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O mundo minado pela ideologia "Sines"
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O mundo minado pela ideologia "Sines"
Em Sines, entre a narrativa histórica e a actualidade política, Pedro Valdez Cardoso e Carlos No trabalham conceitos associados ao mar.
“Ignoto significa desconhecido.”, diz Pedro Valdez Cardoso. “Esta é uma das ideias associadas ao mar que nós quisemos explorar nesta exposição”.
Ignoto
Artista(s):Carlos No ,Pedro Valdez Cardoso
O escultor fala da mostra que inaugurou recentemente em Sines e que se apropriou da palavra erudita para título. Com Carlos No, também ele escultor, resolveram trabalhar declinações que se associam à vastidão dos significados da palavra mar. Significativamente, o facto de Valdez Cardoso ancorar toda a sua obra numa reflexão sobre as narrativas históricas; e de Carlos No metaforizar nas suas instalações uma crítica política constante acabou por possibilitar a conjunção feliz entre os trabalhos de cada um. Quer se trate dos que estão no Centro Cultural Emmerico Nunes (CCEN) ou dos que se podem ver nno Centro de Artes de Sines (CAS), a visita decorre com fluidez, respondendo cada espaço e cada obra às interpelações que as demais lhe colocam.
Os artistas, contudo, trabalharam isoladamente. Valdez Cardoso conta que quando receberam o convite para a exposição, rapidamente se puseram de acordo sobre o tema. A partir daí, as obras foram-se construindo nos ateliers de cada um, sem que houvesse, em toda a mostra, uma sequer que tenha sido feita em dupla. Sines, cidade onde nasceu Vasco da Gama, possui suficientes conotações para reforçar os sentidos que se destacam de toda a exposição. Carlos No participou aqui em tempos numa colectiva. E Valdez Cardoso teve há anos uma individual numa das salas da torre de menagem do castelo. Constava ela num conjunto de troféus realizados em materiais frágeis, o que destruía imediatamente o propósito comemorativo e a afirmação de uma supremacia bélica, cultural, civilizacional e rácica que semelhantes objectos sempre pretendem veicular. Agora, tal como sucedia antes, os materiais continuam a surpreender pelo desvio que introduzem não apenas em relação à matéria-prima escultórica consagrada pela história ocidental, mas também perante formas e objectos que, afinal, todos reconhecemos e identificamos. Tecidos, borrachas, espumas, gessos, todos trabalhados à mão, introduzem uma fragilidade nos objectos que contradiz a solidez que a arte supostamente possui.
Pedro Valdez Cardoso procura o exótico e o pitoresco no estrangeiro, numa atitude que, confirma e perpetua visões estereotipadas do mundo e que é ainda e sempre colonial
No caso de Carlos No, não existem sinais desse trabalho manual, artesanal, quase na fronteira entre arte e não-arte. Há sim, como sempre sucede no seu trabalho, a apropriação de objectos comuns que, perante justaposições e associações inusitadas, adquirem um significado evidente e, quase sempre, acusatório para a boa consciência ocidental. Carlos No procura também num território alheio ao da arte contemporânea – neste caso, o da mensagem publicitária ou propagandística – um ou mais processos de comunicar aquilo que pretende, sabendo, porque em tempos foi designer, que estas duas áreas da comunicação para as massas possuem como nenhumas outras as técnicas infalíveis para se revelarem eficazes. Através da metáfora e da metonímia, constrói uma série de objectos que procuram chocar o espectador, sem contudo abdicarem de referências eruditas e contemporâneas: uma peça no CAS, intitulada Excelsas nascentes (tradução muitissimo livre do nome da cidade onde Donald Judd nasceu), é composta por uma coluna de malas de cartão gastas replicando a forma das esculturas mais emblemáticas do artista minimalista. Contudo, os elementos que formam a peça, completamente destituídos de prestígio e valor, anulam a arrogância de um movimento que, como todo o modernismo, partilhou do objectivo de transformar autoritariamente a arte.
