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Onde fica o Algarve dos turistas?
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Onde fica o Algarve dos turistas?
Acho o Algarve das praias e do turismo muito estranho. Parece-me um país à parte, uma cidade fantasma cheia de estrangeiros, muitos deles britânicos como eu -- ou talvez não como eu.
No fim de um Verão quente e cheio de trabalho, tirámos uns dias para passar pelo Algarve.
Tudo correu como de costume. O tempo só melhorou no dia em que regressámos a casa, e a viagem na A2 foi uma batalha com aqueles automóveis caros que se aproximam por detrás a 190 km à hora, só porque sim e porque a polícia aparentemente nunca os vê. O trânsito começou a abrandar perto de Setúbal, e quase toda a gente ficou na A2, na fila anual do fim do Verão para passar a ponte 25 de Abril, apesar de existir outra ponte que quase nunca tem engarrafamentos.
Tudo como de costume. Tal como a ligeira sensação de crise existencial que me aflige de cada vez que visito o Algarve.
Acho o Algarve — aquele Algarve das praias e do turismo, entenda-se — muito estranho. Para mim, parece um país à parte. Talvez seja por causa da sinalização em inglês, ou por causa dos pubs e cafés ingleses, ou ainda por causa dos milhares de carros alugados que circulam muito lentamente. O Algarve turístico parece-me uma cidade fantasma cheia de estrangeiros, muitos deles britânicos como eu — ou talvez não como eu.
Não sei o que ser quando estou no Algarve dos turistas. Entre o apartamento e a praia, há pouca interação com outras pessoas, claro, mas quando me acontece falar quer com portuguesas, quer com estrangeiras, vejo-me a tentar ser um bom exemplo do “britânico no estrangeiro”. Obviamente, não faz nenhuma diferença, mas torno-me excepcionalmente auto-consciente sobre a língua que falo, seja ela qual for, nas muitas e inevitáveis visitas ao supermercado, e é no supermercado, aliás, onde acontecem a maior parte das minhas interações com outros seres humanos quando estou de férias.
Por um lado, os supermercados algarvios são um bocado emocionantes para mim, já que têm produtos da Inglaterra que não se encontram em outros lados de Portugal, coisinhas que matam saudades, como refrigerantes da minha infância e bolachas que reconheço.
Por outro lado, é absurdo e irritante que os britânicos, residentes ou turistas, precisem de bolachas reconhecíveis.
Por vezes, acontece-me cair em conversas com turistas, só porque sinto que devo ajudar estas almas de cor de lagosta, perdidas nos corredores confusos dos supermercados, com muitos letreiros numa língua que não percebem. Ao mesmo tempo, os meus conterrâneos irritam-me, pela sua falta de auto-consciência, falta de sentido de aventura, e falta até de aceitação. Nem sequer aguentam uma semana sem comida de marcas que reconheçam?
No fim da semana, ajudei um homem que perguntava à menina do talho “quais as salsichas que são mais parecidas com as nossas [inglesas]?”, e uma mulher que só depois de perguntar a três pessoas ficou satisfeita com a ideia de que “atum” é “tuna”, e muito admirada por as latas de marcas inglesas serem mais caras do que as portuguesas. São mais caras, expliquei-lhe, porque foram re-importadas da Grã-Bretanha, depois de serem inicialmente exportadas de Portugal. Olhou para mim, espantada: “Você podia fazer isto como trabalho, explicar a comida aos estrangeiros…”. Ri-me e disse-lhe que sim, que é isso mesmo que faço, o que a deixou ainda mais confusa.
Os franceses têm a sua maneira de ser turistas irritantes, os espanhóis a sua, e os holandeses, os belgas, os alemães a a deles, mas os britânicos desempenham tão bem o papel do “estrangeiro que tem de ter bolachas de uma marca familiar e nunca diz sequer um ‘obrigaaaaadooo’” — que me acontece sentir que já nada tenho a ver com eles.
Mas sim, não sou nem nunca serei portuguesa, como ficou provado no talho quando pedi atrapalhadamente uma simples carne picada, segundos depois de ajudar o senhor das salsichas.
O Algarve turístico faz-me sentir uma extra-terrestre. Por isso, estou muito contente por ter voltado a Lisboa, a Portugal, à Europa, à Terra.
