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V.Caldeirinha e a gestão comum nos portos principais: "É preferível a coordenação regional institucionalizada"
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V.Caldeirinha e a gestão comum nos portos principais: "É preferível a coordenação regional institucionalizada"
Num sistema portuário composto por portos considerados 'grandes' - Leixões, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Sines - e portos 'pequenos, o novo paradigma de gestão portuária em Portugal passa por gestões comuns entre Portos vizinhos (uns mais que outros), de dimensões e características distintas. Reduzir custos, fazer o mesmo com menos e potenciar sinergias têm sido motivos apontados como justificação deste modelo.
A CARGO falou com Vítor Caldeirinha, presidente da Associação dos Portos de Portugal (APP) e da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, que para além dos cargos que ocupa é também um reconhecido especialista em gestão portuário no nosso País. Em entrevista, o especialista falou deste novo paradigma, abrindo também o livro no que diz respeito a eventuais 'fusões' de gestão entre Portos considerados grandes.
CARGO: Os portos portugueses devem ser concorrentes ou complementares?
Vou falar em nome pessoal e não das instituições que represento. Acho que “Coopetition” é a palavra de ordem entre portos e as Autoridades Portuárias na Europa e no mundo. Todos sabem que defendo há muito uma holding nacional para os portos. Deve haver uma lógica nacional e um plano estratégico. Devem existir serviços comuns e ações de marketing internacional comuns.
Sem holding, ou outro organismo, a coordenar as estratégias e acções e as compras conjuntas possíveis, é muito difícil e depende-se do interesse e da boa vontade de cada AP, que podem naturalmente ser influenciadas por agendas locais. Bem sei que o Governo e o IMT tudo têm feito para coordenar a estratégia nacional. E o Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas (PETI) deste Governo é um caso de grande sucesso sem precedentes.
A APP tem procurado fazer o seu melhor com apenas um técnico administrativo. Fez muito para os meios e apoios que teve. Mas considero que não chega. São necessárias mais acções conjuntas e concertadas, bem como aprofundar as existentes.O sector precisava de uma atenção maior a nível central, de técnicos a trabalhar as questões comuns dos portos.
A solução espanhola de compromisso dos Puertos del Estado poderia ser uma solução. Está entre a holding, pouco querida por alguns, e o que existe em Portugal. Poderíamos ter diversos técnicos das AP's recolocados, que a nível central pudessem pensar o setor, a legislação, as compras conjuntas, os SI, o marketing internacional. Pode ser na APP ou noutro organismo como o IMT ou a AMT. A Haropa é outro exemplo, como empresa resultante da associação de portos.
A Puertos del Estado aprova os planos estratégicos, os planos anuais e relatórios e contas dos portos, bem como os grandes investimentos, as taxas e a aplicação central de parte do dinheiro em ferrovias “last mile” e nos portos pequenos.
Mas uma coisa é certa, o modelo espanhol permite a concorrência comercial entre terminais, que é fundamental, e permite, o é também muito importante, haver um mínimo de concorrência comercial, operacional, de soluções logística e de planeamento entre os maiores portos, entre as próprias APs. É fundamental e está demonstrado o contributo para o desempenho a nível europeu e mundial. Daí o modelo de “coopetition” ser o mais adequado.
Como por exemplo as fábricas da VW, que obedecem a uma estratégia complementar no grupo, possuem serviços comuns, como é o caso da logística, vendas e outros, mas são localmente autónomas, competindo pelos custos, qualidade e indicadores de desempenho, autocandidatando-se no grupo, por concurso, a modelos de veículos novos, com estratégias locais próprias, encaixadas na estratégia do grupo. É concorrência e comando central em simultâneo. Deve haver uma cultura de concorrência e eficiência entre terminais e mesmo entre Autoridades Portuárias e não apenas de complementaridade que obedeça a lógicas apenas de despesa, pessoais, políticas ou regionais.
Então deve coexistir colaboração e concorrência?
Deve haver lugar a forte cooperação onde esta tem mais-valias para o País, mas deve haver uma lógica de forte concorrência entre terminais e portos autónomos onde esta é determinante da eficiência.
Ou seja, cada porto deve ter autonomia e estar próximo da sua área e encontrar as suas melhores soluções de desenvolvimento para o futuro do porto e as melhores soluções logísticas. Deve procurar fazer mais com menores custos e menor investimento. Os portos grandes são unidades como uma vida própria. Mas as APs devem colaborar mais no âmbito da APP (ou outro organismo que seja mais eficaz) nos sistemas de informação, compras comuns, marketing, PETI e até serviços partilhados e serem coordenados pelas autoridades centrais.
Sobre colaboração entre portos, sempre defendi a autonomia dos portos principais com a coordenação, em especial na APP, numa holding ou no IMT. É seguir os exemplos da Puertos del Estado. É óbvio que os pequenos portos já há muito que deviam ter sido agrupados com os grandes mais próximos. Setúbal já tinha o exemplo de Sesimbra. Só vejo vantagens e complementaridades, pois têm ofertas diversas não concorrentes e de dimensões completamente diferentes. E este governo fez o que já devia ter sido feito há muito. Outra coisa são portos de dimensão semelhante ou principais.
