um atropelamento mortal – dele não sobrou nada. De tal modo que, a esta distância, comparar o Portugal real com aquele que os economistas do PS imaginaram chega a ser embaraçante para a credibilidade destes – basta ler a confrontação de André Azevedo Alves para, quanto a isso, se ficar esclarecido. Mas essa é a perspectiva, digamos, académica. A questão política é, contudo, outra: que significado tem isto para a forma como, um ano depois, avaliamos a estratégia do PS?
Uma leitura possível e mais recorrente, aquela que André Azevedo Alves propõe, é a de um fracasso: para garantir o apoio de PCP e BE, o PS “está a falhar drasticamente os objectivos que o próprio PS havia delineado para o país há pouco mais de um ano atrás”. Ou seja, em função da negociação do apoio parlamentar ao governo, o plano desenhado pelo PS para o país foi sendo sacrificado até ficar desvirtuado. Nesse sentido, o fracasso do “Cenário Macroeconómico” seria um retrato da cedência dos socialistas aos seus actuais parceiros à esquerda. Ora, a meu ver, esta leitura não está exacta: o objectivo do documento nunca foi retratar fielmente o rumo da economia portuguesa, além de que o seu desfasamento face à realidade é anterior à formação do actual governo.
O “Cenário Macroeconómico” do PS surgiu, em Abril de 2015, para satisfazer uma necessidade política concreta: legitimar o discurso de António Costa quanto a alternativas às políticas de austeridade de PSD-CDS e, servindo de apoio ao programa eleitoral socialista, credibilizar medidas como a acelerada reposição de salários da função pública – que, na opinião pública, seria recebida com desconfiança enquanto medida despesista e irresponsável caso não estivesse enquadrada pelo “Cenário Macroeconómico”. Ou seja, o documento teve uma finalidade política, mediática e eleitoral, e não uma utilização prática do ponto de vista económico. Assim, o rigor das contas foi sempre o aspecto secundário da questão – de resto, substituindo-se a transparência das mesmas (o PS nunca divulgou a base de dados com que trabalhou) pela exibição do currículo de Mário Centeno, que deu a cara e a reputação pela fiabilidade das previsões. O objectivo era, portanto, simples: acertar-se na mensagem para levar o PS ao poder, mesmo que, para tal, se tivesse de errar nas contas.
Sim, o PS perdeu as eleições – e, assim, poder-se-ia considerar que também dessa perspectiva o “Cenário Macroeconómico” fracassou. Mas essa leitura seria uma precipitação. Em boa verdade, o “Cenário Macroeconómico” foi um sucesso. É que nele consta a mensagem política – uma alternativa à austeridade sustentada no crescimento económico por via do aumento do consumo – que está na base do entendimento político entre PS e partidos à sua esquerda. Não importa se o documento ficou condenado à prateleira da ficção, nem aflige a “geringonça” que essa estratégia económica esteja a derrocar. O que importa é que foi essa ficção, partilhada por PCP e BE, que permitiu o conciliar da mensagem política do PS com a dos partidos à sua esquerda. No final, o “Cenário Macroeconómico” foi uma peça determinante na estratégia socialista para chegar ao poder – e, portanto, cumpriu o seu papel.
Enfim, é expectável (e justo) que muitos assinalem, gozem ou se indignem com as incongruências, cada vez mais gritantes, do “Cenário Macroeconómico” do PS – e, até, que estas sirvam de arma retórica nos duelos parlamentares. Mas convém não esquecer que, na política portuguesa, os factos contam pouco. E que, por isso, o país se entusiasmará sempre mais a discutir as finanças públicas da perspectiva dos estados de espírito (o “pessimismo” de Passos contra o “optimismo” de Costa) do que recorrendo aos indicadores do INE. Em 2009, foi aliás o que aconteceu, quando o “optimista” Sócrates venceu a “bota-abaixista” Ferreira Leite, para dois anos depois entregar o país à troika. E, hoje, se a direita não aprender a lição, arrisca-se a brevemente repetir a derrota: denunciar contas falhadas não chega, é necessário oferecer uma ideia de futuro. Não basta ter os factos do seu lado. Porque, perante a mensagem certa, serão sempre mais as pessoas que preferirão mentiras. E o “Cenário Macroeconómico” prova que António Costa sabe isso muito bem.