Lucy Pepper
13/9/2016, 2:48
Observador
No fim de um Verão quente e cheio de trabalho, tirámos uns dias para passar pelo Algarve.
Tudo correu como de costume. O tempo só melhorou no dia em que regressámos a casa, e a viagem na A2 foi uma batalha com aqueles automóveis caros que se aproximam por detrás a 190 km à hora, só porque sim e porque a polícia aparentemente nunca os vê. O trânsito começou a abrandar perto de Setúbal, e quase toda a gente ficou na A2, na fila anual do fim do Verão para passar a ponte 25 de Abril, apesar de existir outra ponte que quase nunca tem engarrafamentos.
Tudo como de costume. Tal como a ligeira sensação de crise existencial que me aflige de cada vez que visito o Algarve.
Acho o Algarve — aquele Algarve das praias e do turismo, entenda-se — muito estranho. Para mim, parece um país à parte. Talvez seja por causa da sinalização em inglês, ou por causa dos pubs e cafés ingleses, ou ainda por causa dos milhares de carros alugados que circulam muito lentamente. O Algarve turístico parece-me uma cidade fantasma cheia de estrangeiros, muitos deles britânicos como eu — ou talvez não como eu.
Não sei o que ser quando estou no Algarve dos turistas. Entre o apartamento e a praia, há pouca interação com outras pessoas, claro, mas quando me acontece falar quer com portuguesas, quer com estrangeiras, vejo-me a tentar ser um bom exemplo do “britânico no estrangeiro”. Obviamente, não faz nenhuma diferença, mas torno-me excepcionalmente auto-consciente sobre a língua que falo, seja ela qual for, nas muitas e inevitáveis visitas ao supermercado, e é no supermercado, aliás, onde acontecem a maior parte das minhas interações com outros seres humanos quando estou de férias.
Por um lado, os supermercados algarvios são um bocado emocionantes para mim, já que têm produtos da Inglaterra que não se encontram em outros lados de Portugal, coisinhas que matam saudades, como refrigerantes da minha infância e bolachas que reconheço.
Por outro lado, é absurdo e irritante que os britânicos, residentes ou turistas, precisem de bolachas reconhecíveis.
Por vezes, acontece-me cair em conversas com turistas, só porque sinto que devo ajudar estas almas de cor de lagosta, perdidas nos corredores confusos dos supermercados, com muitos letreiros numa língua que não percebem. Ao mesmo tempo, os meus conterrâneos irritam-me, pela sua falta de auto-consciência, falta de sentido de aventura, e falta até de aceitação. Nem sequer aguentam uma semana sem comida de marcas que reconheçam?
No fim da semana, ajudei um homem que perguntava à menina do talho “quais as salsichas que são mais parecidas com as nossas [inglesas]?”, e uma mulher que só depois de perguntar a três pessoas ficou satisfeita com a ideia de que “atum” é “tuna”, e muito admirada por as latas de marcas inglesas serem mais caras do que as portuguesas. São mais caras, expliquei-lhe, porque foram re-importadas da Grã-Bretanha, depois de serem inicialmente exportadas de Portugal. Olhou para mim, espantada: “Você podia fazer isto como trabalho, explicar a comida aos estrangeiros…”. Ri-me e disse-lhe que sim, que é isso mesmo que faço, o que a deixou ainda mais confusa.
Os franceses têm a sua maneira de ser turistas irritantes, os espanhóis a sua, e os holandeses, os belgas, os alemães a a deles, mas os britânicos desempenham tão bem o papel do “estrangeiro que tem de ter bolachas de uma marca familiar e nunca diz sequer um ‘obrigaaaaadooo’” — que me acontece sentir que já nada tenho a ver com eles.
Mas sim, não sou nem nunca serei portuguesa, como ficou provado no talho quando pedi atrapalhadamente uma simples carne picada, segundos depois de ajudar o senhor das salsichas.
O Algarve turístico faz-me sentir uma extra-terrestre. Por isso, estou muito contente por ter voltado a Lisboa, a Portugal, à Europa, à Terra.
Lucy Pepper
13/9/2016, 2:48
Observador
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