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A pós-verdade e os seus enganos
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A pós-verdade e os seus enganos
Falar do que não se sabe na pré-verdade é uma vaidade infantil ou primitiva
Pós-verdade foi a palavra do ano de 2016 para o Dicionário Oxford. Descreve “circunstâncias em que os factos objectivos são menos influentes na formação da opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal”.
A chave da definição são as “circunstâncias”. A emoção e a crença pessoal sempre foram catalisadoras poderosas da opinião popular, e por vezes mais do que os factos. A diferença é que, nas circunstâncias de pós-verdade, a emoção e a crença chegam antes dos factos, e antes até de uma versão identificável e responsável deles.
A pós-verdade é, então, um termo infeliz. Sugere que ultrapassámos os factos, quando na verdade ficámos aquém deles. Sugere um avanço, quando é um retrocesso. Se a verdade é a aspiração de uma vontade esclarecida, quem forma uma opinião sem conhecimento não devia estar na pós-verdade, mas na pré-verdade.
A pré-verdade é um conceito mais preciso e promissor, e merece uma atenção mais cuidada de Oxford. A pós-verdade sugere uma vanguarda, uma tendência bem-fundada e moderna. Já a pré-verdade – como a pré-primária ou a pré-história – insinua um estado primitivo e transitório de ignorância. Falar do que não se sabe na pós-verdade é uma virtude arrojada. Falar do que não se sabe na pré-verdade é uma vaidade infantil ou primitiva.
Vê-se desta vaidade todas as semanas. Mas viu-se particularmente na que passou.
Anteontem, o Governo Sírio lançou um ataque com armas químicas na Província de Idlib, controlada por rebeldes. Pelo menos 70 pessoas, incluindo várias crianças, foram exterminadas por uma morte vagarosa, aflitiva e indigna. As imagens giraram nos noticiários internacionais, com toda a repugnância esperada com o aviltamento da brutalidade que não se consegue esperar.
Ontem, o Presidente dos Estados Unidos ordenou o bombardeamento de uma base militar Síria, a responsável pelo ataque químico, com 59 mísseis Tomahawk.
Nas notícias e redes sociais, o juízo é instantâneo, difuso, disperso e confuso, e é dito com certeza e lisura retórica. Foi tudo combinado com a Rússia. Os Estados Unidos querem é petróleo. Os navios que lançaram os mísseis já estavam na bacia do Mediterrâneo. O ataque químico foi provocado pelos americanos. O Governo Sírio violou o Direito Internacional. O ataque americano é unilateral, desproporcional, inconstitucional. A culpa é do Obama. Não senhor, é do Congresso. Eu até queria isto, mas com o Trump ao leme esquece.
Pois eu, leitores, não sei. E isso, sendo censurável, não é tão censurável como inventar.
A pós-verdade, essa vantagem episódica da irracionalidade e do sentimentalismo, nasce da banalização das fontes, da opinião credível e do próprio tempo. Deriva de jornais e figuras públicas que competem, sem regulação, pelo sol de um algoritmo com critérios pouco deontológicos.
Mas a chave da pós-verdade são as circunstâncias. E esta cultura, de spin e ficção, alimenta-se também pelo desdém e vanglória com que colaboramos no prejuízo e na ignorância, em nome da impressão perversa de que isso nos favorece.
A linguagem ilude-nos. A mentira sempre deu a volta ao mundo antes de a verdade vestir as botas. Mas nunca ganhou a corrida.
PEDRO FONTES , ADVOGADO / 09 ABR 2017 / 02:00 H.
Diário de Notícias da Madeira
Pós-verdade foi a palavra do ano de 2016 para o Dicionário Oxford. Descreve “circunstâncias em que os factos objectivos são menos influentes na formação da opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal”.
A chave da definição são as “circunstâncias”. A emoção e a crença pessoal sempre foram catalisadoras poderosas da opinião popular, e por vezes mais do que os factos. A diferença é que, nas circunstâncias de pós-verdade, a emoção e a crença chegam antes dos factos, e antes até de uma versão identificável e responsável deles.
A pós-verdade é, então, um termo infeliz. Sugere que ultrapassámos os factos, quando na verdade ficámos aquém deles. Sugere um avanço, quando é um retrocesso. Se a verdade é a aspiração de uma vontade esclarecida, quem forma uma opinião sem conhecimento não devia estar na pós-verdade, mas na pré-verdade.
A pré-verdade é um conceito mais preciso e promissor, e merece uma atenção mais cuidada de Oxford. A pós-verdade sugere uma vanguarda, uma tendência bem-fundada e moderna. Já a pré-verdade – como a pré-primária ou a pré-história – insinua um estado primitivo e transitório de ignorância. Falar do que não se sabe na pós-verdade é uma virtude arrojada. Falar do que não se sabe na pré-verdade é uma vaidade infantil ou primitiva.
Vê-se desta vaidade todas as semanas. Mas viu-se particularmente na que passou.
Anteontem, o Governo Sírio lançou um ataque com armas químicas na Província de Idlib, controlada por rebeldes. Pelo menos 70 pessoas, incluindo várias crianças, foram exterminadas por uma morte vagarosa, aflitiva e indigna. As imagens giraram nos noticiários internacionais, com toda a repugnância esperada com o aviltamento da brutalidade que não se consegue esperar.
Ontem, o Presidente dos Estados Unidos ordenou o bombardeamento de uma base militar Síria, a responsável pelo ataque químico, com 59 mísseis Tomahawk.
Nas notícias e redes sociais, o juízo é instantâneo, difuso, disperso e confuso, e é dito com certeza e lisura retórica. Foi tudo combinado com a Rússia. Os Estados Unidos querem é petróleo. Os navios que lançaram os mísseis já estavam na bacia do Mediterrâneo. O ataque químico foi provocado pelos americanos. O Governo Sírio violou o Direito Internacional. O ataque americano é unilateral, desproporcional, inconstitucional. A culpa é do Obama. Não senhor, é do Congresso. Eu até queria isto, mas com o Trump ao leme esquece.
Pois eu, leitores, não sei. E isso, sendo censurável, não é tão censurável como inventar.
A pós-verdade, essa vantagem episódica da irracionalidade e do sentimentalismo, nasce da banalização das fontes, da opinião credível e do próprio tempo. Deriva de jornais e figuras públicas que competem, sem regulação, pelo sol de um algoritmo com critérios pouco deontológicos.
Mas a chave da pós-verdade são as circunstâncias. E esta cultura, de spin e ficção, alimenta-se também pelo desdém e vanglória com que colaboramos no prejuízo e na ignorância, em nome da impressão perversa de que isso nos favorece.
A linguagem ilude-nos. A mentira sempre deu a volta ao mundo antes de a verdade vestir as botas. Mas nunca ganhou a corrida.
PEDRO FONTES , ADVOGADO / 09 ABR 2017 / 02:00 H.
Diário de Notícias da Madeira
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