Alexandre Homem Cristo
22/8/2016, 7:48
Observador
O “Cenário Macroeconómico” do PS, elaborado há mais de um ano e construído para dar sustentação às propostas eleitorais dos socialistas, foi atropelado pela realidade. Um atropelamento mortal – dele não sobrou nada. De tal modo que, a esta distância, comparar o Portugal real com aquele que os economistas do PS imaginaram chega a ser embaraçante para a credibilidade destes – basta ler a confrontação de André Azevedo Alves para, quanto a isso, se ficar esclarecido. Mas essa é a perspectiva, digamos, académica. A questão política é, contudo, outra: que significado tem isto para a forma como, um ano depois, avaliamos a estratégia do PS?
Uma leitura possível e mais recorrente, aquela que André Azevedo Alves propõe, é a de um fracasso: para garantir o apoio de PCP e BE, o PS “está a falhar drasticamente os objectivos que o próprio PS havia delineado para o país há pouco mais de um ano atrás”. Ou seja, em função da negociação do apoio parlamentar ao governo, o plano desenhado pelo PS para o país foi sendo sacrificado até ficar desvirtuado. Nesse sentido, o fracasso do “Cenário Macroeconómico” seria um retrato da cedência dos socialistas aos seus actuais parceiros à esquerda. Ora, a meu ver, esta leitura não está exacta: o objectivo do documento nunca foi retratar fielmente o rumo da economia portuguesa, além de que o seu desfasamento face à realidade é anterior à formação do actual governo.
O “Cenário Macroeconómico” do PS surgiu, em Abril de 2015, para satisfazer uma necessidade política concreta: legitimar o discurso de António Costa quanto a alternativas às políticas de austeridade de PSD-CDS e, servindo de apoio ao programa eleitoral socialista, credibilizar medidas como a acelerada reposição de salários da função pública – que, na opinião pública, seria recebida com desconfiança enquanto medida despesista e irresponsável caso não estivesse enquadrada pelo “Cenário Macroeconómico”. Ou seja, o documento teve uma finalidade política, mediática e eleitoral, e não uma utilização prática do ponto de vista económico. Assim, o rigor das contas foi sempre o aspecto secundário da questão – de resto, substituindo-se a transparência das mesmas (o PS nunca divulgou a base de dados com que trabalhou) pela exibição do currículo de Mário Centeno, que deu a cara e a reputação pela fiabilidade das previsões. O objectivo era, portanto, simples: acertar-se na mensagem para levar o PS ao poder, mesmo que, para tal, se tivesse de errar nas contas.
Sim, o PS perdeu as eleições – e, assim, poder-se-ia considerar que também dessa perspectiva o “Cenário Macroeconómico” fracassou. Mas essa leitura seria uma precipitação. Em boa verdade, o “Cenário Macroeconómico” foi um sucesso. É que nele consta a mensagem política – uma alternativa à austeridade sustentada no crescimento económico por via do aumento do consumo – que está na base do entendimento político entre PS e partidos à sua esquerda. Não importa se o documento ficou condenado à prateleira da ficção, nem aflige a “geringonça” que essa estratégia económica esteja a derrocar. O que importa é que foi essa ficção, partilhada por PCP e BE, que permitiu o conciliar da mensagem política do PS com a dos partidos à sua esquerda. No final, o “Cenário Macroeconómico” foi uma peça determinante na estratégia socialista para chegar ao poder – e, portanto, cumpriu o seu papel.
Enfim, é expectável (e justo) que muitos assinalem, gozem ou se indignem com as incongruências, cada vez mais gritantes, do “Cenário Macroeconómico” do PS – e, até, que estas sirvam de arma retórica nos duelos parlamentares. Mas convém não esquecer que, na política portuguesa, os factos contam pouco. E que, por isso, o país se entusiasmará sempre mais a discutir as finanças públicas da perspectiva dos estados de espírito (o “pessimismo” de Passos contra o “optimismo” de Costa) do que recorrendo aos indicadores do INE. Em 2009, foi aliás o que aconteceu, quando o “optimista” Sócrates venceu a “bota-abaixista” Ferreira Leite, para dois anos depois entregar o país à troika. E, hoje, se a direita não aprender a lição, arrisca-se a brevemente repetir a derrota: denunciar contas falhadas não chega, é necessário oferecer uma ideia de futuro. Não basta ter os factos do seu lado. Porque, perante a mensagem certa, serão sempre mais as pessoas que preferirão mentiras. E o “Cenário Macroeconómico” prova que António Costa sabe isso muito bem.
Alexandre Homem Cristo
22/8/2016, 7:48
Observador
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