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O recorde de usuários online foi de 864 em Sex Fev 03, 2017 11:03 pm
Uma nova abordagem para a dívida soberana da zona euro
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Uma nova abordagem para a dívida soberana da zona euro
A dívida pública da Grécia foi de novo colocada na agenda da Europa. Na verdade, esta foi talvez a principal conquista do governo grego durante o agonizante impasse de cinco meses com os seus credores. Depois de anos de "prolongar e fazer de conta", hoje quase toda a gente concorda que a reestruturação da dívida é essencial. Mais importante ainda, isso não é verdade apenas para a Grécia.
Em fevereiro apresentei no Eurogrupo (que reúne os ministros das Finanças dos Estados membros da zona euro) um menu de opções, incluindo títulos indexados ao PIB, o que Charles Goodhart recentemente apoiou no The Financial Times, títulos perpétuos para liquidar a dívida antiga nos livros do Banco Central Europeu e assim por diante.
Esperemos que o terreno esteja agora mais preparado para que tais propostas sejam consideradas, antes que a Grécia se afunde mais ainda nas areias movediças da insolvência.
Mas a pergunta mais interessante é o que tudo isto significa para a zona euro como um todo. Os alertas prescientes de Joseph Stiglitz, Jeffrey Sachs e muitos outros para uma abordagem diferente para a dívida soberana em geral precisam de sofrer modificações para se adequarem às características particulares da crise da zona euro.
A zona euro é única entre os espaços monetários: o seu banco central carece de um Estado para apoiar as suas decisões, enquanto os seus Estados membros carecem de um banco central para os apoiar em tempos difíceis. Os líderes europeus tentaram preencher esta lacuna institucional com regras complexas e sem credibilidade, que muitas vezes não conseguem compatibilizar-se e que, apesar desta falha, acabam por sufocar os Estados membros em dificuldades.
Uma dessas regras é o limite da dívida pública dos Estados membros estabelecido no Tratado de Maastricht em 60% do PIB. Outra é a cláusula de "não resgate" do tratado. A maioria dos Estados membros, incluindo a Alemanha, já violaram a primeira regra sub--repticiamente ou não, enquanto para vários outros a segunda regra tem sido obliterada por grandes pacotes de financiamento.
O problema é que a reestruturação da dívida na zona euro é essencial e, ao mesmo tempo, incompatível com a Constituição implícita subjacente à união monetária. Quando a economia embate contra as regras de uma instituição, os decisores políticos devem encontrar formas criativas para alterar as regras ou, caso contrário, assistirão ao colapso da sua criação.
Assim, fica aqui uma ideia (parte de A Modest Proposal for Resolving the Euro Crisis, com a coautoria de Stuart Holland e James K. Galbraith) destinada a recalibrar as regras, realçando o seu espírito e dirigindo-se ao problema económico subjacente.
Em resumo, o BCE poderia anunciar amanhã que, de agora em diante, irá realizar um programa de conversão de dívida para qualquer Estado membro que deseje participar. O BCE irá servir (em oposição a comprar) uma parte de todos os títulos do tesouro em vencimento, parte essa correspondente à percentagem da dívida pública do Estado membro permitida pelas regras de Maastricht. Assim, no caso dos Estados membros com rácios de dívida em relação ao PIB de, digamos, 120% e 90%, o BCE serviria respetivamente 50% e 66,7% de todos os títulos do tesouro em vencimento.
Para financiar esses resgates em nome de alguns Estados membros, o BCE emitiria títulos em nome próprio, garantidos unicamente pelo BCE, mas reembolsados na íntegra pelo Estado membro. Mediante a emissão de um tal título do BCE, este abriria simultaneamente uma conta de débito para o Estado membro em nome de quem tinha emitido o título.
O Estado membro seria então legalmente obrigado a fazer depósitos nessa conta para cobrir os cupões e o valor nominal dos títulos do BCE. Além disso, a responsabilidade do Estado membro para com o BCE desfrutaria do estatuto de super-senioridade e seria garantida pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade contra o risco de um incumprimento grave.
