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O ECONOMISTA À PAISANA - Emigração: os mitos, os números e aquilo que conta mesmo
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O ECONOMISTA À PAISANA - Emigração: os mitos, os números e aquilo que conta mesmo
A atual vaga de emigração é muito inferior à vaga pré-democracia: o INE estima que em 2014 houve 135 mil emigrantes (permanentes e temporárias), muito abaixo dos 300 mil emigrantes permanentes de 1970
Agosto é, por excelência, o mês do emigrante em Portugal. O país enche-se de línguas e de matrículas estrangeiras com corações portugueses, que voltam para “casa” matar saudades, passar férias, dar a conhecer o país aos membros mais jovens da família, ir tomar café com os primos. Por todo o país, nas ruas e nas feiras se encontram pessoas que muitas vezes ao longo do ano enviaram remessas para apoiarem os familiares e que neste período ajudam a dinamizar a economia local diretamente. É em espírito de celebração com estes nossos compatriotas que hoje dedicamos esta coluna à economia da emigração.
As numerosas vagas de emigrações levaram portugueses a todos os cantos do mundo, onde criaram comunidades integradas, mas sem perderem as raízes e as ligações ao seu país de origem. O resultado dessas vagas é que o número de emigrantes portugueses em todo o mundo é considerável, estimado pelas Nações Unidas e pelo Banco Mundial entre 1,9 e 2,3 milhões de pessoas em 2013, o que representa mais de 20% da população em Portugal. Entre os países Europeus, apenas Malta tem um stock de emigrantes mais elevado do que Portugal relativamente à sua população residente.
Mas os stocks são diferentes dos fluxos e, apesar do aumento da emigração desde 2009, os fluxos de emigração anual mantêm-se relativamente baixos face aos países Europeus, contrariando a perceção geral de que a emigração é muito elevada. Com efeito, em 2014, o número de emigrantes permanentes (que emigram mais de um ano), para os quais existe comparação internacional, diminuiu ligeiramente de 53 mil para 49 mil, representando apenas 0,5% da população total. Este valor coloca Portugal na metade inferior da tabela dos países da UE, em linha com a França e com o Reino Unido e abaixo da Holanda (0,7%), da Polónia (0,7%), da Espanha (1,1%) ou da Irlanda (1,8%).
O que explica a formidável presença dos Portugueses em todo o mundo é a vaga de saídas que ocorreu na década anterior ao 25 de abril. O Observatório das Emigrações (OEM), que usa informação dos países de destino dos emigrantes portugueses, estima que o número de saídas permanentes (legais e ilegais) tenha atingido 1,7 milhões entre 1964 e 1973. A atual vaga de emigração é muito inferior à vaga pré-democracia. O INE estima que, entre 2004 e 2013 e com base em um inquérito às famílias, tenham saído cerca de 190 mil portugueses, de forma permanente.
Se compararmos os anos de pico da emigração nas duas vagas, o INE estima que em 2014 emigraram 135 mil pessoas (de forma permanente ou temporária), muito abaixo dos 300 mil emigrantes permanentes estimados pela OEM em 1970.
Não só os números são muito diferentes, também as características dos emigrantes se alteraram significativamente. Segundo o OEM, a percentagem de emigrantes portugueses em países da OCDE com qualificações elevadas subiu de 6,8% para 11% do total de emigrantes portugueses, graças à emigração qualificada dos últimos anos.
Para além de encher as festas e animar o país durante estes dias, para além das remessas que envia ao longo do ano, a questão que nos ocupa hoje é qual o efeito da emigração para a economia portuguesa.
A globalização e a importância crescente dos países em desenvolvimento na economia mundial têm contribuído muito para mudar a forma como se analisa o impacto da emigração nos países de origem. Durante várias décadas a principal preocupação dos analistas foi o impacto negativo que a emigração tem sobre a população ativa no país de origem, em particular a emigração qualificada, por contribuir para a diminuição da força de trabalho tanto em quantidade como em qualidade.
