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As reformas e a imprensa

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Mensagem por Admin Qua Set 17, 2014 2:57 pm

As reformas e a imprensa 387949

Muito se tem escrito sobre a dificuldade de encetar reformas em democracia. A razão é simples: as reformas  perturbam equilíbrios antigos, afectam hábitos arreigados, põem em causa interesses há muito estabelecidos. Pense-se, por exemplo, na reforma do mapa judiciário, no encerramento de maternidades, de escolas, ou  de cursos do ensino superior, na reestruturação de empresas ou, noutra esfera, na alteração das leis dos despedimentos, na introdução de taxas moderadoras na saúde, no IVA da restauração, na privatização da TAP ou a mera introdução de parquímetros. Todas estas medidas impõem custos imediatos óbvios  para aqueles que por elas são directamente impactados: os utentes  que estão sujeitos a deslocações mais longas para aceder a um tribunal ou hospital, os trabalhadores que sentem o seu vínculo laboral modificado  ou mesmo posto em causa, ou pensionistas que vêm expectativas goradas.

A liberdade de imprensa é um valor tão importante como o dos governos eleitos governarem
O que é comum a todos os sectores que sofrem impacto imediato negativo das reformas é que constituem grupos bem definidos, mais ou menos homogéneos e pertencentes alguma espécie de establishment. Estas características fazem com que sejam facilmente mobilizáveis e organizáveis para falarem a uma só voz, que é, como é natural, uma voz de protesto contra as reformas. Ao invés, os potenciais beneficiários das reformas são anonimamente descritos como o interesse público ou as gerações vindouras.  O que caracteriza estes potenciais beneficiários é que não tem voz nem, muitas vezes, votos. Estão pois sub representados perante os poderes fáticos das democracias.

É nesta questão de ter ou não ter voz que entra o papel da imprensa. Três exemplos ilustram o que tenho em mente. 

Quando o então ministro da saúde Correia de Campos decidiu encerrar maternidades, todos os dias apareciam imagens de televisão mostrando partos em ambulâncias ou parturientes a fugirem para Badajoz. Abortada a reforma, nem mais uma criança viu a luz em tão precária situação. O segundo exemplo são as falhas mecânicas em voos da TAP. Nos últimos dois meses qualquer falha - grande ou  pequena, relevante ou imaterial, excepcional ou usual - tem honras de primeira página.  Veremos se esta epidemia não acaba quando o conflito laboral com os pilotos ficar resolvido. 

Finalmente, os tribunais a funcionarem em contentores e as falhas do sistema informático que, a crer nas notícias, estão a privar muitos cidadãos do seu elementar direito do acesso à justiça. Nuns casos a imprensa retira de contexto os custos inevitáveis do ajustamento a qualquer reforma. Noutros, age por preconceito ou por desejo de se mostrar independente. Noutros ainda, cede ao espectáculo e à necessidade de vender. Qualquer que seja a razão, ao fazê-lo torna-se uma caixa de ressonância de todos os interesses estabelecidos, por muito egoístas que sejam, e um aliado útil na oposição a qualquer reforma.

A liberdade de imprensa é um valor tão importante como o dos governos eleitos governarem. Mas a liberdade traz consigo responsabilidade de procurar não ser manipulado para, assim, não manipular.

José Ferreira Machado | 17/09/2014 14:52:50
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