Um programa de conversão de dívida deste tipo traria cinco benefícios. Para começar, ao contrário do atual quantitative easing do BCE, não envolveria a monetização da dívida. Assim, não correria qualquer risco de inflacionar bolhas de preços de ativos.
Em segundo lugar, o programa iria causar uma grande queda nos pagamentos de juros agregados da zona euro. A parte da dívida soberana dos seus membros de acordo com as regras de Maastricht seria reestruturada com prazos mais longos (igual ao vencimento das obrigações do BCE) e com as taxas de juros ultrabaixas que só o BCE pode obter nos mercados de capitais internacionais.
Em terceiro lugar, as taxas de juro de longo prazo da Alemanha não seriam afetadas, porque a Alemanha não garantiria o regime de conversão de dívida nem patrocinaria as emissões de títulos do BCE.
Em quarto lugar, o espírito da regra de Maastricht sobre a dívida pública seria reforçado e o risco moral seria reduzido. Afinal de contas, o programa iria aumentar significativamente o spread da taxa de juro entre a dívida de acordo com as regras de Maastricht e a dívida que permaneceria nas mãos dos Estados membros (que anteriormente estes não estavam autorizados a acumular).
Por fim, os títulos indexados ao PIB e as outras ferramentas existentes para lidar de forma sensata com a dívida insustentável poderiam ser aplicadas exclusivamente à dívida dos Estados membros não abrangida pelo programa e em linha com as melhores práticas internacionais de gestão da dívida soberana.
A solução óbvia para a crise do euro seria uma solução federal. Mas a federação tem vindo a tornar-se cada vez menos provável devido a uma crise que, tragicamente, tem vindo a pôr os países uns contra os outros.
Na verdade, qualquer união política que o Eurogrupo pudesse vir a endossar hoje seria disciplinadora e ineficaz.
Entretanto é improvável que a reestruturação da dívida pela qual a zona euro - e não apenas a Grécia - está a implorar seja politicamente aceitável no clima atual.
Mas existem maneiras de reestruturar a dívida de forma sensata, sem qualquer custo para os contribuintes e de forma a aproximar os europeus uns dos outros. Uma delas é o programa de conversão de dívida aqui proposto. A sua adoção iria ajudar a curar as feridas da Europa e desbravar o terreno para o debate de que a União Europeia precisa sobre o tipo de união política que os europeus merecem.
por YANIS VAROUFAKIS
Diário de Notícias
Em fevereiro apresentei no Eurogrupo (que reúne os ministros das Finanças dos Estados membros da zona euro) um menu de opções, incluindo títulos indexados ao PIB, o que Charles Goodhart recentemente apoiou no The Financial Times, títulos perpétuos para liquidar a dívida antiga nos livros do Banco Central Europeu e assim por diante.
Esperemos que o terreno esteja agora mais preparado para que tais propostas sejam consideradas, antes que a Grécia se afunde mais ainda nas areias movediças da insolvência.
Mas a pergunta mais interessante é o que tudo isto significa para a zona euro como um todo. Os alertas prescientes de Joseph Stiglitz, Jeffrey Sachs e muitos outros para uma abordagem diferente para a dívida soberana em geral precisam de sofrer modificações para se adequarem às características particulares da crise da zona euro.
A zona euro é única entre os espaços monetários: o seu banco central carece de um Estado para apoiar as suas decisões, enquanto os seus Estados membros carecem de um banco central para os apoiar em tempos difíceis. Os líderes europeus tentaram preencher esta lacuna institucional com regras complexas e sem credibilidade, que muitas vezes não conseguem compatibilizar-se e que, apesar desta falha, acabam por sufocar os Estados membros em dificuldades.
Uma dessas regras é o limite da dívida pública dos Estados membros estabelecido no Tratado de Maastricht em 60% do PIB. Outra é a cláusula de "não resgate" do tratado. A maioria dos Estados membros, incluindo a Alemanha, já violaram a primeira regra sub--repticiamente ou não, enquanto para vários outros a segunda regra tem sido obliterada por grandes pacotes de financiamento.
