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Para onde vai a esquerda?
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Para onde vai a esquerda?
Cresci numa família de classe média baixa. O meu pai trabalhou até à reforma na empresa pública de caminhos-de-ferro espanhola. Mas, como era habitual na época entre as pessoas espertas e empenhadas, conciliou o seu trabalho com outros empregos nas horas livres. Montou inclusivamente uma empresa que nos permitiu seguir os estudos universitários e levar uma vida confortável até que, como tantas, faliu. Sempre o vi atarefado em demasia. De toda esta história familiar aprendi algumas coisas: que os grandes homens são-no porque trabalham mais do que os restantes. Que os empresários não só arriscam o seu dinheiro e o seu património em prol de um sonho, como têm, também, menos tempo livre do que os empregados e muito mais preocupações. Também que os pobres não têm uma maior honorabilidade do que os ricos, nem são moralmente superiores e que a educação é a chave para atenuar a mesquinhez que persegue implacavelmente quem a não tem.
Aprendi algumas coisas sobre usos e costumes, com algumas consequências. Por exemplo, eu jamais votaria para chefe de governo num senhor que, passados os 60 anos, sai de casa de sapatilhas, calções e meias pretas. Parece que no Reino Unido sim. O senhor inglês de 66 anos chama-se Jeremy Corbyn e acaba de ser eleito como novo líder do Partido Trabalhista. O primeiro-ministro Cameron declarou que a eleição é uma ameaça para a segurança nacional, para a robustez económica do país e para o bem-estar de todas as famílias britânicas. O Financial Times classificou a escolha como uma catástrofe para o centro-esquerda, um desastre sem paliativos. Apesar de não ter estudado em Eton nem em Oxford, como a maior parte da classe política que tem dirigido o Reino Unido desde sempre, bastam-me os calções, as sapatilhas e as meias pretas para partilhar das opiniões acima. Gosto de pessoas bem arranjadas, que cuidam da sua imagem. Isso significa que têm respeito por elas próprias e pelos outros. Mas, sobretudo, gosto de pessoas que têm ideias decentes.
Corbyn não as tem. É um marxista partidário da luta de classes que quer expulsar as empresas privadas dos serviços públicos, nacionalizar outra série de companhias, estabelecer um salário máximo, aumentar os impostos aos ricos e, inclusivamente, reabrir as minas de carvão. É partidário de que o Banco de Inglaterra imprima o dinheiro que for necessário para impulsionar um grande programa de infraestruturas, assim como para favorecer o consumo e ampliar o Estado de bem-estar onde os tories têm, acertadamente, vindo a fazer cortes nos últimos anos. Tudo isto poderia parecer uma brincadeira num país em que os conservadores acabam de ganhar as eleições com maioria absoluta, mas não o é. E é especialmente inquietante que aqueles que levaram Corbyn à liderança trabalhista tenham sido os jovens simpatizantes, que pagaram quatro euros para terem direito à votação.
Falo com um amigo íntimo que é inglês e pergunto-lhe: mas o que fez o Reino Unido para ter educado tão mal os jovens? A sua opinião é mais fleumática: esses jovens são as pessoas que ganham salários precários, que não podem comprar uma casa, que não podem independentizar-se, que vivem mal. De acordo, muito bem. E será Corbyn a pessoa ideal para os tirar das dificuldades e devolver-lhes a esperança? É claro que o velho trabalhista maneja com desenvoltura o novo fetiche da esquerda: "A política económica criou uns níveis grotescos de pobreza e de desigualdade. As pessoas mais vulneráveis estão a sofrer um fardo terrível com a austeridade, etc." Estas afirmações são a sua carta de apresentação. Mas nada disto é assim tão certo nem no Reino Unido, cuja economia cresce acima da média europeia desde há bastante tempo, nem em Espanha, onde Pablo Iglesias, o líder do partido populista Podemos, correu a apoiar Corbyn como exemplo da nova esquerda.
