Sono

Quando o rapazote me questionou pelo motivo das hemorragias noticiosas sobre a crise dos migrantes, expliquei-lhe o que sabia, em cinco minutos e naquele jeito rápido de quem não avalia bem a importância da questão. Dei meia volta, recuei, atirei com mais duas ou três ideias e passei--lhe para as mãos uma revista: "Está quase tudo aí. Só tens mesmo de ler". Passou-se no início da semana e, dois dias depois, o fim dramático de um menino, de todos, de tanto, estava plasmado em tudo quanto é plataforma, em quadrado de fotografia. Que o cidadão comum acorde para o problema deste novo êxodo apenas quando leva com tamanha violência, eu percebo, e até entendo a forma insistente como a replica, numa quase catarse, mesmo correndo o risco de o transformar no "menino da lágrima" dos nossos dias. O que não tolero é que um governante ou político, como o primeiro-ministro francês, suje a língua de sangue ao atrever-se a dizer algo do género: "Perante esta imagem [...]". Vale sempre a pena acordar, mesmo que seja tarde, mas aos políticos, até àqueles que são apanhados a dormir ou a jogar Tetris em atos oficiais, exige-se que estejam permanentemente acordados para problemas tão profundos e globais como este. A alternativa é acordarmos nós e pô-los a dormir de vez, quando chegar a oportunidade: nas eleições.

05.09.2015
VÍTOR SANTOS
Jornal de Notícias