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O recorde de usuários online foi de 864 em Sex Fev 03, 2017 11:03 pm
O reino de fantasia das regras da zona euro
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O reino de fantasia das regras da zona euro
Sempre que se está numa sala com funcionários europeus e se discute o euro há geralmente alguém que levanta o dedo e diz: "Isto está tudo muito certo, mas é "contra as regras"." O silêncio instala-se.
"Contra as regras" é uma coisa muito importante na Europa. A maioria das pessoas não sabe exatamente quais são as regras. Mas sabe que as regras devem ser cumpridas.
A situação faz-me lembrar um conto de Franz Kafka, Diante da Lei, em que um homem tenta entrar num tribunal. Um porteiro diz-lhe que em princípio é possível, mas não naquele momento.
O homem passa toda a sua vida à frente do tribunal à espera de ser admitido. No final da vida é-lhe dito que poderia ter passado pela porta a qualquer momento. Aquele homem seguiu o conjunto de regras errado - as regras da mente, não da lei.
No debate europeu sobre a moeda única estamos a lidar com as regras da mente. Muitas destas regras ou não existem ou constituem uma interpretação bastante rebuscada das regras existentes.
Durante a recente crise grega deparei-me com uma regra completamente nova. Ouvi-a pela primeira vez da boca de Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças alemão. Ela diz que os países não estão autorizados a entrar em default dentro da zona euro. Mas, por outro lado, um default era perfeitamente aceitável se saíssem do euro.
Mais tarde li que Otmar Issing, antigo economista-chefe do Banco Central Europeu, usou quase exatamente a mesma frase do Sr. Schäuble numa entrevista a um jornal italiano. Se tantas pessoas importantes o dizem, então deve ser certamente verdade, não deve?
Na verdade, acontece que tal regra não existe. Existe apenas o artigo 125.° do Tratado Europeu sobre o funcionamento da União Europeia. O artigo 125.° diz que os países não devem assumir a dívida de outros países. Esta é também conhecida como a cláusula de "não resgate" - apesar de esta, como se vê, ser uma interpretação bastante forçada.
No seu acórdão de princípio relativo ao caso Pringle - um caso irlandês de 2012 - o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) afirmou que os resgates são aceitáveis, mesmo nos termos do artigo 125.°, desde que o objetivo do resgate seja tornar sustentável a longo prazo a posição orçamental do país beneficiário.
Noutra decisão histórica, de junho deste ano, o TJUE apoiou a promessa de Mario Draghi de fazer tudo o que for preciso para ajudar um país sujeito a um ataque especulativo.
A promessa do presidente do BCE já tinha sido contestada pelo Tribunal Constitucional alemão. Em ambos os casos, o TJUE não apoiou a interpretação jurídica alemã predominante.
O que podemos então inferir a partir dos anteriores acórdãos do TJUE, na ausência de uma decisão explícita do tribunal sobre o alívio da dívida?
Um interessante artigo de três autores do grupo de reflexão europeu Bruegel conclui que o alívio da dívida está quase certamente de acordo com a lei vigente.
O argumento é o seguinte: no caso Pringle, o tribunal deu, em princípio, o sinal verde para resgates desde que estes sejam destinados a estabilizar as finanças públicas. Na decisão sobre o respaldo do BCE, o tribunal aceitou o princípio de que o BCE poderia incorrer numa perda nas suas compras de ativos, desde que o banco seguisse as suas próprias diretivas.
Se juntarmos as duas temos o alívio da dívida. Não tenho a certeza se o TJUE seguiria exatamente este argumento se isto alguma vez chegasse a tribunal. O tribunal iria provavelmente impor algumas restrições. Mas eu ficaria surpreendido se o TJUE fosse agora seguir a interpretação alemã quando anteriormente a rejeitou.
Porque é que a Alemanha e o TJUE discordam tanto? A razão evidente é que a legislação europeia sobre a união monetária é internamente inconsistente, e, assim, aberta a interpretações diferentes. Ela não permite nem a saída, nem o default, nem o resgate e não tem, portanto, nenhum procedimento claro no caso de uma crise financeira.
O ponto de vista alemão é que a cláusula do "não resgate" é a mais forte de todas e, portanto, deve ter precedência.
Há quem discorde.
Além disso, os advogados constitucionais alemães não permitem a introdução de considerações económicas nos seus argumentos jurídicos, enquanto os juízes do TJUE o fazem. No fundo, a discordância não é sobre a lei, mas sobre política e economia. A nova regra do "não default" é uma aspiração política mascarada de restrição legal.
O que está realmente a acontecer é que a Alemanha não quer conceder o alívio da dívida à Grécia por razões políticas e está a usar o direito europeu como pretexto. Da mesma forma, quando o Sr. Schäuble propõe uma saída da Grécia da zona euro, devemos perguntar-nos qual é a regra a que isso obedece.