A revista que dirijo, a Actualidad Económica, dedica o seu último número a abordar a questão da desigualdade, chegando a resultados surpreendentes. O primeiro é que, em termos mundiais, esta diminuiu porque o rendimento dos segmentos da população situados nos níveis intermédios cresceu acima do das classes mais ricas. Refiro-me a 200 milhões de chineses, 90 milhões de indianos ou 120 milhões de brasileiros, indonésios, mexicanos ou egípcios.
Mas a melhor notícia é que os mais desfavorecidos registaram avanços significativos, que permitiram que a taxa de pobreza severa, ou seja, as pessoas que vivem com menos de 1,25 dólares por dia, tenha passado de 44% para 23%. Se o mundo vai claramente para melhor, porque é que a esquerda europeia, tão próxima que está sempre dos pobres, não o celebra? Porque mantém a tese de que tudo vai mal?
Poderíamos dizer que há uma razão objetiva. O Terceiro Mundo ficou com as tarefas de mão-de-obra intensiva e isto condenou ao desemprego ou ao emprego precário milhares de trabalhadores pouco qualificados na Europa e nos Estados Unidos. Por outro lado, a explosão das tecnologias da informação e das redes sociais exige empregados cada vez mais sofisticados que a sociedade ainda não produz ao ritmo adequado, o que eleva a remuneração destes trabalhadores de colarinho branco. A combinação de uma globalização que deprime os salários mais baixos e uma revolução informática que eleva os mais altos abriu esta brecha que a nova esquerda considera excessiva e intolerável. Mas como vamos parar a globalização, que tanto está a fazer pelas classes mais desfavorecidas do planeta, ou travar a inovação tecnológica, que é o motor do progresso da humanidade desde tempos remotos?
Ao contrário do que pensam Corbyn ou Pablo Iglesias em Espanha, a justiça social não consiste em igualar à martelada o rendimento dos indivíduos subindo brutalmente os impostos aos que ganham mais, cortando as asas aos melhores e aprofundando a redistribuição dos recursos através da despesa pública. Nenhuma decisão económica é gratuita. As que esta velha esquerda apresenta, já suficientemente experimentadas, teriam uma repercussão negativa direta no investimento e na criação de emprego, que é o caminho mais direto para reduzir a desigualdade.
Corbyn e Iglesias encarnam a indignação e o protesto nos países desenvolvidos. Mas qual deveria ser a resposta cabal dessa esquerda que brada sempre pelos pobres? Olhar para o que é melhor para o planeta e dizer aos compatriotas indignados: nós já somos ricos, deixai que os demais prosperem? Ou, pelo contrário, temos de priorizar a redistribuição nos nossos países? Mas isto equivaleria a condená-los à mediocridade a médio prazo.
por MIGUEL ANGEL BELLOSO
Diário de Notícias
Aprendi algumas coisas sobre usos e costumes, com algumas consequências. Por exemplo, eu jamais votaria para chefe de governo num senhor que, passados os 60 anos, sai de casa de sapatilhas, calções e meias pretas. Parece que no Reino Unido sim. O senhor inglês de 66 anos chama-se Jeremy Corbyn e acaba de ser eleito como novo líder do Partido Trabalhista. O primeiro-ministro Cameron declarou que a eleição é uma ameaça para a segurança nacional, para a robustez económica do país e para o bem-estar de todas as famílias britânicas. O Financial Times classificou a escolha como uma catástrofe para o centro-esquerda, um desastre sem paliativos. Apesar de não ter estudado em Eton nem em Oxford, como a maior parte da classe política que tem dirigido o Reino Unido desde sempre, bastam-me os calções, as sapatilhas e as meias pretas para partilhar das opiniões acima. Gosto de pessoas bem arranjadas, que cuidam da sua imagem. Isso significa que têm respeito por elas próprias e pelos outros. Mas, sobretudo, gosto de pessoas que têm ideias decentes.
Corbyn não as tem. É um marxista partidário da luta de classes que quer expulsar as empresas privadas dos serviços públicos, nacionalizar outra série de companhias, estabelecer um salário máximo, aumentar os impostos aos ricos e, inclusivamente, reabrir as minas de carvão. É partidário de que o Banco de Inglaterra imprima o dinheiro que for necessário para impulsionar um grande programa de infraestruturas, assim como para favorecer o consumo e ampliar o Estado de bem-estar onde os tories têm, acertadamente, vindo a fazer cortes nos últimos anos. Tudo isto poderia parecer uma brincadeira num país em que os conservadores acabam de ganhar as eleições com maioria absoluta, mas não o é. E é especialmente inquietante que aqueles que levaram Corbyn à liderança trabalhista tenham sido os jovens simpatizantes, que pagaram quatro euros para terem direito à votação.
