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Não há aviões no aeroporto da Portela
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Não há aviões no aeroporto da Portela
"Anda comigo ver os aviões." Foi o que disse às minhas netas. Mas no aeroporto não existem. Palavra de escuteiro
"Anda comigo ver os aviões levantar voo, a rasgar as nuvens, rasgar o céu", canta o Miguel Araújo, dos Azeitona. Na segunda-feira achei que era boa ideia. Boa ideia ir ver aviões, levar as minhas netas a ver aviões levantar voo, a rasgar as nuvens, a rasgar o céu, que ainda por cima estava azul, azul, aquele azul que até mete aflição porque não acaba.
Tinha a memória fresca, embora já se tenham passado 50 anos, mas o que são 50 anos à escala dos milhares de milhões do planeta Terra, dizia eu, que me lembrava bem de a minha mãe me levar ao aeroporto da Portela para os ver descolar e aterrar. Parava o carro junto da rede, e lá estavam eles, e às vezes, quando os meus irmãos mais velhos partiam, subíamos a um terraço e acenávamos, acenávamos, certos de que até ao último minuto nos viam, pontinhos já a subir as escadas.
Segura das minhas recordações peguei nelas e levei-as. Queria ver pelos olhos delas, que é como ver pela primeira vez, o maior antídoto para o adormecimento da nossa capacidade de espanto - como é possível que já nem viremos a cabeça quando um monstro de milhares de toneladas nos sobrevoa sem sequer bater as asas.
Queria maravilhar-me com elas, era só isso.
Por isso levei-as ao aeroporto. E prometi-lhes, na maior boa-fé, que íamos ver aviões. Falei-lhes no terraço, e nos adeuses, e nos hangares onde descansavam, enquanto uns senhores os arranjavam e os pilotos dormiam a sesta, porque não é fácil encontrar o caminho num céu azul, tão azul, tão azul que nem tem fim.
Entrámos na gare e procurei nas placas a indicação de terraço. Nada. Um café com vista para os aviões, com a bica mais cara, estava preparada para isso, mas népia. Perguntei. O senhor a quem perguntei abanou a cabeça entristecido. Também ele tinha visto ali aviões, mas agora não, agora não se podiam ver. De sítio absolutamente nenhum.
Olhei para o placard das chegadas para me certificar de que estava no aeroporto. Também olhei para o das partidas. Em Agosto, numa segunda-feira à tarde, chegava ou partia um avião a cada dez minutos. Não mentira às minhas netas, ali havia aviões.
"Pois há, minha senhora, mas por razões de segurança não se podem ver", disse-me a funcionária de um balcão de check-in. "A não ser que tenha cartão de embarque, aí pode andar lá em cima e é tudo envidraçado", esclareceu a colega.
Portanto há aviões, e podem ver-se, mas é preciso pagar uma passagem, confirmei, amável, juro que fui amável, as pobres raparigas não tinham culpa nenhuma de que o aeroporto em perpétuas obras se tivessem esquecido que a mulher cantada pelos Azeitonas podia querer ir ver os aviões a rasgar os céus. Ou mesmo eu e as minhas netas.
"Se subir aquelas escadas, talvez haja um cantinho de onde se vejam", adiantou um outro, prestável. E via-se. O narizinho de um avião, como me dizem que se vêem meninas pelo buraco da fechadura naquelas casas de pouca virtude ali junto ao Coliseu de Lisboa. Foi o que me lembrou, o que querem?
A segurança do controlo das malas apiedou-se de nós:
"Se apanharem o autocarro para o terminal 2, no trajecto há uns metros sem tapumes altos e conseguem ver-se alguns".
As gémeas entusiasmaram-se. Aos quatro anos um autocarro também é interessante.
"E é de graça", aliciou a rapariga.
Fomos. Não podia desiludi-las totalmente. Como fica a credibilidade de uma avó que traz crianças a um aeroporto onde não há aviões? Ou melhor, há, mas não são para ver.
O autocarro era óptimo - enquanto transfer, entenda-se -, partiu a horas e tinha ar condicionado, é verdade, mas quanto a aviões tivemos cinco segundos para os ver, entre muralhas de arame farpado, qual cenário de guerra. Cinco segundos de aviões para lá, e cinco segundos para cá (para lá nos bancos à direita, para cá nos da esquerda, isto é preciso ter cabeça).
É claro que para ver, ver mesmo bem, podíamos ter aberto no YouTube um filme de promoção da ANA, mas o que querem, achei que lhes podia dizer "Andem comigo ver os aviões". Ingenuidades.
Por Isabel Stilwell
publicado em 23 Ago 2014 - 05:00
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