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Se cá nevasse
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Se cá nevasse
Da próxima vez que escutar algum cidadão de provecta idade a queixar-se do frio que o atormenta em casa, pense duas vezes antes de o sujeitar ao preconceito redutor da velhice. Sim, a nossa propensão para sofrer com as baixas temperaturas aumenta ao ritmo decadente com que nos vamos despedindo das guardas pretorianas do nosso sistema imunitário, mas há, nessa chuva de lamúrias que nos salpica de enfado, uma dimensão absolutamente factual e que, muito honestamente, devia envergonhar-nos. Como é que num país ameno como o nosso há tantas vítimas do frio? E como é possível que se morra dentro de casa e não ao relento?
Só em janeiro, oito portugueses pereceram em incêndios provocados por sistemas de aquecimento deficientes ou arcaicos. Só isto bastaria como retrato da perversão. Morrer entre chamas para não morrer de frio. Mas há uma fatal rotina que se cumpre à medida que vamos conhecendo as histórias. Nas causas (inalação de fumos resultante de fogueiras e braseiros em áreas mal ventiladas; cobertores elétricos demasiadas horas ligados; aquecedores que entram em curto-circuito) e nos protagonistas (quase sempre gente isolada, a viver sozinha, sem comodidades e para quem estar aquecido é tão vital como estar alimentado).
Há dias, o jornal espanhol "El País" colocava as coisas em perspetiva: na União Europeia a 15, Portugal tem a maior taxa de mortalidade por baixas temperaturas. "Morrer de frio num lugar quente" era o sugestivo título escolhido pelo jornalista Javier Martín. Aqueles que lançam as mãos às têmporas sempre que a imprensa internacional decide entalar a República na boca dos mercados financeiros, deviam também preocupar-se com a contaminação negativa destas notícias, hinos informais ao espírito do nosso subdesenvolvimento.
Múltiplas razões poderiam ser aduzidas para justificar esta pobreza energética, entre as quais a má construção das habitações. Mas, na enumeração dos motivos, avulta desde logo a circunstância de pagarmos mais pela eletricidade do que todos os outros europeus (diabolize-se a EDP à vontade, mas não nos esqueçamos que metade da fatura vai direitinha para o bolso do Estado, sob a forma de impostos e taxas) e de sermos líderes no campeonato dos pagadores de gás. Não nos admiremos, por isso, que mais de 800 mil famílias (cerca de 20% dos agregados) continuem a beneficiar da tarifa social de energia.
Querem ficar gelados com outra perversão? Na Suécia, onde a temperatura média no inverno é de -3,5 graus, há 97 mortes por 100 mil habitantes associadas ao frio; cá, onde a temperatura média no inverno ronda uns "glaciares" 13 graus, a cifra é quase cinco vezes maior.
Portugal, país ameno e melhor destino de golfe do Mundo, é o pior destino europeu para quem tem poucos cobertores em casa. A bem dizer, somos uns excêntricos.
* EDITOR-EXECUTIVO-ADJUNTO
Pedro Ivo Carvalho*
Ontem às 00:04
Jornal de Notícias
Só em janeiro, oito portugueses pereceram em incêndios provocados por sistemas de aquecimento deficientes ou arcaicos. Só isto bastaria como retrato da perversão. Morrer entre chamas para não morrer de frio. Mas há uma fatal rotina que se cumpre à medida que vamos conhecendo as histórias. Nas causas (inalação de fumos resultante de fogueiras e braseiros em áreas mal ventiladas; cobertores elétricos demasiadas horas ligados; aquecedores que entram em curto-circuito) e nos protagonistas (quase sempre gente isolada, a viver sozinha, sem comodidades e para quem estar aquecido é tão vital como estar alimentado).
Há dias, o jornal espanhol "El País" colocava as coisas em perspetiva: na União Europeia a 15, Portugal tem a maior taxa de mortalidade por baixas temperaturas. "Morrer de frio num lugar quente" era o sugestivo título escolhido pelo jornalista Javier Martín. Aqueles que lançam as mãos às têmporas sempre que a imprensa internacional decide entalar a República na boca dos mercados financeiros, deviam também preocupar-se com a contaminação negativa destas notícias, hinos informais ao espírito do nosso subdesenvolvimento.
Múltiplas razões poderiam ser aduzidas para justificar esta pobreza energética, entre as quais a má construção das habitações. Mas, na enumeração dos motivos, avulta desde logo a circunstância de pagarmos mais pela eletricidade do que todos os outros europeus (diabolize-se a EDP à vontade, mas não nos esqueçamos que metade da fatura vai direitinha para o bolso do Estado, sob a forma de impostos e taxas) e de sermos líderes no campeonato dos pagadores de gás. Não nos admiremos, por isso, que mais de 800 mil famílias (cerca de 20% dos agregados) continuem a beneficiar da tarifa social de energia.
Querem ficar gelados com outra perversão? Na Suécia, onde a temperatura média no inverno é de -3,5 graus, há 97 mortes por 100 mil habitantes associadas ao frio; cá, onde a temperatura média no inverno ronda uns "glaciares" 13 graus, a cifra é quase cinco vezes maior.
Portugal, país ameno e melhor destino de golfe do Mundo, é o pior destino europeu para quem tem poucos cobertores em casa. A bem dizer, somos uns excêntricos.
* EDITOR-EXECUTIVO-ADJUNTO
Pedro Ivo Carvalho*
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