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Inimigo
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Inimigo
Insisto no dinheiro. O dinheiro está sempre lá, e sem perceber o dinheiro é impossível perceber este tempo.Por mim, não me esqueço da lição que recebi há uns anos, ainda era repórter. Fui entrevistar antigos vencedores do Totoloto, tentando perceber no que tinham resultado as suas vidas, e na maior parte dos casos as histórias eram tão tristes como eu esperava.
Num bairro do Porto, um senhor tinha ganho 50 mil contos. O dinheiro desaparecera, os filhos haviam-se zangado e agora ele agonizava frente a um televisor aos berros, choroso e silente, como se tivesse tido um AVC.
Em Chelas, Lisboa, quatro trolhas haviam recebido um jackpot de 700 mil e pedido de imediato a demissão. Até entrevistas aos jornais tinham dado. Agora, estavam de volta às obras, azedados pelo modo como a vida com que sonhavam se tinha evaporado.
Mas, numa aldeia das Caldas da Rainha, havia um caso inspirador. Um senhor tinha ganho apenas 14 mil contos, e esse dinheiro mudara a sua vida. Ao longo dos anos, fizera pequenas obras, trocara o carro velho por um carro menos velho e pusera dois filhos na faculdade.
Ainda tinha dinheiro e, entretanto, esperava o primeiro neto.
- Portanto - perguntei eu ao yuppie em atarantado gozo de férias - quem é mais rico? Quem ganha mil euros por mês, mas só precisa de 900, ou quem ganha dez mil e precisa de onze?
O homem meneou a cabeça, porque era de facto sensível ao argumento financeiro.
- Quanto a isso, tem razão... O mais rico é o primeiro.
E é. Porque tem a sorte - está bem, a sorte - de conseguir manter as necessidades abaixo das tentações do dinheiro.
E porque sabe o que custa o dinheiro e os cuidados que é preciso ter com o seu imenso poder.
Porque, no fundo, respeita o dinheiro como o inimigo que se deve conservar tão perto como mais ninguém.
por JOEL NETO
Diário de Notícias
Num bairro do Porto, um senhor tinha ganho 50 mil contos. O dinheiro desaparecera, os filhos haviam-se zangado e agora ele agonizava frente a um televisor aos berros, choroso e silente, como se tivesse tido um AVC.
Em Chelas, Lisboa, quatro trolhas haviam recebido um jackpot de 700 mil e pedido de imediato a demissão. Até entrevistas aos jornais tinham dado. Agora, estavam de volta às obras, azedados pelo modo como a vida com que sonhavam se tinha evaporado.
Mas, numa aldeia das Caldas da Rainha, havia um caso inspirador. Um senhor tinha ganho apenas 14 mil contos, e esse dinheiro mudara a sua vida. Ao longo dos anos, fizera pequenas obras, trocara o carro velho por um carro menos velho e pusera dois filhos na faculdade.
Ainda tinha dinheiro e, entretanto, esperava o primeiro neto.
- Portanto - perguntei eu ao yuppie em atarantado gozo de férias - quem é mais rico? Quem ganha mil euros por mês, mas só precisa de 900, ou quem ganha dez mil e precisa de onze?
O homem meneou a cabeça, porque era de facto sensível ao argumento financeiro.
- Quanto a isso, tem razão... O mais rico é o primeiro.
E é. Porque tem a sorte - está bem, a sorte - de conseguir manter as necessidades abaixo das tentações do dinheiro.
E porque sabe o que custa o dinheiro e os cuidados que é preciso ter com o seu imenso poder.
Porque, no fundo, respeita o dinheiro como o inimigo que se deve conservar tão perto como mais ninguém.
por JOEL NETO
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