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A pós-mentira
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A pós-mentira
A pós-mentira é o descrédito e a desilusão dos cidadãos quando confrontados com a realidade, depois de terem sido ludibriados com falsas expetativas
Políticos, politólogos, sociólogos, jornalistas e analistas de toda a espécie andam preocupados e produzem em larga escala teorias e estudos sobre a pós-verdade, que mais não é do que uma mentira mais ou menos hábil e verosímil posta a circular com determinada finalidade perversa. Num acesso de modernice genial ou de tontice (está para se perceber), uma assessora de Trump terá batizado esta velha prática como “factos alternativos”.
No jornalismo antigo chamava-se a esse tipo de coisa rumor ou boato. Aprendia-se nas redações que estas situações não eram notícia e que só muito excecionalmente podiam ser referidas, e apenas para serem desmentidas. Por vezes, lá se citavam rumores sobre eventuais golpes de Estado em países distantes, ressalvando-se que não havia confirmação independente. Explicava--se ainda que os jornalistas existiam para intermediar e eliminar esses rumores e boatos, dando aos cidadãos uma versão correta e objetiva, tanto quanto era possível. Por muito estranho que pareça a alguns, e apesar da nova sofisticação das designações a respeito de situações antigas, é essencial que a sociedade de hoje tome consciência de que o papel de mediação dos jornalistas é ainda a sua função primordial, sobretudo num tempo em que as redes sociais promovem e facilitam a ausência de um crivo permanente, facilitando o espalhar de falsidades, mas também (reconheça-se) de muitas verdades incómodas.
Mas deixemos este produto da pós- -verdade e tudo o que ele comporta para nos fixarmos em algo mais importante: a pós-mentira.
A pós-mentira é mais fácil de explicar. No fundo, é a realidade nua e crua com que os cidadãos se confrontam quando surge a consequência de um discurso e chega a hora de comparar o prometido com os factos concretos em que determinada situação redundou. A pós-mentira é dramática e muitas vezes sinistra, porque ela é normalmente a materialização concreta e palpável de uma situação negativa que não foi colocada frontalmente ao cidadão comum, apesar de ser perfeitamente expetável.
Exemplos não faltam em tudo e para tudo. Na política, a pós-mentira é ganhar eleições prometendo que não se aumenta impostos e depois anunciar o maior agravamento de sempre. É também convencer os eleitores de que, com obras públicas como o TGV e aeroportos, se ia resolver o problema do país, quando na realidade não havia dinheiro para nada. Na economia era anunciar que as soluções encontradas para bancos como o BPN, o BES, o Novo Banco e o Banif não teriam consequências para os contribuintes que, entretanto, já meteram mais de 13 mil milhões na banca, sem contar com perdas laterais e o que está para chegar. Era também proclamar que estaríamos todos melhor quando se vendessem empresas do Estado que davam dividendos, quando agora se vê que perdemos coletivamente com isso. Era anunciar o fim da austeridade e depois introduzir agravamentos indiretos e cativações que superam ou são iguais às reversões havidas. A pós-mentira era fazer crer que o petróleo de Angola ia salvar os angolanos e os portugueses, e que o Brasil seria uma economia fabulosa no futuro. A pós- -mentira foi criar reguladores e provedores para tudo e mais alguma coisa e, depois, o consumidor não ter hipótese rigorosamente nenhuma de se defender das grandes companhias de telecomunicações, de seguros, de luz ou de água. A pós-mentira são os alimentos vendidos como dietéticos e que fazem mal, ou os que são impingidos como saudáveis mas que estão carregados de sal e de açúcar. A pós-mentira é comprar um carro que supostamente gasta quatro litros mas que, na realidade, consome oito ou polui quatro vezes mais do que estava referenciado, causando danos ambientais ao planeta.
A pós-mentira é isso e muito mais. É o dia a seguir. É a realidade concreta e objetiva. É a consequência do embuste político ou económico. É, em casos-limite, a manipulação de seres humanos em nome de credos e religiões, levando-os a cometer atos bárbaros, matando inocentes em atos terroristas. Preocupar-se com a pós-verdade é importante. Mas a pós-verdade é simplesmente o boato na sociedade moderna. Já a pós-mentira é a aldrabice de sempre que é anunciada como a solução sem dor, mas que acaba por desabar em cima do cidadão e é propalada em praticamente tudo aquilo que diz respeito à vida social, económica e política do ser humano. A pós-mentira é o descrédito e a desilusão perante a realidade num mundo sobre o qual se informa cada vez mais e se sabe cada vez menos.