Carlos No estabelece pontes conceptuais entre este projecto e temas habituais na sua obra, como a viagem, a fronteira, o território, a margem e a exclusão. Olhando para as peças que aqui apresenta, vemos que todas elas estão subordinadas a uma visão crítica da exclusão social e política, que, segundo o artista, está presente no seu trabalho desde 2008, altura em que realizou a série “Europa”. E, de facto, há aqui obras que possuem uma ligação nítida a esta ideia. Como uma placa de fronteira onde, além da saudação de boas vindas, as estrelas foram substituídas por imagens de sapos, quase como as pequenas estatuetas que comerciantes colocam à porta para evitar que ciganos entrem nos seus estabelecimentos. Ou outras que convocam elementos concretos destinados a impedir a entrada num recinto, num território, num país: redes, arames de diferentes tipos, sinalética, e sobretudo uma extraordinária obra onde uma barcaça de pé contra uma parede, repleta de roupa em farrapos, é barrada por uma cancela de fronteira.
Quero sintetizar, depurar, limpar. A circunscrição do meu trabalho à temática das migrações dramáticas para a Europa, embora eu a desenvolva já há alguns anos, acabou por se conjugar com os episódios dramáticos das últimas semanas. E isto interessa-me porque é aqui, na Europa, que eu estou
Carlos No
Carlos No fala de um objectivo que relaciona com o trabalho de designer gráfico: o de criar peças que passem uma mensagem sem redundâncias nem ruídos desnecessários. “Quero sintetizar, depurar, limpar. A circunscrição do meu trabalho à temática das migrações dramáticas para a Europa, embora eu a desenvolva já há alguns anos, acabou por se conjugar com os episódios dramáticos das últimas semanas. E isto interessa-me porque é aqui, na Europa, que eu estou.” Já Pedro Valdez Cardoso aborda a outra metade da mesma realidade: a que procura o exótico e o pitoresco no estrangeiro, numa atitude que, confirma e perpetua visões estereotipadas do mundo e que é ainda e sempre colonial. Uma das obras que apresenta na exposição, Sem título (LIFE) 2015, mostra justamente um guarda-sol meio fechado, do qual saem objectos que se poderiam utilizar numa estância turística. O material em que a peça é feita, lona de riscas, remete-nos imediatamente para as barracas e toldos que decoram as praias durante as épocas balneares. “Quis pensar na ideia de resort, um pouco com base nas fotografias de Martin Parr sobre este tema, e a partir daí reflectir sobre a globalização”, afirma o artista.
Perto desta peça, que se encontra no CAS, há de resto duas obras de parede que reproduzem dois logótipos de duplo sentido – “holliday inn” e “the sun”, que poderemos aproximar desta intenção, que veremos certamente desenvolvida em ulteriores exposições.
Mas é na convocação da simbologia histórica relacionada com o poder que a obra de Valdez Cardoso revela, para já, toda a sua maturidade. De uma jangada em toile de jouy infantil, no CCEN, a uma instalação com representações de frutas tropicais caídas no chão, no CAS, ou às colagens de reproduções de pinturas famosas onde os rostos foram substituídos por máscaras africanas, ou ainda a Vénia, onde uma palmeira de plástico se verga sob a acção de um contra-peso de cimento, uma das peças mais fortes de toda a exposição e aquela que é a preferida do próprio artista, a narrativa que se dá a ler a partir da obra deste artista é a de um profundo desencanto com a revelação de uma tradição minada pela ideologia. Por isso, não é indiferente que “Ignoto” tenha lugar nesta cidade. Noutro lugar qualquer, o conceito da exposição alterar-se-ia profundamente. Que, apesar de todas as condicionantes de dois espaços pouco adaptados para a exposição da arte contemporânea, funciona exemplarmente.
LUÍSA SOARES DE OLIVEIRA
21/08/2015 - 00:16 (actualizado às 00:16)
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