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CRÓNICA: O estilo português elevado
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CRÓNICA: O estilo português elevado
O que impressiona na oratória portuguesa é o afinco com que os oradores perseguem posições elevadas. São as posições de quem se ocupa de assuntos que nenhum facto poderá afectar.
A ninguém é estranha a impressão que causa a oratória pública portuguesa; e por isso não será preciso invocar exemplos concretos. Para perceber a oratória pública é útil considerar também o caso da oratória privada. Existe com efeito uma semelhança entre a maneira como as pessoas falam nos parlamentos, em reuniões, nas escolas, ou na televisão e a maneira como discursam nos casamentos, nos enterros, aos cônjuges, e nas festas de anos. A maneira como os outros olham para baixo durante todas essas ocasiões é também muito parecida.
A noção de falar em público atrai em especial aqueles que gostam de falar em público. De onde virá esta necessidade de falar diante de outras pessoas? E de o fazer de um modo tão pouco corriqueiro? É a esse modo que no mundo da arte se chama o estilo português elevado. A explicação mais antiga para a sua reputação é a do Salmista: os abismos têm uma atracção especial e chamam abismos ainda maiores. A imagem de um orador que se precipita sem desfalecimentos de rochas cada vez mais altas para abismos cada vez mais fundos ocorre com frequência quando descrevemos as actividades verbais numa festa de anos ou num debate parlamentar. No entanto não esclarece totalmente a relação que existe entre os abismos da oratória e o estilo elevado.
Uma explicação complementar poderá ser a seguinte: o facto de a oratória pública portuguesa corresponder ao estilo elevado indica que a atracção que suscita é uma atracção pela elevação. A elevação pode corresponder a coisas muito variadas: por exemplo, à ideia de que houve coisas muito importantes que se passaram; ou à ideia de que algumas coisas seriam muito importantes, caso se pudessem vir a passar. Mas, independentemente da sua variedade, quem cultiva o estilo elevado precisa sempre de se elevar a uma posição elevada.
Ora o que impressiona na oratória portuguesa é justamente o afinco com que os oradores perseguem posições elevadas. São as posições de quem se ocupa de assuntos que nenhum facto poderá concebivelmente afectar. Não espanta por isso que os oradores portugueses raramente mudem de opinião. Sente-se neles atracção por aquilo que pensam, e admiração por quem o pensa. São atitudes que também se encontram nas multidões que apupam os réus à entrada dos tribunais na província. A posição elevada é a posição de quem acredita que fala em nome dos outros: de quem comemora e de quem faz propaganda. É também a posição de quem se dirige a animais da mesma espécie, e por isso nunca precisa de acabar as frases. Isto pode explicar a semelhança entre o que se ouve dizer na televisão e o modo como se discursa nas festas de família; e explica com certeza o destino final de quase todos os praticantes do estilo elevado português. Só se despenha quem se penha.
Miguel Tamen
2/12/2016, 1:33
Observador
A ninguém é estranha a impressão que causa a oratória pública portuguesa; e por isso não será preciso invocar exemplos concretos. Para perceber a oratória pública é útil considerar também o caso da oratória privada. Existe com efeito uma semelhança entre a maneira como as pessoas falam nos parlamentos, em reuniões, nas escolas, ou na televisão e a maneira como discursam nos casamentos, nos enterros, aos cônjuges, e nas festas de anos. A maneira como os outros olham para baixo durante todas essas ocasiões é também muito parecida.
A noção de falar em público atrai em especial aqueles que gostam de falar em público. De onde virá esta necessidade de falar diante de outras pessoas? E de o fazer de um modo tão pouco corriqueiro? É a esse modo que no mundo da arte se chama o estilo português elevado. A explicação mais antiga para a sua reputação é a do Salmista: os abismos têm uma atracção especial e chamam abismos ainda maiores. A imagem de um orador que se precipita sem desfalecimentos de rochas cada vez mais altas para abismos cada vez mais fundos ocorre com frequência quando descrevemos as actividades verbais numa festa de anos ou num debate parlamentar. No entanto não esclarece totalmente a relação que existe entre os abismos da oratória e o estilo elevado.
Uma explicação complementar poderá ser a seguinte: o facto de a oratória pública portuguesa corresponder ao estilo elevado indica que a atracção que suscita é uma atracção pela elevação. A elevação pode corresponder a coisas muito variadas: por exemplo, à ideia de que houve coisas muito importantes que se passaram; ou à ideia de que algumas coisas seriam muito importantes, caso se pudessem vir a passar. Mas, independentemente da sua variedade, quem cultiva o estilo elevado precisa sempre de se elevar a uma posição elevada.
Ora o que impressiona na oratória portuguesa é justamente o afinco com que os oradores perseguem posições elevadas. São as posições de quem se ocupa de assuntos que nenhum facto poderá concebivelmente afectar. Não espanta por isso que os oradores portugueses raramente mudem de opinião. Sente-se neles atracção por aquilo que pensam, e admiração por quem o pensa. São atitudes que também se encontram nas multidões que apupam os réus à entrada dos tribunais na província. A posição elevada é a posição de quem acredita que fala em nome dos outros: de quem comemora e de quem faz propaganda. É também a posição de quem se dirige a animais da mesma espécie, e por isso nunca precisa de acabar as frases. Isto pode explicar a semelhança entre o que se ouve dizer na televisão e o modo como se discursa nas festas de família; e explica com certeza o destino final de quase todos os praticantes do estilo elevado português. Só se despenha quem se penha.
Miguel Tamen
2/12/2016, 1:33
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