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Mensagem por Admin Qui Nov 06, 2014 5:53 pm

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"Como vivo no Alentejo, acho imensa graça às piadas sobre as cheias e o hippotrip"  Sara Matos/SOL

Aqui, ao rural profundo e ostracizado, as notícias chegam à mesma hora mas com impacto diferente.

Se eu ainda vivesse em Lisboa, estaria preocupadíssima com o ébola, a abrir e a fechar as portas com os cotovelos e a pensar que o meu irmão, que tem um método para quase tudo, afinal é que sabe.

O meu irmão é sempre, aconteça o que acontecer, a segunda pessoa a entrar ou a sair do Metro. Porque a segunda pessoa não tem que carregar nem nos botões nem nos manípulos para abrir as portas. Se eu ainda vivesse em Lisboa, também haveria de arranjar maneira de ser sempre a segunda pessoa a entrar ou a sair do Metro e andaria o mais longe possível das outras pessoas.

Se vivesse em Lisboa, já me teria empenhado com certeza numa procura frenética pelas galochas mais altas e mais resistentes, e estaria a amaldiçoar a calçada portuguesa e as paragens dos autocarros por serem abertas para as ruas.

E se ainda vivesse em Lisboa, talvez estivesse indignadíssima com o facto de uma certa barbearia não deixar entrar mulheres.

Mas como vivo no litoral alentejano e cumprimento, ao longe, sempre as mesmas pessoas - e até posso passar um dia inteiro sem ver ninguém -, o assunto ébola não me incomoda.

Como vivo no Alentejo, acho imensa graça às piadas sobre as cheias e o hippotrip.

Como vivo no Alentejo, acho piada que uma barbearia tenha deixado o mulherio descabelado de indignação por lhe ser negada a entrada. Primeiro, porque me parece que o fechar de portas às mulheres deve ter sido o golpe publicitário perfeito: pode não se saber o nome da barbearia, mas, de repente, metade do país sabe da sua existência e que fica na Rua do Alecrim e que mulher não entra. E depois, não compreendo por que há tanta mulher que, de repente, se lembrou de ir ao barbeiro...

Como vivo no litoral alentejano, a minha indignação vai principalmente para o facto de as mulheres não poderem entrar quando a conversa passa para lá da tábua de engomar ou do fogão. A minha indignação atinge o pico máximo quando se trata de pequenas obras.

Quando se é mulher e se entra em contacto com um faz-tudo de qualquer espécie, a primeira coisa que geralmente acontece é apresentarem-nos um só orçamento, e de valor exorbitante, quando nós pedimos várias opções.

Depois de pensar muito neste assunto, cheguei à conclusão de que o facto de sermos nós a tratar destes problemas deve sugerir que não temos mais nada para fazer - e que a nossa conta bancária é alimentada pelo marido que, como trabalha todo o dia para a manter recheada, não tem tempo para mais nada, o coitado!

Também acontece demorarem uma eternidade para apresentar o orçamento, achando que nós, mulheres e desocupadas, esperamos o que for preciso porque não sabemos quanto tempo leva a reunir preços de materiais.

Quando, finalmente, se consegue que a criatura se desloque lá a casa para observar o local da obra, mesmo que a mulher se encontre acompanhada pelo excelentíssimo esposo, qualquer sugestão que faça será ignorada.

E depois, claro, ainda há o próprio marido - que, julgando ser um cavaleiro andante que zela pela saúde da companheira e pelo estado das suas mãos e unhas, recusa ensinar-lhe, por exemplo, a mexer na electricidade. E deste modo lhe nega a felicidade de mudar candeeiros a seu bel-prazer.

A diferença é que uma barbearia não tem qualquer utilidade prática para as mulheres. Mas não poder furar paredes, descarnar fios eléctricos ou fazer puxadas deixa uma mulher independente reduzida à situação de pedinte. E é isto que, actualmente, me deixa os nervos esfrangalhados.

 Ana Rosado | 06/11/2014 15:49:38
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