O problema é que a reestruturação da dívida na zona euro é essencial e, ao mesmo tempo, incompatível com a Constituição implícita subjacente à união monetária. Quando a economia embate contra as regras de uma instituição, os decisores políticos devem encontrar formas criativas para alterar as regras ou, caso contrário, assistirão ao colapso da sua criação.
Assim, fica aqui uma ideia (parte de A Modest Proposal for Resolving the Euro Crisis, com a coautoria de Stuart Holland e James K. Galbraith) destinada a recalibrar as regras, realçando o seu espírito e dirigindo-se ao problema económico subjacente.
Em resumo, o BCE poderia anunciar amanhã que, de agora em diante, irá realizar um programa de conversão de dívida para qualquer Estado membro que deseje participar. O BCE irá servir (em oposição a comprar) uma parte de todos os títulos do tesouro em vencimento, parte essa correspondente à percentagem da dívida pública do Estado membro permitida pelas regras de Maastricht. Assim, no caso dos Estados membros com rácios de dívida em relação ao PIB de, digamos, 120% e 90%, o BCE serviria respetivamente 50% e 66,7% de todos os títulos do tesouro em vencimento.
Para financiar esses resgates em nome de alguns Estados membros, o BCE emitiria títulos em nome próprio, garantidos unicamente pelo BCE, mas reembolsados na íntegra pelo Estado membro. Mediante a emissão de um tal título do BCE, este abriria simultaneamente uma conta de débito para o Estado membro em nome de quem tinha emitido o título.
O Estado membro seria então legalmente obrigado a fazer depósitos nessa conta para cobrir os cupões e o valor nominal dos títulos do BCE. Além disso, a responsabilidade do Estado membro para com o BCE desfrutaria do estatuto de super-senioridade e seria garantida pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade contra o risco de um incumprimento grave.
Um programa de conversão de dívida deste tipo traria cinco benefícios. Para começar, ao contrário do atual quantitative easing do BCE, não envolveria a monetização da dívida. Assim, não correria qualquer risco de inflacionar bolhas de preços de ativos.
Em segundo lugar, o programa iria causar uma grande queda nos pagamentos de juros agregados da zona euro. A parte da dívida soberana dos seus membros de acordo com as regras de Maastricht seria reestruturada com prazos mais longos (igual ao vencimento das obrigações do BCE) e com as taxas de juros ultrabaixas que só o BCE pode obter nos mercados de capitais internacionais.
Em terceiro lugar, as taxas de juro de longo prazo da Alemanha não seriam afetadas, porque a Alemanha não garantiria o regime de conversão de dívida nem patrocinaria as emissões de títulos do BCE.
Em quarto lugar, o espírito da regra de Maastricht sobre a dívida pública seria reforçado e o risco moral seria reduzido. Afinal de contas, o programa iria aumentar significativamente o spread da taxa de juro entre a dívida de acordo com as regras de Maastricht e a dívida que permaneceria nas mãos dos Estados membros (que anteriormente estes não estavam autorizados a acumular).
Por fim, os títulos indexados ao PIB e as outras ferramentas existentes para lidar de forma sensata com a dívida insustentável poderiam ser aplicadas exclusivamente à dívida dos Estados membros não abrangida pelo programa e em linha com as melhores práticas internacionais de gestão da dívida soberana.
A solução óbvia para a crise do euro seria uma solução federal. Mas a federação tem vindo a tornar-se cada vez menos provável devido a uma crise que, tragicamente, tem vindo a pôr os países uns contra os outros.
Na verdade, qualquer união política que o Eurogrupo pudesse vir a endossar hoje seria disciplinadora e ineficaz.
Entretanto é improvável que a reestruturação da dívida pela qual a zona euro - e não apenas a Grécia - está a implorar seja politicamente aceitável no clima atual.
Mas existem maneiras de reestruturar a dívida de forma sensata, sem qualquer custo para os contribuintes e de forma a aproximar os europeus uns dos outros. Uma delas é o programa de conversão de dívida aqui proposto. A sua adoção iria ajudar a curar as feridas da Europa e desbravar o terreno para o debate de que a União Europeia precisa sobre o tipo de união política que os europeus merecem.
por YANIS VAROUFAKIS
Diário de Notícias
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