Rapem os tachos, mas não aumentem o IVA

A primeira coisa que há a dizer sobre a mais recente sentença do Tribunal Constitucional é que ela é para cumprir. Começo assim porque muita gente (de boa e de má fé) confunde a crítica com a desobediência e ambas com uma espécie de crime, algo próprio de regimes despóticos. Ora bem eu defendo a aplicação da sentença com o mesmo vigor que a sentença me parece estranha, ou para citar Vital Moreira, desproporcionada.

E defendo que ela se aplique não por ter tido 13 votos (que tendo todos o mesmo resultado, não vão todos o mesmo caminho), mas porque a formalidade é algo essencial à democracia (coisa que nem sempre alguns se lembram). E tanto faz, para o caso, a sentença ser 13-0 como 7-6. Claro que politicamente não é igual, mas do ponto de vista formal, uma sentença aprovada tangencialmente tem o mesmo valor de lei que uma, como esta, aprovada unanimemente.

Posto isto, sempre direi que me parece haver um enviesamento do TC sempre que trata de salários, pensões e regalias provenientes do setor público, sem que haja a preocupação concomitante de saber que quem mais tarde pagará a conta serão, essencialmente privados. Vital Moreira disse-o melhor do que eu faria: "É fácil garantir prerrogativas setoriais quando elas são suportadas por todos os demais". Rima e é verdade.

Que deve fazer agora o Governo? Não sei bem, nem sou, felizmente, conselheiro do Executivo. Mas entendo que aumentar o IVA é a pior das soluções. Isto porque ou o Governo acredita que a Economia estava numa curva ascendentes (embora ténue e raquítica) e que as pessoas, ao consumirem mais mostravam uma confiança crescente, ou não acreditam. Se o que ficou dito em primeiro lugar é verdade, um aumento do IVA, nem que seja residual, é uma machadada nessa recuperação, nessa confiança, nesse diminuir ligeiríssimo do desemprego.

Mas pode o Governo fazer outra coisa? Não pode aumentar o défice porque a troika não deixa. O dr. Paulo Portas bem pode fazer mais um périplo que terá os mesmos resultados do primeiro. Pode tentar cortar as pensões de forma que agrade ao que ficou dito na sentença do TC, mas eu tenho o pressentimento de que o TC nunca ficará saciado e arranjará outro preceito vago (como o da confiança) para chumbar qualquer corte.

Resta os cortes nas gorduras. Estamos a falar de cerca de 380 milhões de euros, o que representa à volta de 0,25% do PIB. Qualquer gestor privado está habituado ao que se chama "rapar o tacho" para conseguir poupanças desta ordem. E esta expressão "rapar o tacho" tem, no Estado, um significado terapêutico importante. Rapem o tacho e, de caminho, rapem os tachos. É possível conseguir os 0,25% de redução sem tocar nas pensões públicas.

Ainda que um dia seja necessária uma reforma que ponha em ordem as pensões acumuladas, as pensões exageradas e outras regalias que só no Estado vemos. Porque apenas nas grandes empresas e serviços que têm o Estado por parceiro ou o tiveram por acionista ou por dono, além de no próprio Estado, se veem reformas aos 50 e poucos anos com retribuições praticamente iguais às que se recebiam quando essas pessoas trabalhavam. Claro que elas não têm culpa, mas a maioria de nós, que paga os impostos para que isso seja possível (os tais demais que suportam as prerrogativas setoriais) ainda menos culpa têm.

Henrique Monteiro
Domingo, 22 de dezembro de 2013

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Fonte: Expresso