No entanto, hoje em dia, a maioria da investigação nesta área demonstra que o impacto negativo é em grande parte contrabalançado pelos efeitos positivos inequívocos para os países de origem da emigração, em particular da emigração qualificada. Por exemplo, no que diz respeito às instituições, quando a emigração se faz para países desenvolvidos, contribui para aumentar o sentido crítico dos emigrantes, através das suas relações familiares e de amizade, relativamente a instituições que funcionam de forma ineficiente, incentivando assim a sua reforma. No caso da formação e qualificação, o exemplo dos familiares com sucesso académico e profissional no estrangeiro incentiva a maior qualificação das pessoas que ficam no país de origem. Finalmente, uma rede de emigrantes bem integrada no país de destino com ligações ao seu país natal, intensifica as relações comerciais bilaterais e o investimento direto estrangeiro no país de origem.
Estes efeitos positivos são intensificados no caso dos emigrantes que regressam ao país de origem. Os emigrantes temporários que tencionam emigrar menos do que um ano representam 65% da emigração de Portugal, segundo o INE. Uma parte significativa desses emigrantes sai com o objetivo de estudar no estrangeiro ou de procurar estágios internacionais. Muitos aproveitam oportunidades de trabalho temporário que aumentem o seu rendimento. Ao regressarem, trazem novas qualificações que melhoram a produtividade da economia como um todo e possivelmente mais poupanças, o que contribui para aumentar o investimento.
A taxa de retorno dos emigrantes permanentes é também relativamente elevada. Entre 2008 e 2013, por cada 100 Portugueses que saíram com a intenção de emigrar mais do que um ano, 56 portugueses residentes no estrangeiro regressaram com a intenção de ficar por mais de um ano, trazendo com eles novas experiências e formações.
A capacidade de atração de capital humano é um desafio importante para Portugal nos próximos anos, para termos saldos migratórios positivos que nos permitam combater o inverno demográfico que se avizinha. Mas isso não nos pode fazer esquecer a importância da valorização da nossa rede de emigrantes. Com a sua experiência, conhecimento e interesse pelo país podem ser um apoio fundamental na transformação de Portugal para um país mais competitivo, mais moderno, e mais aberto ao mundo.
Economista
Inês Domingos
19/8/2015, 0:08
OBSERVADOR
Agosto é, por excelência, o mês do emigrante em Portugal. O país enche-se de línguas e de matrículas estrangeiras com corações portugueses, que voltam para “casa” matar saudades, passar férias, dar a conhecer o país aos membros mais jovens da família, ir tomar café com os primos. Por todo o país, nas ruas e nas feiras se encontram pessoas que muitas vezes ao longo do ano enviaram remessas para apoiarem os familiares e que neste período ajudam a dinamizar a economia local diretamente. É em espírito de celebração com estes nossos compatriotas que hoje dedicamos esta coluna à economia da emigração.
As numerosas vagas de emigrações levaram portugueses a todos os cantos do mundo, onde criaram comunidades integradas, mas sem perderem as raízes e as ligações ao seu país de origem. O resultado dessas vagas é que o número de emigrantes portugueses em todo o mundo é considerável, estimado pelas Nações Unidas e pelo Banco Mundial entre 1,9 e 2,3 milhões de pessoas em 2013, o que representa mais de 20% da população em Portugal. Entre os países Europeus, apenas Malta tem um stock de emigrantes mais elevado do que Portugal relativamente à sua população residente.
Mas os stocks são diferentes dos fluxos e, apesar do aumento da emigração desde 2009, os fluxos de emigração anual mantêm-se relativamente baixos face aos países Europeus, contrariando a perceção geral de que a emigração é muito elevada. Com efeito, em 2014, o número de emigrantes permanentes (que emigram mais de um ano), para os quais existe comparação internacional, diminuiu ligeiramente de 53 mil para 49 mil, representando apenas 0,5% da população total. Este valor coloca Portugal na metade inferior da tabela dos países da UE, em linha com a França e com o Reino Unido e abaixo da Holanda (0,7%), da Polónia (0,7%), da Espanha (1,1%) ou da Irlanda (1,8%).