Falo com um amigo íntimo que é inglês e pergunto-lhe: mas o que fez o Reino Unido para ter educado tão mal os jovens? A sua opinião é mais fleumática: esses jovens são as pessoas que ganham salários precários, que não podem comprar uma casa, que não podem independentizar-se, que vivem mal. De acordo, muito bem. E será Corbyn a pessoa ideal para os tirar das dificuldades e devolver-lhes a esperança? É claro que o velho trabalhista maneja com desenvoltura o novo fetiche da esquerda: "A política económica criou uns níveis grotescos de pobreza e de desigualdade. As pessoas mais vulneráveis estão a sofrer um fardo terrível com a austeridade, etc." Estas afirmações são a sua carta de apresentação. Mas nada disto é assim tão certo nem no Reino Unido, cuja economia cresce acima da média europeia desde há bastante tempo, nem em Espanha, onde Pablo Iglesias, o líder do partido populista Podemos, correu a apoiar Corbyn como exemplo da nova esquerda.
A revista que dirijo, a Actualidad Económica, dedica o seu último número a abordar a questão da desigualdade, chegando a resultados surpreendentes. O primeiro é que, em termos mundiais, esta diminuiu porque o rendimento dos segmentos da população situados nos níveis intermédios cresceu acima do das classes mais ricas. Refiro-me a 200 milhões de chineses, 90 milhões de indianos ou 120 milhões de brasileiros, indonésios, mexicanos ou egípcios.
Mas a melhor notícia é que os mais desfavorecidos registaram avanços significativos, que permitiram que a taxa de pobreza severa, ou seja, as pessoas que vivem com menos de 1,25 dólares por dia, tenha passado de 44% para 23%. Se o mundo vai claramente para melhor, porque é que a esquerda europeia, tão próxima que está sempre dos pobres, não o celebra? Porque mantém a tese de que tudo vai mal?
Poderíamos dizer que há uma razão objetiva. O Terceiro Mundo ficou com as tarefas de mão-de-obra intensiva e isto condenou ao desemprego ou ao emprego precário milhares de trabalhadores pouco qualificados na Europa e nos Estados Unidos. Por outro lado, a explosão das tecnologias da informação e das redes sociais exige empregados cada vez mais sofisticados que a sociedade ainda não produz ao ritmo adequado, o que eleva a remuneração destes trabalhadores de colarinho branco. A combinação de uma globalização que deprime os salários mais baixos e uma revolução informática que eleva os mais altos abriu esta brecha que a nova esquerda considera excessiva e intolerável. Mas como vamos parar a globalização, que tanto está a fazer pelas classes mais desfavorecidas do planeta, ou travar a inovação tecnológica, que é o motor do progresso da humanidade desde tempos remotos?
Ao contrário do que pensam Corbyn ou Pablo Iglesias em Espanha, a justiça social não consiste em igualar à martelada o rendimento dos indivíduos subindo brutalmente os impostos aos que ganham mais, cortando as asas aos melhores e aprofundando a redistribuição dos recursos através da despesa pública. Nenhuma decisão económica é gratuita. As que esta velha esquerda apresenta, já suficientemente experimentadas, teriam uma repercussão negativa direta no investimento e na criação de emprego, que é o caminho mais direto para reduzir a desigualdade.
Corbyn e Iglesias encarnam a indignação e o protesto nos países desenvolvidos. Mas qual deveria ser a resposta cabal dessa esquerda que brada sempre pelos pobres? Olhar para o que é melhor para o planeta e dizer aos compatriotas indignados: nós já somos ricos, deixai que os demais prosperem? Ou, pelo contrário, temos de priorizar a redistribuição nos nossos países? Mas isto equivaleria a condená-los à mediocridade a médio prazo.
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