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Quem deve pagar aos criadores?
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Quem deve pagar aos criadores?
Entre provisão pública e mercantil, apoiar a produção artística requer sobretudo pluralidade
Em entrevista ao Público no Domingo passado, o Director Geral do Livro, José Manuel Cortês, referiu e defendeu um conjunto de medidas de apoio à promoção do livro, da leitura e da produção literária, incluindo a concessão de bolsas de criação literária. Segundo referiu, os escritores são hoje discriminados a este nível em relação a outros tipos de criadores artísticos (os apoios pontuais directos da Direcção Geral das Artes, por exemplo, não incluem a produção literária entre os seus domínios de atribuição). E esta afirmação deu bastante brado nas redes sociais, especialmente entre os defensores da estrita provisão mercantil na esfera cultural.
Num plano muito distinto, a Apple anunciou ontem o lançamento do seu novo serviço de streaming de música, que procurará ocupar e alargar o espaço ocupado por concorrentes como o Spotify. A estratégia de preço, ao que parece, assenta na cobrança de cerca de 10 dólares mensais como contrapartida do acesso a música ilimitada – que o utilizador pode reproduzir as vezes que quiser mas nunca chega a adquirir. Depois de ter conseguido pôr uma parte razoável do público que acede à música através da internet a pagar pelos downloads com o iTunes, a Apple dá assim o salto para um modelo alternativo de negócio (o streaming mediante assinatura) que, segundo parece, tem nos últimos anos vindo a crescer significativamente em detrimento do modelo de aquisição e download mediante pagamento.
À primeira vista é difícil ver em que é que estas duas notícias se tocam, mas têm em comum o facto de dizerem respeito a uma mesma temática: a questão da provisão cultural. É uma temática complexa, principalmente devido a duas grandes ordens de razões.
A primeira tem a ver com o facto da maior parte da criação cultural ser de alguma forma semelhante aos “bens públicos” tratados pelos economistas, como a iluminação pública ou a segurança marítima proporcionada por um farol. Embora a produção cultural requeira em geral algum tipo de suporte material, a parte mais crucial do processo de provisão cultural é a que é assegurada no início do processo pelo criador. Alguns suportes materiais (o livro, o CD) têm um custo não-nulo e são “rivais” no uso (isto é, não podem ser utilizado por um número ilimitado de pessoas), mas a criação imaterial propriamente dita não é rival no uso, nem implica qualquer custo adicional de cada vez que é reproduzida. Essa parte do produto, a criação imaterial, tem, no fundo, características de bem público – e é essa parte a que verdadeiramente interessa quando falamos de produtos culturais cuja reprodução mecânica ou digital tem um custo nulo ou quase nulo (como sucede com um e-book ou um ficheiro de música digital).
Como sucede com todos os bens públicos ou quase-públicos, a provisão deste tipo de bens gera questões e dilemas próprios. A solução que permite ao maior número fruir da produção cultural – a cópia irrestrita gratuita –, não gera receitas que permitam remunerar os criadores e consequentemente não contribui para viabilizar a criação. Uma solução que permite gerar receitas (e que é a solução maioritariamente adoptada à nossa volta) é o racionamento artificial da oferta através da proibição e/ou criminalização da cópia, de modo a permitir aos distribuidores cobrar um preço unitário muito superior ao custo de cada reprodução. Mas esta solução é muito desvantajosa (e, como diriam os economistas, muito ineficiente) do ponto de vista social, pois limita muitíssimo o acesso a bens que poderiam ser reproduzidos ilimitadamente a custo nulo ou quase nulo. E a solução da provisão pública – através de bolsas de criação e outros apoios –, que resolve os problemas das duas soluções anteriores, é intrinsecamente assolada pela dificuldade de definição dos critérios que devem presidir à concessão dos apoios.
É o facto de não existir nenhuma solução perfeita que torna este problema especialmente complexo (e interessante), mas para essa complexidade contribui também o facto da cultura não ser um “bem” qualquer, já que tem um papel social especialmente importante como factor de desenvolvimento e emancipação individual e colectiva. Isso faz com que a política de apoio à criação cultural não possa nem deva ser determinada de forma simplista pelas preferências da maioria (nem pelas preferências das elites, já agora), sendo fundamental assegurar a pluralidade estética e artística.
Nesta era em que uma parte crescente da criação cultural é passível de reprodução digital, parece-me que o racionamento pela restrição da cópia é um anacronismo que tenderá – felizmente, na minha opinião – a ser rapidamente ultrapassado. Reconheço, porém, que isso em nada ajudará a viabilizar a criação. Para garantir esta última, e dadas as perspectivas de evolução actuais, parece-me que a solução mais preferível do ponto de vista social passará provavelmente por formatos flexíveis e inovadores ao nível da produção de massas, como no modelo do Spotify e da Apple Music, a par da subvenção pública à criação para assegurar a pluralidade artística, como no modelo das bolsas de criação literária defendidas por J. M. Cortês.
No domínio da produção cultural, é muito provavelmente a provisão mista – e não a provisão apenas mercantil ou apenas pública – que melhor permite evitar a uniformização e potenciar a diversidade.
ALEXANDRE ABREU
10.06.2015 7h00
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