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Uma explicação
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Uma explicação
No rescaldo dos vários atentados terroristas que abalaram a Europa e o Mundo, foram feitas análises profundas, definidas severas e firmes posições políticas, e formuladas teorias sobre as origens e motivos das ações terroristas.
Só faltam os filmes de aventuras, à moda de Hollywood, elencando alguns especialistas de filmes ditos de ação, mas não devem tardar.
Felizmente vai havendo algum jornalismo de investigação. Não confundir com jornalismo de sensação, que procura apenas títulos em letra gorda. De modo que, aos poucos, vão sendo conhecidos as origens e antecedentes dos autores dos atentados.
Nestas andanças, a explicação normalmente procurada é uma que leve à sistematização e catalogação (taxonomia e nomenclatura, como se diz na zoologia) do ou dos indivíduos implicados nos atentados; tarefa difícil, uma vez que, acima de tudo, estes atos desafiam a ordem política e social estabelecida, ou seja, seguem uma lógica que não corresponde aos padrões comummente aceites.
Por isso admiro os polícias, detetives, investigadores e afins, porque conseguem entrar na mente dos criminosos. As pessoas normais tendem a considerar o crime como uma solução de recurso: tenho fome, não tenho dinheiro, só me resta roubar para não morrer de inanição. Não lhes passa pela cabeça o roubo como uma primeira opção, um modo de vida, ou mesmo como uma carreira. Daí a dificuldade em entender os desvios do comportamento padrão.
Citando o controverso filósofo alemão Friedrich Nietzsche: não digam que aquele homem teve necessidade de roubar, e matou; digam que teve necessidade de matar, e roubou!
Naturalmente, procura-se uma arrumação do comportamento humano em padrões mais ou menos estabelecidos. Lógico: sem um mínimo de sistematização, não há ciência. E assentando todas as ciências (exceto a matemática) numa base indutiva, sem o recurso a um método experimental e lógico, apenas se consegue especular.
Mas, quando se pretende entrar na Sociologia e explicar o comportamento do Homem, pode-se cair no inverso. As atitudes e motivações humanas são tão variáveis, ou mesmo imprevisíveis, que se cai frequentemente em erro, por excesso de simplificação.
Um caso típico dessa abordagem é a teoria da conspiração. À falta de nexo entre vários acontecimentos, que podem apenas ser coincidências, responde-se com uma elaborada teoria de uma cabala tenebrosa, friamente congeminada, implacavelmente conduzida, que explica o inexplicável. Inclusivamente, o papel do acaso (reconhecido mesmo nas modernas teorias da Física) é posto de parte.
Claro que este tipo de abordagem faz as delícias de muita gente – sobretudo àqueles a quem convém a crença num Império do Mal. Por isso, as teorias da conspiração aparecem, por vezes inventadas peça a peça, como o tristemente célebre Protocolo dos Sábios de Sião, criado pela Okrana, a polícia secreta dos czares, difundido oficialmente, e em que, ainda hoje, muita gente acredita.
Os dados publicamente conhecidos sobre os autores dos recentes atentados merecem um exame cuidado, não só pelas entidades oficiais (que têm a obrigação de os conhecer), mas pelo cidadão comum, no fundo o principal interessado.
Tomemos os atentados de Paris (Bataclan, restaurantes, Stade de France). Os autores são os que seguem.
Abdelhamid Abaoud, nascido em Anderlecht, Bélgica, em 8/4/87. Condenado em 2010 por assalto a uma garagem, a que se seguiram outros crimes menores.
Salah Abeslam, nascido em Bruxelas em 16/9/89. Perdeu o emprego por absentismo; condenado a um mês de prisão; em 2010, indiciado por roubo à mão armada.
Brahim Abdeslam, nascido em Paris a 30/7/84. Dono de um bar referenciado por consumo de drogas. Condenado em 2010 por falsificação e vigarice.
Mohamed Abrim, não nasceu, mas cresceu na Bélgica. Padeiro de profissão, condenado por pequenos delitos.
Ismael Omar Mastefai, nascido em França, de 29 anos. Condenado oito vezes entre 2004 e 2010, sem chegar a cumprir pena.
Fued Mohamed Aggad, de 23 anos, nascido em Wissembourg, na Alsácia. Sem antecedentes criminais.
Samy Amimour, nascido em Drancy, França, de 23 anos. Sem antecedentes criminais.
A estes somam-se Ahmad Al Mohammad e Mohammal Al Mahmad, vindos da Síria como refugiados.
Sem querer cair no logro de uma sistematização redutora, parece haver alguns padrões de comportamento. Exceto os dois sírios e um não nascido, mas criado na Bélgica, todos nasceram na Europa, aparentemente beneficiando de todos os apoios de educação, ação social e de saúde em vigor na Comunidade Europeia.
A maioria, incluindo os cabecilhas (Abaaoud e Abeslam), tinha um passado marginalidade.
A ligação ao Estado Islâmico, ISIL ou Daesh (como queiram), era recente.
Com as mesmas reservas anti-generalização, pode concluir-se que:
• O comportamento de pequenos delinquentes da maioria dos implicados revela uma falha na sua adaptação às normas e padrões das sociedades em que estavam inseridos (e, ao que parece, não bem integrados);
• Retomando a tirada de Nietzsche, a saída para a militância político-religiosa parece ser uma forma de justificar, ou mesmo sublimar, esse tipo de comportamento;
• O acolhimento como refugiado, por si só, não parece ser garantia de integração (como já tinha sucedido, por exemplo, com alguns foragidos da ex-RDA).
Não é necessário recorrer a explicações filosóficas sobre o livre arbítrio humano para concluir que as opções tomadas pelos autores dos atentados não foram ditadas por fatalidade ou determinismo religioso, político ou cultural: foram tomadas dentro do livre arbítrio próprio da condição humana.
Não há teoria da conspiração que justifique cabalmente uma decisão individual. Como não há regra científica que permita antecipar, com absoluta certeza, qual será o comportamento de um indivíduo, em circunstâncias específicas: choca sempre com a decisão individual.
É certo que se pode influenciar, ou até condicionar, o comportamento humano. Se assim não fosse, para que serviriam as campanhas eleitorais, ou as manobras publicitárias? Mas a possibilidade de impor um comportamento, sem hipótese de livre opção, implica ilibar as pessoas da sua responsabilidade individual, o que vai contra o conceito de raiz cristã e ocidental da condição humana.
De modo que, à falta de uma teoria consolidada que explique as razões que motivaram os terroristas, seria melhor pensar nos três tópicos acima apontados, ou seja:
• O comportamento marginal aponta para uma falha na integração; segundo o princípio fundamental das ciências indutivas, as mesmas causas, nas mesmas circunstâncias, produzem os mesmos efeitos, e portanto o fenómeno nem é exclusivo de uma ou outra comunidade; resta saber o que falha na nessa integração.
• As tendências antissociais podem ser habilmente sublimadas e aproveitadas para fins tidos por elevados; tanto faz matar cristãos, como eliminar judeus, acabar com os índios ou queimar os heréticos – e temos exemplos disso até na História recente. Mas a opção individual estará sempre pra além de qualquer teoria de comportamento.
• De boas intenções está o Inferno cheio; sem uma política coerente de integração, o mero acolhimento, ainda que caritativo, estará sempre abaixo das espectativas criadas, o que gera o ressentimento.
Será isto a explicação?
Obviamente que não, porque se trata de uma explicação, que é o oposto da explicação.
Nuno Santa Clara
Diário de Notícias da Madeira
Segunda, 29 de Agosto de 2016
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