Jornalista
05/04/2017
Eduardo Oliveira E Silva
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
Políticos, politólogos, sociólogos, jornalistas e analistas de toda a espécie andam preocupados e produzem em larga escala teorias e estudos sobre a pós-verdade, que mais não é do que uma mentira mais ou menos hábil e verosímil posta a circular com determinada finalidade perversa. Num acesso de modernice genial ou de tontice (está para se perceber), uma assessora de Trump terá batizado esta velha prática como “factos alternativos”.
No jornalismo antigo chamava-se a esse tipo de coisa rumor ou boato. Aprendia-se nas redações que estas situações não eram notícia e que só muito excecionalmente podiam ser referidas, e apenas para serem desmentidas. Por vezes, lá se citavam rumores sobre eventuais golpes de Estado em países distantes, ressalvando-se que não havia confirmação independente. Explicava--se ainda que os jornalistas existiam para intermediar e eliminar esses rumores e boatos, dando aos cidadãos uma versão correta e objetiva, tanto quanto era possível. Por muito estranho que pareça a alguns, e apesar da nova sofisticação das designações a respeito de situações antigas, é essencial que a sociedade de hoje tome consciência de que o papel de mediação dos jornalistas é ainda a sua função primordial, sobretudo num tempo em que as redes sociais promovem e facilitam a ausência de um crivo permanente, facilitando o espalhar de falsidades, mas também (reconheça-se) de muitas verdades incómodas.
Mas deixemos este produto da pós- -verdade e tudo o que ele comporta para nos fixarmos em algo mais importante: a pós-mentira.
A pós-mentira é mais fácil de explicar. No fundo, é a realidade nua e crua com que os cidadãos se confrontam quando surge a consequência de um discurso e chega a hora de comparar o prometido com os factos concretos em que determinada situação redundou. A pós-mentira é dramática e muitas vezes sinistra, porque ela é normalmente a materialização concreta e palpável de uma situação negativa que não foi colocada frontalmente ao cidadão comum, apesar de ser perfeitamente expetável.
Exemplos não faltam em tudo e para tudo. Na política, a pós-mentira é ganhar eleições prometendo que não se aumenta impostos e depois anunciar o maior agravamento de sempre. É também convencer os eleitores de que, com obras públicas como o TGV e aeroportos, se ia resolver o problema do país, quando na realidade não havia dinheiro para nada. Na economia era anunciar que as soluções encontradas para bancos como o BPN, o BES, o Novo Banco e o Banif não teriam consequências para os contribuintes que, entretanto, já meteram mais de 13 mil milhões na banca, sem contar com perdas laterais e o que está para chegar. Era também proclamar que estaríamos todos melhor quando se vendessem empresas do Estado que davam dividendos, quando agora se vê que perdemos coletivamente com isso. Era anunciar o fim da austeridade e depois introduzir agravamentos indiretos e cativações que superam ou são iguais às reversões havidas. A pós-mentira era fazer crer que o petróleo de Angola ia salvar os angolanos e os portugueses, e que o Brasil seria uma economia fabulosa no futuro. A pós- -mentira foi criar reguladores e provedores para tudo e mais alguma coisa e, depois, o consumidor não ter hipótese rigorosamente nenhuma de se defender das grandes companhias de telecomunicações, de seguros, de luz ou de água. A pós-mentira são os alimentos vendidos como dietéticos e que fazem mal, ou os que são impingidos como saudáveis mas que estão carregados de sal e de açúcar. A pós-mentira é comprar um carro que supostamente gasta quatro litros mas que, na realidade, consome oito ou polui quatro vezes mais do que estava referenciado, causando danos ambientais ao planeta.
A pós-mentira é isso e muito mais. É o dia a seguir. É a realidade concreta e objetiva. É a consequência do embuste político ou económico. É, em casos-limite, a manipulação de seres humanos em nome de credos e religiões, levando-os a cometer atos bárbaros, matando inocentes em atos terroristas. Preocupar-se com a pós-verdade é importante. Mas a pós-verdade é simplesmente o boato na sociedade moderna. Já a pós-mentira é a aldrabice de sempre que é anunciada como a solução sem dor, mas que acaba por desabar em cima do cidadão e é propalada em praticamente tudo aquilo que diz respeito à vida social, económica e política do ser humano. A pós-mentira é o descrédito e a desilusão perante a realidade num mundo sobre o qual se informa cada vez mais e se sabe cada vez menos.
Jornalista
05/04/2017
Eduardo Oliveira E Silva
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
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