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O bicho-pessoa

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Mensagem por Admin Qui Jul 30, 2015 6:07 pm

O bicho-pessoa 477478

Nunca me considerei ‘uma pessoa de pessoas’. Vários anos a trabalhar no atendimento ao público, para poder pagar a faculdade, deixaram-me cansada do bicho-pessoa. 

Quem trabalha com o público sabe que as pessoas sãodifíceis de aturar e de satisfazer
É verdade que também me ajudaram a ser mais diplomática e a sorrir quando não haveria motivo para tal. 

Quem trabalha com o público sabe que as pessoas, em geral, são difíceis de aturar e de satisfazer. E depois de sairmos do trabalho, a única coisa que não nos apetece é ver e lidar com mais pessoas.

Mesmo uma livraria, que se supõe ser um lugar onde o ritmo é mais calmo e o frenesim consumista mais ponderado, pode atingir níveis de insanidade. Também ali confluem pessoas zangadas com a vida e outras menos educadas.

Embora na escola primária eu fosse muito conversadora - e eram frequentes os recadinhos da professora para casa -, durante muito tempo, depois daquele emprego, andei meia desligada das gentes e pouco predisposta para me prestar a simpatias para com estranhos.

Mas dois anos e um par de meses a viver no Alentejo talvez tenham mudado isso. Se no Inverno o Alentejo pode ser triste e solitário, no Verão é totalmente diferente. Não sei se é por causa dos estrangeiros ou por haver muita gente em férias, ou pelo ambiente. Mas o facto é que o Alentejo é diferente no Verão. Até eu me sinto diferente.

Ao mesmo tempo, em dois anos outras relações se alteraram - em particular a relação que temos com o telemóvel. Já não conversamos. Agora mostramos o vídeo ou a imagem no iphone, no ipad ou no iqualquercoisa, e depois partilhamos o que comemos, onde estivemos e até com quem estivemos nessa vida paralela e imensamente feliz que é o Facebook. No meio de tanta informação, sobra pouco tempo para partilharmos a nossa vida real com as pessoas. 

Dos muitos turistas que por aqui passam, aqueles que vamos encontrando referem o ambiente tranquilo e longe da infestação de turismo de que padece o Algarve e a costa alentejana mais a Sul. E suponho que é este ambiente sereno que favorece a conversa e a partilha de estórias. É uma espécie de live facebook show. 

De todas as pessoas que encontrei, espero nunca me esquecer da Anne-Marie e do Karl, canadianos a viver no Gana, que de volta a casa resolveram passar por Portugal para descansar.

Da Deidre e do Yahav, de Amesterdão e de Israel. Nós explicámos-lhes como se consegue viver com um orçamento impossível para os padrões holandeses e não deixar para trás as coisas de que se gosta. A Deirdre avisou-me que, se fôssemos fazer a tal road-trip por Marrocos, era melhor não viajar durante a noite. O Yahav contou-me como é a vida num kibutz, como foi servir no exército israelita e como, por vezes, uma só pessoa consegue sentir todo o peso da história do seu povo. 

Espero ainda não me esquecer do George e da Irinia, romenos a viver em Amesterdão e que esperamos rever aí um dia. Do gentil Aron, que dedicou a vida a viajar e partilhou comigo a sua experiência nas ilhas Quirimba em Moçambique.

Quem precisa de Facebook quando pode encontrar metade do mundo no Alentejo? Portanto, quando aqui vierem, façam o favor de largar o telemóvel e conversarem com as pessoas.

Ana Rosado | 30/07/2015 15:59
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