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A negação perfeita
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A negação perfeita
Gostava de lhe contar que, depois dela, parou de viver verdadeiramente.
Estão a almoçar num restaurante e, num desses silêncios ocasionais que acontecem naturalmente, escutam um fragmento da conversa do casal na mesa ao lado. É algo inofensivo o que ouvem, mas tão disparatado que os faz rir.
Muito depois desse almoço ainda haverão de repetir o comentário que escutaram em jeito de piada particular que só eles entendem. Estes pequenos momentos dispersos da relação nunca serão esquecidos, serão recordados como partes de um todo de uma época feliz.
E estas serão as lembranças mais fortes, porque a memória tende a rejeitar o que é negativo e a eleger o que fica de positivo, enquanto dura a paixão. Mas quando o amor desmorona e ela já não o quer, nem as boas recordações sobrevivem na sua mente, pois renega-as de forma categórica, tal como rejeita o homem que antes amava incondicionalmente e agora não quer ver mais.
Nem sequer tolera a sua presença porque a desiludiu e, para ela, a decepção é o pior pecado que ele poderia ter cometido. Ao contrário, ele recorda com nostalgia os bons momentos que passaram juntos e sente-se injustiçado pela revolta dela. Porém, o que ele fez, ou, pior ainda, o que não fez como ela queria, é imperdoável.
Por isso, mandou-o embora, impiedosamente. Ela aceitava todos os seus defeitos como características engraçadas da sua idiossincrasia, esbatia-os no amor que lhe devotava. Permitia-lhe todos menos um: o direito de estragar o seu sonho.
Para isso não há perdão, portanto, não lhe dá uma segunda oportunidade. Prefere enfrentar a solidão durante o tempo que for necessário, com a perversa consolação de pensar que a ele lhe custa mais. Recusa, com a mesma paixão que amou, o homem que a cativou, inspirou, fê-la acreditar no futuro e, depois, ousou destruir o seu sonho de uma felicidade perene.
Ele ainda imagina como reconquistá-la, gostava de lhe contar que, depois dela, parou de viver verdadeiramente. Sabes, dir-lhe-ia, o tempo tem decorrido como se todos os dias fossem um só dia e, assim, se voltares para mim, só terei perdido esse dia sem ti.
Enquanto ele carrega as boas recordações como uma moinha de dor, ela preserva a memória da frustração para nunca se esquecer de o manter à distância e não cair na tentação do passado, porque o amou tanto que só pode rejeitá-lo com idêntico fervor vingativo. Se um sorriso ocasional a apanha desprevenida ao lembrar-se dele, afasta-o logo do pensamento. Ela é que controla a sua vontade e ela é dona da negação perfeita. Ponto final.
23.08.2015 00:30
TIAGO REBELO
Escritor
Correio da Manhã
Estão a almoçar num restaurante e, num desses silêncios ocasionais que acontecem naturalmente, escutam um fragmento da conversa do casal na mesa ao lado. É algo inofensivo o que ouvem, mas tão disparatado que os faz rir.
Muito depois desse almoço ainda haverão de repetir o comentário que escutaram em jeito de piada particular que só eles entendem. Estes pequenos momentos dispersos da relação nunca serão esquecidos, serão recordados como partes de um todo de uma época feliz.
E estas serão as lembranças mais fortes, porque a memória tende a rejeitar o que é negativo e a eleger o que fica de positivo, enquanto dura a paixão. Mas quando o amor desmorona e ela já não o quer, nem as boas recordações sobrevivem na sua mente, pois renega-as de forma categórica, tal como rejeita o homem que antes amava incondicionalmente e agora não quer ver mais.
Nem sequer tolera a sua presença porque a desiludiu e, para ela, a decepção é o pior pecado que ele poderia ter cometido. Ao contrário, ele recorda com nostalgia os bons momentos que passaram juntos e sente-se injustiçado pela revolta dela. Porém, o que ele fez, ou, pior ainda, o que não fez como ela queria, é imperdoável.
Por isso, mandou-o embora, impiedosamente. Ela aceitava todos os seus defeitos como características engraçadas da sua idiossincrasia, esbatia-os no amor que lhe devotava. Permitia-lhe todos menos um: o direito de estragar o seu sonho.
Para isso não há perdão, portanto, não lhe dá uma segunda oportunidade. Prefere enfrentar a solidão durante o tempo que for necessário, com a perversa consolação de pensar que a ele lhe custa mais. Recusa, com a mesma paixão que amou, o homem que a cativou, inspirou, fê-la acreditar no futuro e, depois, ousou destruir o seu sonho de uma felicidade perene.
Ele ainda imagina como reconquistá-la, gostava de lhe contar que, depois dela, parou de viver verdadeiramente. Sabes, dir-lhe-ia, o tempo tem decorrido como se todos os dias fossem um só dia e, assim, se voltares para mim, só terei perdido esse dia sem ti.
Enquanto ele carrega as boas recordações como uma moinha de dor, ela preserva a memória da frustração para nunca se esquecer de o manter à distância e não cair na tentação do passado, porque o amou tanto que só pode rejeitá-lo com idêntico fervor vingativo. Se um sorriso ocasional a apanha desprevenida ao lembrar-se dele, afasta-o logo do pensamento. Ela é que controla a sua vontade e ela é dona da negação perfeita. Ponto final.
23.08.2015 00:30
TIAGO REBELO
Escritor
Correio da Manhã
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