O que explica a formidável presença dos Portugueses em todo o mundo é a vaga de saídas que ocorreu na década anterior ao 25 de abril. O Observatório das Emigrações (OEM), que usa informação dos países de destino dos emigrantes portugueses, estima que o número de saídas permanentes (legais e ilegais) tenha atingido 1,7 milhões entre 1964 e 1973. A atual vaga de emigração é muito inferior à vaga pré-democracia. O INE estima que, entre 2004 e 2013 e com base em um inquérito às famílias, tenham saído cerca de 190 mil portugueses, de forma permanente.
Se compararmos os anos de pico da emigração nas duas vagas, o INE estima que em 2014 emigraram 135 mil pessoas (de forma permanente ou temporária), muito abaixo dos 300 mil emigrantes permanentes estimados pela OEM em 1970.
Não só os números são muito diferentes, também as características dos emigrantes se alteraram significativamente. Segundo o OEM, a percentagem de emigrantes portugueses em países da OCDE com qualificações elevadas subiu de 6,8% para 11% do total de emigrantes portugueses, graças à emigração qualificada dos últimos anos.
Para além de encher as festas e animar o país durante estes dias, para além das remessas que envia ao longo do ano, a questão que nos ocupa hoje é qual o efeito da emigração para a economia portuguesa.
A globalização e a importância crescente dos países em desenvolvimento na economia mundial têm contribuído muito para mudar a forma como se analisa o impacto da emigração nos países de origem. Durante várias décadas a principal preocupação dos analistas foi o impacto negativo que a emigração tem sobre a população ativa no país de origem, em particular a emigração qualificada, por contribuir para a diminuição da força de trabalho tanto em quantidade como em qualidade.
No entanto, hoje em dia, a maioria da investigação nesta área demonstra que o impacto negativo é em grande parte contrabalançado pelos efeitos positivos inequívocos para os países de origem da emigração, em particular da emigração qualificada. Por exemplo, no que diz respeito às instituições, quando a emigração se faz para países desenvolvidos, contribui para aumentar o sentido crítico dos emigrantes, através das suas relações familiares e de amizade, relativamente a instituições que funcionam de forma ineficiente, incentivando assim a sua reforma. No caso da formação e qualificação, o exemplo dos familiares com sucesso académico e profissional no estrangeiro incentiva a maior qualificação das pessoas que ficam no país de origem. Finalmente, uma rede de emigrantes bem integrada no país de destino com ligações ao seu país natal, intensifica as relações comerciais bilaterais e o investimento direto estrangeiro no país de origem.
Estes efeitos positivos são intensificados no caso dos emigrantes que regressam ao país de origem. Os emigrantes temporários que tencionam emigrar menos do que um ano representam 65% da emigração de Portugal, segundo o INE. Uma parte significativa desses emigrantes sai com o objetivo de estudar no estrangeiro ou de procurar estágios internacionais. Muitos aproveitam oportunidades de trabalho temporário que aumentem o seu rendimento. Ao regressarem, trazem novas qualificações que melhoram a produtividade da economia como um todo e possivelmente mais poupanças, o que contribui para aumentar o investimento.
A taxa de retorno dos emigrantes permanentes é também relativamente elevada. Entre 2008 e 2013, por cada 100 Portugueses que saíram com a intenção de emigrar mais do que um ano, 56 portugueses residentes no estrangeiro regressaram com a intenção de ficar por mais de um ano, trazendo com eles novas experiências e formações.
A capacidade de atração de capital humano é um desafio importante para Portugal nos próximos anos, para termos saldos migratórios positivos que nos permitam combater o inverno demográfico que se avizinha. Mas isso não nos pode fazer esquecer a importância da valorização da nossa rede de emigrantes. Com a sua experiência, conhecimento e interesse pelo país podem ser um apoio fundamental na transformação de Portugal para um país mais competitivo, mais moderno, e mais aberto ao mundo.
Economista
Inês Domingos
19/8/2015, 0:08
OBSERVADOR
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