Deve existir a fusão ou coordenação de acções entre grandes portos próximos?
Quanto aos cinco grandes portos nacionais, depois da experiência que tive nos últimos anos, opto primeiro pela coordenação nacional centralizada e/ou pela colaboração nacional na APP ou noutro órgão, e só depois pela gestão coordenada regional.
Por muitas sinergias regionais que se possam imaginar, o que não deve haver são soluções mal pensadas que levem à subjugação total da estrutura de direcção e decisão, do planeamento e da oferta comercial atual e futura de um dos grandes portos ao interesse económico ou regional/local de outro ou particular da sua comunidade portuária, com interesses naturalmente antagónicos, concorrentes e muitas vezes predatórios, sem se cuidar de criar gradualmente fortes mecanismos equilibrados de autonomia versus coordenação, concorrência versus cooperação/complementaridade e de equilíbrio de poderes entre diferentes interesses dos diversos portos, comunidades portuárias e das diferentes regiões e atores públicos e privados.
Vale mais pensar bem e demorar do que correr e fazer mal. Há que ter muito cuidado com isto. Um porto não deve ser dominado e deixar-se que o seu futuro e potencial, importante para a região e o País, seja "asfixiado" (ou desconsiderado/diminuído) por outro com distinta comunidade portuária e interesses concorrentes, sem motivos de racionalidade económica, o que é normal ocorrer na natureza concorrencial dos mercados e das pessoas, se um passar a dominar o outro, mesmo que ao nível da gestão pública económica e administrativa.
É um risco para a economia, para a região e para as empresas exportadoras. É como a gestão das cidades. Pode e deve haver coordenação regional em certos temas, mas não pura subjugação. Deve haver autonomia municipal local e de soluções de desenvolvimento de proximidade.
Gestão coordenada regional sim. Com mecanismo de inter-relação institucionalizados, de decisão conjunta gradualmente mais integrada, mas sem afetar a autonomia para operar mais barato, para oferecer serviços melhores, para ser mais eficiente nos custos e investimentos e para ter projetos concorrentes melhores para o futuro.
Conhece exemplos na Europa de portos semelhantes com gestão conjunta que garantam equidade e equilíbrio de interesses?
Não existem muitos exemplos de gestão conjunta de portos de dimensão semelhante. Em Marselha-Fos foi a mesma comunidade portuária que resolveu mudar o negócio para outro porto (Fos) e juntou a gestão dos dois portos que passaram a ser complementares.
Em Paris, Le Havre e Rouen, existe uma coordenação de ações e meios com um propósito comum na Haropa, ainda que com autonomia de cada um na sua gestão e com a gestão de interesses e diferentes pesos de forma equilibrada.
Em Malmo e Copenhaga houve uma vontade dos dois e mecanismos que garantem o equilíbrio dos interesses de um e outro, sem asfixiar nenhum. Existe uma gestão partilhada e uma estratégia comum de complementariade bem aceite pelas duas comunidades portuárias e APs (e países) antes da fusão. Eram portos com especializações e planos de expansão completamente diferentes, não concorrentes. Não houve a subjugação de um a outro com vista à asfixia.
Michael Dooms tem realizado trabalhos na área da coordenação e modelos de governação de grandes projetos de investimento e gestão conjunta com equilíbrio entre os diferentes atores e os interesses naturalmente divergentes. Estes modelos de governação podem também ser aplicados à gestão geral das infraestruturas de transportes das regiões, sejam de cargas, sejam de passageiros.
São extensões modernas da teoria dos stakeholders, que permitem elaborar modelos de decisão partilhada e estratégias de inclusão de interesses diferentes nos processos de decisão, com equilíbrio de poderes. São processos graduais demorados e complexos, que implicam construção partilhada, a inovação na governação e que carecem de grande reflexão, análise e negociação para evitar consequências nefastas não desejáveis no somatório de partes diferentes, procurando estratégias “win-win”.
Como conclusão, é a favor ou contra fusões no seio dos cinco portos portugueses principais?
Penso que já respondi a essa questão de forma indireta nas questões anteriores. Sou favorável a uma entidade nacional que faça a coordenação de acções a nível nacional. A APP tem procurado fazer isso mesmo. Mas acho que tal deve ser reforçado numa entidade com maiores poderes estilo Puertos del Estado. Não sei se existe o enquadramento atualmente para isso.
Sou favorável a uma gestão coordenada a nível regional, que de forma gradual se vá intensificando ao longo dos anos e respeite a autonomia, o desenvolvimento e os interesses de cada porto e de cada comunidade portuária e região.
Acima de tudo, deve-se respeitar a concorrência comercial entre terminais e a concorrência da gestão operacional, de soluções logísticas e de planos de desenvolvimento e eficiência entre portos e APs. As modernas APs possuem papel determinante na competitividade logística e no desenvolvimento dos portos.
A junção simples, imediata de APs de portos principais e semelhantes com comunidades portuárias distintas e concorrentes não é aconselhável sem equilibrar poderes, garantir a autonomia, a eficiência local, as estruturas distintas e garantir a concorrência comercial e de estratégias e soluções logísticas. É preferível a coordenação regional institucionalizada no modelo de coopetition.
11.08.2015
CARGO Edições,Lda © 2015
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