O facto é que eles estão a fazer as regras à medida que avançam para que elas sirvam os seus próprios fins políticos.
por WOLFGANG MÜNCHAU
Diário de Notícias
"Contra as regras" é uma coisa muito importante na Europa. A maioria das pessoas não sabe exatamente quais são as regras. Mas sabe que as regras devem ser cumpridas.
A situação faz-me lembrar um conto de Franz Kafka, Diante da Lei, em que um homem tenta entrar num tribunal. Um porteiro diz-lhe que em princípio é possível, mas não naquele momento.
O homem passa toda a sua vida à frente do tribunal à espera de ser admitido. No final da vida é-lhe dito que poderia ter passado pela porta a qualquer momento. Aquele homem seguiu o conjunto de regras errado - as regras da mente, não da lei.
No debate europeu sobre a moeda única estamos a lidar com as regras da mente. Muitas destas regras ou não existem ou constituem uma interpretação bastante rebuscada das regras existentes.
Durante a recente crise grega deparei-me com uma regra completamente nova. Ouvi-a pela primeira vez da boca de Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças alemão. Ela diz que os países não estão autorizados a entrar em default dentro da zona euro. Mas, por outro lado, um default era perfeitamente aceitável se saíssem do euro.
Mais tarde li que Otmar Issing, antigo economista-chefe do Banco Central Europeu, usou quase exatamente a mesma frase do Sr. Schäuble numa entrevista a um jornal italiano. Se tantas pessoas importantes o dizem, então deve ser certamente verdade, não deve?
Na verdade, acontece que tal regra não existe. Existe apenas o artigo 125.° do Tratado Europeu sobre o funcionamento da União Europeia. O artigo 125.° diz que os países não devem assumir a dívida de outros países. Esta é também conhecida como a cláusula de "não resgate" - apesar de esta, como se vê, ser uma interpretação bastante forçada.
No seu acórdão de princípio relativo ao caso Pringle - um caso irlandês de 2012 - o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) afirmou que os resgates são aceitáveis, mesmo nos termos do artigo 125.°, desde que o objetivo do resgate seja tornar sustentável a longo prazo a posição orçamental do país beneficiário.
Noutra decisão histórica, de junho deste ano, o TJUE apoiou a promessa de Mario Draghi de fazer tudo o que for preciso para ajudar um país sujeito a um ataque especulativo.
A promessa do presidente do BCE já tinha sido contestada pelo Tribunal Constitucional alemão. Em ambos os casos, o TJUE não apoiou a interpretação jurídica alemã predominante.
O que podemos então inferir a partir dos anteriores acórdãos do TJUE, na ausência de uma decisão explícita do tribunal sobre o alívio da dívida?
Um interessante artigo de três autores do grupo de reflexão europeu Bruegel conclui que o alívio da dívida está quase certamente de acordo com a lei vigente.
O argumento é o seguinte: no caso Pringle, o tribunal deu, em princípio, o sinal verde para resgates desde que estes sejam destinados a estabilizar as finanças públicas. Na decisão sobre o respaldo do BCE, o tribunal aceitou o princípio de que o BCE poderia incorrer numa perda nas suas compras de ativos, desde que o banco seguisse as suas próprias diretivas.
Se juntarmos as duas temos o alívio da dívida. Não tenho a certeza se o TJUE seguiria exatamente este argumento se isto alguma vez chegasse a tribunal. O tribunal iria provavelmente impor algumas restrições. Mas eu ficaria surpreendido se o TJUE fosse agora seguir a interpretação alemã quando anteriormente a rejeitou.
Porque é que a Alemanha e o TJUE discordam tanto? A razão evidente é que a legislação europeia sobre a união monetária é internamente inconsistente, e, assim, aberta a interpretações diferentes. Ela não permite nem a saída, nem o default, nem o resgate e não tem, portanto, nenhum procedimento claro no caso de uma crise financeira.
O ponto de vista alemão é que a cláusula do "não resgate" é a mais forte de todas e, portanto, deve ter precedência.
Há quem discorde.
Além disso, os advogados constitucionais alemães não permitem a introdução de considerações económicas nos seus argumentos jurídicos, enquanto os juízes do TJUE o fazem. No fundo, a discordância não é sobre a lei, mas sobre política e economia. A nova regra do "não default" é uma aspiração política mascarada de restrição legal.
O que está realmente a acontecer é que a Alemanha não quer conceder o alívio da dívida à Grécia por razões políticas e está a usar o direito europeu como pretexto. Da mesma forma, quando o Sr. Schäuble propõe uma saída da Grécia da zona euro, devemos perguntar-nos qual é a regra a que isso obedece.
O facto é que eles estão a fazer as regras à medida que avançam para que elas sirvam os seus próprios fins políticos.
por WOLFGANG MÜNCHAU
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