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O futuro do liberalismo

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O futuro do liberalismo Empty O futuro do liberalismo

Mensagem por Admin Ter Jan 03, 2017 11:53 am

Não podemos escamotear que nos últimos anos o pessimismo voltou a instalar-se nas nossas vidas e comunidades e que esse facto tem sido aproveitado pelas forças antiliberais e pelos líderes populistas.

O ano que terminou ficou marcado, em termos ideológicos, pelo aparente fim do liberalismo. A questão central, em 2017, será saber se esse mesmo liberalismo se conseguirá renovar, respondendo aos desafios colocados pela atualidade, transformando-se num pós-liberalismo, ou se, ao invés, acabará por ceder o seu espaço, de uma vez por todas, às correntes antiliberais que por todo o lado teimam em regressar.

O Ocidente confronta-se, cada vez mais, com um futuro de crescimento económico lento, novas divisões sociais e uma revolta de pendor populista. Para muitos, o aumento das desigualdades e a má distribuição da riqueza que vai sendo criada constituem o grande obstáculo à continuidade das ideias liberais.

Ainda assim, a história evidencia que o liberalismo e, ao mesmo tempo, a economia de mercado que está no cerne do modelo capitalista, sempre conseguiram ultrapassar as suas inevitáveis contradições.

Creio, por isso, que o liberalismo se conseguirá renovar e que essa será a melhor defesa que podemos encontrar para viver em paz e prosperidade nos próximos anos.

Mas vejamos o que está em causa.

Depois da crise financeira de 2007/2008, foram muitos os que alvitraram o fim do liberalismo, confundindo-o erradamente com o capitalismo. A verdade é que este erro resulta de se tomar a parte pelo todo, pois se o capitalismo é inseparável da construção de uma sociedade liberal, esta é muito mais que um mero mercado, sem responsabilidade moral ou social.

O liberalismo é um modelo de sociedade assente na liberdade, na igualdade de oportunidades, na responsabilidade pessoal, nos sentimentos morais e na democracia representativa conformada pelo direito e pela justiça.

O capitalismo é um modelo económico assente na livre empresa e na concorrência entre agentes económicos a uma escala nacional ou internacional.

Ora, crises do capitalismo, tivemos várias. Crises do modelo de sociedade liberal e pluralista, tivemos também muitas. Porém, quer a economia de mercado, quer a sociedade liberal, sempre sobreviveram e encontraram o caminho da renovação ou regeneração.

Aliás, a pergunta sobre o fim do liberalismo e do modelo económico que lhe está associado não é nova, pois já em 1942 Joseph Schumpeter a colocava na sua obra de referência Capitalism, Socialism and Democracy. A resposta do grande economista, que cunhou o conceito de “destruição criativa”, base do moderno empreendedorismo, era pouco otimista. Nessa época como agora, infelizmente, grande parte da elite intelectual opunha-se ferverosamente ao modelo liberal.

Anatole Kaletsky, por exemplo, fala hoje numa nova fase do capitalismo, o “Capitalismo 4.0”, para se referir às transformações que o modelo económico liberal volta a enfrentar.

Para Kaletsky, tivemos de 1776 a 1930 o capitalismo 1.0, de 1930 até à década de 70 o capitalismo 2.0, dos anos 70 até à recessão de 2009, o capitalismo 3.0. E desde essa data ainda estamos a construir o capitalismo 4.0, cujas características ainda estão a ser definidas, quer pela nova geopolítica mundial, quer pelas ondas de choque da tecnologia no seio da economia e da sociedade.

E não podemos escamotear que, nos últimos anos, o pessimismo voltou a instalar-se nas nossas vidas e comunidades e que esse facto tem sido aproveitado pelas forças antiliberais e pelos líderes populistas.

Os exemplos de pessimismo são vários e podem ser sintetizados num mix de novo nacionalismo, novo corporativismo e protecionismo, associado ao descontentamento popular face ao impacto da tecnologia e das correntes migratórias no mundo do trabalho. Ao que se soma um modelo democrático cada vez mais disfuncional. Modelo esse onde os cidadãos estão cada vez mais focados no imediato e menos nas grandes escolhas de longo prazo. Modelo em que a maior parte dos governos gasta de mais a satisfazer os cidadãos no curto prazo, negligenciando os investimentos estruturais.

Todavia, tal como no passado, os liberais continuam a ter muito para oferecer às sociedades que enfrentam a mudança. Os desafios de hoje mantêm-se: a busca de ordem e segurança, face à inovação tecnológica e às ameaças ao emprego e ao rendimento. Tanto no século XIX, como neste início do século XXI, as pessoas querem de volta o controlo das suas próprias vidas.

A resposta liberal passará, pois, por trazer de volta o otimismo aos nossos concidadãos. Não o otimismo da facilidade, escondendo as dificuldades, mas um otimismo informado, responsável e rigoroso.

O verdadeiro antídoto contra o pessimismo antiliberal deverá assentar na defesa do cosmopolitismo, na dispersão do poder, no domínio do direito e na melhoria da transparência e competitividade dos mercados. Em vez de colocar os cidadãos ao serviço de um Estado poderoso e protetor, o liberalismo deve continuar a ver os indivíduos como os únicos capazes de escolher o que é melhor para si próprios.

Os liberais têm a obrigação de resistir à onda de pessimismo e continuar a explorar os caminhos abertos pelas novas tecnologias, bem como procurar respostas para as novas necessidades sociais destas decorrentes. Os liberais devem apostar na devolução do poder central para as cidades que se estão a tornar verdadeiros laboratórios de novas políticas públicas. Os liberais devem voltar a apostar na educação para o emprego nos novos setores e novas indústrias. Os liberais devem ajudar a reconstruir e a imprimir coerência e racionalidade ao labirinto fiscal e regulatório que esmaga a iniciativa empresarial e o rendimento da classe média.

Em suma, os liberais devem voltar a incutir otimismo nas nossas sociedades. As vias para o fazer serão muitas e na maior parte dos casos nada fáceis, mas a tarefa urge, pois dela depende a continuação de um mundo livre, aberto e decente para todos.

Bem mais importante do que atingir a igualdade a todo o custo, grande aspiração de todos os antiliberais, é que cada um tenha o suficiente para uma vida digna. Mais importante do que a igualdade na uniformidade, é garantir o pluralismo, a tolerância e o respeito por cada ser humano apenas pelo facto de o ser.

Como defendeu Giovanni Pico Della Mirandola, no seu célebre Discurso Sobre a Dignidade Humana (1480), a dignitas assenta no livre arbítrio, pois Deus quando criou o homem, não podendo atribuir-lhe nada de específico, decidiu dar-lhe a liberdade de escolher o seu destino.

E, ontem como hoje, essa continua a ser a essência, esse continua a ser o fundamento do liberalismo e a garantia do seu futuro.

José Conde Rodrigues é professor universitário

José Conde Rodrigues
3/1/2017, 8:25
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