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Verão e Outono, partir e regressar
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Verão e Outono, partir e regressar
"Em pleno mês de Agosto, o velho Doutor Homem, meu pai, limitava-se a esperar o Outono com um inexplicável sentimento de gratidão."
O crepúsculo recuou. Há já um mês que passámos a jantar com a luz dos candeeiros – é o anúncio do Outono que se aproxima, veloz – e aos sábados Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, já não pergunta se tomamos o café no terraço (sextas e sábados são os únicos dias em que ainda tomo café depois de jantar).
No resto dos dias a casa de Moledo já ressoa como antes da euforia estival, antes da chegada dos sobrinhos, antes da época balnear propriamente dita, antes da preparação para os dias que hão-de vir. Lentamente, com algumas manhãs tingidas de cinza, os dias também recuaram.
Depois das suas duas semanas de Ponte de Lima, em pleno mês de Agosto, o velho Doutor Homem, meu pai, limitava-se a esperar o Outono com um inexplicável sentimento de gratidão. Na altura, aquela impaciência parecia-nos tão despropositada como desagradável – mas o velho causídico ansiava pelo dia em que podia, de novo, envergar os seus ‘tweeds’, usar o seu chapéu, transportar o seu guarda-chuva (que, aliás, raramente utilizava, mesmo quando chovia), recolher-se ao seu gabinete para ouvir música, ler e fingir ler, ou, como mais tarde descobrimos, regressar aos hábitos alimentares que a canícula estival tinha proibido durante dois meses, além de concluir o seu jantar com um dos vinhos do Porto que o faziam recordar o meu avô, administrador de quintas do Douro. E, na verdade, mal passava o tempo das vindimas, o velho Doutor Homem, meu pai, era muitas vezes apanhado a perscrutar o horizonte em busca de nuvens que apressassem a chegada do Outono.
Pelo contrário, Dona Ester, minha mãe, ficava ligeiramente melancólica com esse recuo dos crepúsculos. Com ela aprendemos o valor verdadeiro do Verão, que não é o do calor, não é o da época balnear – mas o da leveza de carácter, o de uma certa leveza da vida que nos visitava durante esses meses em que a família se aproximava do mar, e em que ela apreciava a imagem dos seus filhos correndo pelo areal da praia, sujos de areia e esfomeados, aprendendo a rir sem constrições nem medo do dia seguinte.
Na família (éramos cinco irmãos, três rapazes e duas raparigas – eu o mais velho) fomos o resultado desses dois temperamentos reunidos pela estima e, creio bem, pelo amor. A minha sobrinha Maria Luísa, filha de uma das minhas irmãs, apreendeu (com a passagem do tempo e sucessivos desaires da sua vida amorosa) o sentido desses dois temperamentos: um convida à partida; o outro trata do regresso.
Por António Sousa Homem|01:45
Correio da Manhã
O crepúsculo recuou. Há já um mês que passámos a jantar com a luz dos candeeiros – é o anúncio do Outono que se aproxima, veloz – e aos sábados Dona Elaine, a governanta deste eremitério de Moledo, já não pergunta se tomamos o café no terraço (sextas e sábados são os únicos dias em que ainda tomo café depois de jantar).
No resto dos dias a casa de Moledo já ressoa como antes da euforia estival, antes da chegada dos sobrinhos, antes da época balnear propriamente dita, antes da preparação para os dias que hão-de vir. Lentamente, com algumas manhãs tingidas de cinza, os dias também recuaram.
Depois das suas duas semanas de Ponte de Lima, em pleno mês de Agosto, o velho Doutor Homem, meu pai, limitava-se a esperar o Outono com um inexplicável sentimento de gratidão. Na altura, aquela impaciência parecia-nos tão despropositada como desagradável – mas o velho causídico ansiava pelo dia em que podia, de novo, envergar os seus ‘tweeds’, usar o seu chapéu, transportar o seu guarda-chuva (que, aliás, raramente utilizava, mesmo quando chovia), recolher-se ao seu gabinete para ouvir música, ler e fingir ler, ou, como mais tarde descobrimos, regressar aos hábitos alimentares que a canícula estival tinha proibido durante dois meses, além de concluir o seu jantar com um dos vinhos do Porto que o faziam recordar o meu avô, administrador de quintas do Douro. E, na verdade, mal passava o tempo das vindimas, o velho Doutor Homem, meu pai, era muitas vezes apanhado a perscrutar o horizonte em busca de nuvens que apressassem a chegada do Outono.
Pelo contrário, Dona Ester, minha mãe, ficava ligeiramente melancólica com esse recuo dos crepúsculos. Com ela aprendemos o valor verdadeiro do Verão, que não é o do calor, não é o da época balnear – mas o da leveza de carácter, o de uma certa leveza da vida que nos visitava durante esses meses em que a família se aproximava do mar, e em que ela apreciava a imagem dos seus filhos correndo pelo areal da praia, sujos de areia e esfomeados, aprendendo a rir sem constrições nem medo do dia seguinte.
Na família (éramos cinco irmãos, três rapazes e duas raparigas – eu o mais velho) fomos o resultado desses dois temperamentos reunidos pela estima e, creio bem, pelo amor. A minha sobrinha Maria Luísa, filha de uma das minhas irmãs, apreendeu (com a passagem do tempo e sucessivos desaires da sua vida amorosa) o sentido desses dois temperamentos: um convida à partida; o outro trata do regresso.
Por António Sousa Homem|01:45
Correio da Manhã
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