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Mensagem por Admin Seg Fev 06, 2017 11:48 am

O Tribunal Constitucional já declarou por duas vezes a inconstitucionalidade do carácter obrigatório da disciplina de Religião e Moral católica nas escolas públicas. Fê-lo em 1987 e de novo em 2014, a propósito de um diploma do Governo Regional da Madeira que, como o do Governo da República de 1983, assumia o silêncio dos encarregados de educação como aquiescência em relação às aulas daquela disciplina - era a chamada obrigatoriedade "por defeito".

É muito simples: o Estado, constitucionalmente definido como laico, está impedido de fazer proselitismo religioso. Que tenha havido governos a tentar impô-lo na escola pública diz muito desses governos mas também sobre quem na Igreja Católica pugnou para que assim fosse - diz-nos sobre a sua vontade de dominar e evangelizar, a sua deliberação de impor. Diz-nos sobre a sua insegurança - se achasse mesmo que a sua mensagem se basta, precisaria de tentar enfiá-la pela goela das crianças? E diz-nos sobre a sua aversão pela liberdade, sobre a sua ausência de respeito pelos princípios basilares do regime democrático laico. Diz-nos, em suma, sobre a falta de ética da instituição.

É uma característica das religiões, esta ideia de que têm o direito de se impor a quem não as segue. Daí que seja fabulosamente irónico que aquilo que é, graças à intervenção do TC e de quem requereu a sua fiscalização, uma opção para os estudantes pareça continuar a constituir-se em obrigação para o resto dos cidadãos: de cada vez que cá se discute algo que se considera fazer parte do domínio da ética ou das "escolhas morais" lá aparecem os representantes da Igreja Católica a perorar. Não é, note-se, que estas pessoas e esta organização não tenham todo o direito de falar sobre o que lhes aprouver. Mas a ideia de que têm de ter lugar cativo, de cátedra, em todas as questões vistas como "éticas" não faz qualquer sentido.

E o mais grave é que esta ideia absurda - "temos de ter um padre" - não se circunscreve às escolhas editoriais nos media e quejandas. Organismos estatais com a responsabilidade de dar pareceres sobre questões de ética, como o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, têm, não raro, não só representantes da "sensibilidade católica" mas também sacerdotes residentes. E, pior, na maioria das comissões de ética dos hospitais, designadas pelas direções clínicas, têm assento padres - geralmente o capelão católico (outra inadmissível entorse no princípio da separação entre Estado e confissões religiosas) da instituição. De acordo com uma lista com a composição de todas as comissões de ética hospitalares, solicitada ao ministério da Saúde e obtida a duras penas, 57% destas comissões, às quais está legalmente acometida a obrigação de "zelar pela observância de padrões de ética no exercício das ciências médicas, por forma a proteger e garantir a dignidade e a integridade humanas, procedendo à análise e reflexão sobre temas da prática médica que envolvam questões de ética", incluem um sacerdote católico.

No momento em que se discute a legalização da eutanásia e em que se ouvem sacerdotes na TV a dizerem a outros intervenientes no debate coisas como "nós não desistimos das pessoas, não desistimos de si" - leia-se, não desistem de decidir pelos outros e de lhes impor a sua visão até em matérias tão irredutivelmente pessoais como a decisão de viver ou morrer - é fundamental lembrar que não chega fazer leis. É preciso que, depois, estas não sejam boicotadas, na prática, por um sistema de ética para a saúde contaminado pelo mesmo proselitismo religioso e pela mesma ausência de respeito pela Constituição (e de sentido de ridículo) que leva um Presidente da República a anunciar que "mandou parar" a discussão para não incomodar o papa na sua visita em maio.

06 DE FEVEREIRO DE 2017
00:01
Fernanda Câncio
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