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Uma estratégia ambiciosa para 2023
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Uma estratégia ambiciosa para 2023
É pela forma como vivem os seus elementos mais desprotegidos que devemos avaliar a qualidade de uma sociedade.
O grau de desenvolvimento de uma sociedade não se avalia pela forma como vivem os seus elementos mais afortunados. Os ricos vivem bem em todos os países do mundo e têm sempre acesso a todas as comodidades que a civilização produz. E também não se avalia por indicadores de bem-estar médio, que escondem desigualdades gritantes. É pela forma como vivem os seus elementos mais desprotegidos que devemos avaliar a qualidade de uma sociedade. E isto é assim porque os direitos que uma sociedade democrática visa garantir não se destinam apenas a um grupo de pessoas, nem sequer à maioria das pessoas, mas a todas as pessoas sem excepção. Uma sociedade que não garante a dignidade a todos os seus elementos é uma sociedade que não garante a dignidade de ninguém.
Tornou-se um lugar-comum dizer que a erradicação da pobreza é uma tarefa impossível, mas o que queremos dizer quando dizemos isso é apenas que a erradicação da pobreza não constitui uma prioridade da nossa política e que preferimos gastar o nosso tempo, recursos e empenho noutras coisas. Os desvalidos não possuem uma capacidade reivindicativa e de auto-organização que lhes permita garantir a defesa dos seus direitos e interesses e, por isso, raramente surgem no radar da política e dos media. Assim, paradoxalmente, os problemas que afectam de forma mais dramática a vida das pessoas são com excessiva frequência esquecidos da política. E, no entanto, é para isso que ela existe. Para organizar a nossa vida colectiva e para solucionar os problemas sociais que enfrentamos. Haverá algum problema mais urgente, para uma família que não tenha casa e que durma na rua, que resolver o seu problema de habitação? Todos os outros problemas (saúde, educação, segurança, emprego, auto-estima) dependem da solução do primeiro para poderem ser resolvidos por sua vez. A única razão para não atribuirmos uma alta prioridade à resolução do problema dos sem-abrigo é o facto de ele não nos afectar a nós, aos que podemos influenciar a tomada de decisões colectivas. Mas o problema é resolúvel, com uma combinação de acções a nível nacional e local.
Este mês, o Governo deverá divulgar e colocar em discussão a sua Estratégia Nacional de Integração de Pessoas Sem-Abrigo (ENIPSA 2017-2023), que deverá retomar o plano anterior (2009-2015) cuja implementação a nível nacional foi suspensa em 2013 pelo governo anterior. Seria positivo que a nova ENIPSA definisse como seu objectivo não apenas a mitigação mas o fim da tragédia dos sem-abrigo e disponibilizasse os instrumentos necessários para o fazer.
Haverá em Portugal 5.000 a 10.000 sem-abrigo. Seria uma bela vitória para um governo apoiado pela esquerda que, em 2023, não houvesse nenhum.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
José Vítor Malheiros, Colunista
00:12
Jornal Económico
O grau de desenvolvimento de uma sociedade não se avalia pela forma como vivem os seus elementos mais afortunados. Os ricos vivem bem em todos os países do mundo e têm sempre acesso a todas as comodidades que a civilização produz. E também não se avalia por indicadores de bem-estar médio, que escondem desigualdades gritantes. É pela forma como vivem os seus elementos mais desprotegidos que devemos avaliar a qualidade de uma sociedade. E isto é assim porque os direitos que uma sociedade democrática visa garantir não se destinam apenas a um grupo de pessoas, nem sequer à maioria das pessoas, mas a todas as pessoas sem excepção. Uma sociedade que não garante a dignidade a todos os seus elementos é uma sociedade que não garante a dignidade de ninguém.
Tornou-se um lugar-comum dizer que a erradicação da pobreza é uma tarefa impossível, mas o que queremos dizer quando dizemos isso é apenas que a erradicação da pobreza não constitui uma prioridade da nossa política e que preferimos gastar o nosso tempo, recursos e empenho noutras coisas. Os desvalidos não possuem uma capacidade reivindicativa e de auto-organização que lhes permita garantir a defesa dos seus direitos e interesses e, por isso, raramente surgem no radar da política e dos media. Assim, paradoxalmente, os problemas que afectam de forma mais dramática a vida das pessoas são com excessiva frequência esquecidos da política. E, no entanto, é para isso que ela existe. Para organizar a nossa vida colectiva e para solucionar os problemas sociais que enfrentamos. Haverá algum problema mais urgente, para uma família que não tenha casa e que durma na rua, que resolver o seu problema de habitação? Todos os outros problemas (saúde, educação, segurança, emprego, auto-estima) dependem da solução do primeiro para poderem ser resolvidos por sua vez. A única razão para não atribuirmos uma alta prioridade à resolução do problema dos sem-abrigo é o facto de ele não nos afectar a nós, aos que podemos influenciar a tomada de decisões colectivas. Mas o problema é resolúvel, com uma combinação de acções a nível nacional e local.
Este mês, o Governo deverá divulgar e colocar em discussão a sua Estratégia Nacional de Integração de Pessoas Sem-Abrigo (ENIPSA 2017-2023), que deverá retomar o plano anterior (2009-2015) cuja implementação a nível nacional foi suspensa em 2013 pelo governo anterior. Seria positivo que a nova ENIPSA definisse como seu objectivo não apenas a mitigação mas o fim da tragédia dos sem-abrigo e disponibilizasse os instrumentos necessários para o fazer.
Haverá em Portugal 5.000 a 10.000 sem-abrigo. Seria uma bela vitória para um governo apoiado pela esquerda que, em 2023, não houvesse nenhum.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
José Vítor Malheiros, Colunista
00:12
Jornal Económico
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