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Mensagem por Admin Seg Dez 15, 2014 4:56 pm

Causou furor nas redes sociais uma entrevista que a jornalista e escritora Marisa Moura concedeu a respeito do seu novo livro, sugestivamente denominado "O que é que os portugueses têm na cabeça".


Ficamos a saber que o livro foi escrito com "espírito de missão", sustentado uma tese que pode ser resumida em poucas linhas: o povo português é demasiado brando - ou mesmo "banana" - e "completamente mal-educado em todos os sentidos do que é a educação, tanto académica como moral". A culpa desse estado de coisas, diz, é do Império Romano e da Igreja Católica, por nos terem retirado o sentido crítico e incutido a "mania das grandezas". Ficamos ainda a saber, entre outros detalhes curiosos, que "dormir mal diminui a noção do Bem e do Mal" e que em Portugal utilizamos "numeração romana".

Disparates à parte, a tese e as questões a que procura responder não são novas. Já no século XIX havia quem acusasse a Igreja Católica de ser responsável pelo "atraso" dos portugueses e dos restantes povos peninsulares face à Europa "civilizada". E os argumentos sobre a herança romana são conhecidos: como outros povos latinos, os portugueses terão tendência para privilegiar os interesses da família ou do clã em detrimento da coisa pública - isto é, do Estado - o que favorece fenómenos como a evasão fiscal, a ‘cunha' ou a corrupção. Por outro lado, damos mais importância à aparência do que ao conteúdo; e o trabalho honesto não é suficientemente valorizado na nossa sociedade. E enquanto noutros países se valoriza mais a riqueza criada do que a herdada, em Portugal sucede o oposto.

Temos, no entanto, características positivas, como o facto de não nos matarmos uns aos outros por dá cá aquela palha, como acontece noutras paragens. Mas mesmo isto resultou de um processo evolutivo: após dois séculos de revoluções, golpes e lutas fratricidas, os portugueses compreenderam que existe uma diferença entre ser "banana" e ser responsável. Em 1808, 1833, 1848, 1908, 1910, 1915, 1919, 1921 ou 1926, poucos se atreveriam a afirmar que o povo português sofria de "brandura" em excesso. Pelo contrário. Por outro lado, a experiência demonstra que a cultura latina-católica, per si, não impede a inovação, a criação de riqueza e o desenvolvimento. O sul da Alemanha, a Áustria, a Bélgica e a própria França, em certa medida, também podem ser considerados países de tradição cultural católica. E nos EUA, o catolicismo já é a principal religião, com 25% da população americana. Será que estes países também foram destruídos pelo catolicismo? E a Itália, latina e católica por excelência, continua a ser um dos países mais ricos do mundo, apesar da corrupção, do crime organizado, da instabilidade política, do Estado despesista e da economia estagnada. As empresas italianas não ficam atrás das concorrentes alemãs no que toca à inovação e à competitividade: pelo contrário, competem ferozmente, a nível mundial, seja no calçado, no sector automóvel ou na aeronáutica. O próprio capitalismo nasceu em Itália.


Na verdade, o problema de Portugal não está na herança latina-católica per si, mas sim em decisões erradas tomadas no passado. Somos um país pequeno, sem recursos naturais, com poucos solos férteis e encavalitado entre as montanhas e o mar. E que, entre os séculos XV e XIX, foi governado por uma elite que impôs instituições políticas e económicas "extractivas" - no sentido que Acemoglu e Robinson dão ao termo - para poder apoderar-se dos escassos recursos de que o país dispunha. Uma elite que instituiu testes de "limpeza de sangue" para afastar os cristãos-novos dos cargos públicos e eclesiásticos, que trouxe a Inquisição para Portugal para controlar as mentes e apoderar-se dos bens de judeus e mouriscos, que usou a religião para controlar as massas e que considerava vergonhoso o facto de alguém ter de trabalhar para viver. Muitos dos problemas que têm minado o nosso desenvolvimento social e económico têm origem nesses séculos, incluindo as desigualdades sociais, a mentalidade anti-concorrencial, a devoção ao acessório em prejuízo do essencial, a aversão à mudança e a resistência à inovação.

Filipe Alves
00.05 h
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