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História antiga
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História antiga
Escreveu Oudinot que a solução estava na reflorestação das zonas altas
“As árvores e os arbustos têm a possibilidade de absorver com as suas folhas uma porção considerável de águas das chuvas e dividir o resto em gotas que se infiltram lentamente entre por entre a terra vegetal, entre as ervas, os musgos e as inumeráveis raízes que formam um denso tapete sobre a superfície do terreno. Esta camada esponjosa, depois de saturada de água deixa parte do resto penetrar insensivelmente a terra, enquanto outra dividida em porções infinitas, todas em velocidades muito desiguais, pelos obstáculos sempre repetidos que os arbustos e as plantas miúdas lhes apresentam, não podem reunir-se em massa. Porém, com a destruição das matas, cessou de haver interceção, divisão e demora das águas das chuvas, elas correm rapidamente sobre a superfície da terra, elas movem-se em torrentes, estas abrem barrancos tanto mais facilmente quanto o terreno tem mais declive e menos tenacidade”.
Fim de citação.
Se perguntarmos a qualquer madeirense quem escreveu este texto, a maioria diria que foi Raimundo Quintal. Presunção lógica, e ainda bem que assim é: todos rendemos homenagem ao empenhado defensor da Ecologia no nosso Arquipélago.
Mas o texto não é dele: é do Brigadeiro Oudinot, o construtor das muralhas de defesa nas ribeiras do Funchal, após o tristemente célebre aluvião de 1803. No prefácio do plano para a reparação dos danos dessa catástrofe, descrevia aquele ilustre militar um conjunto de ações necessárias. Parte desse texto foi transcrito na obra, considerada de referência, “Ensaios Históricos da Minha Terra – III Volume”, do Tenente-Coronel Alberto Artur Sarmento - outro militar que, pela análise das suas obras, não devia dar grande crédito à tese de “os militares para os quartéis” – como não acreditava, decerto, o Brigadeiro Oudinot. Se assim fosse, Oudinot teria ficado pela construção de fortes e trincheiras, e Alberto Artur Sarmento pela redação de Ordens de Serviço… Recordemos, de passagem, que no início do século XIX, apenas existiam engenheiros militares, uma vez que a Universidade não se dignava a lecionar dessas coisas.
Essas muralhas ainda hoje perduram, ao contrário de outras obras que, apesar dos avanços tecnológicos (ou por desconhecimento destes?) têm ido ribeira abaixo, ou mar abaixo, com uma repetição exasperante.
Na continuação do seu relatório, escreveu Oudinot que a solução estava na reflorestação das zonas altas da Madeira, invocando mesmo (vejam só!) o Regimento das Madeiras de 1562, de El-Rei D. Sebastião, além das diferentes normas municipais sobre a conservação do arvoredo e matas. Claro que as preocupações de D. Sebastião se prendiam mais com a necessidade de lenhas para os engenhos de açúcar, do que com a ecologia; mas o resultado era positivo, uma vez que concorria para a estabilização dos solos e a prevenção dos aluviões periódicos.
Entendeu a edilidade funchalense retribuir os estudos e trabalhos do Brigadeiro Oudinot dando o seu nome a uma rua da cidade, situada junto ao atual Mercado Municipal. Mas, força é dizê-lo, para glorificar tão grande obra, pequena foi a rua…
Dois séculos passados, o texto programático do Brigadeiro mantém a sua atualidade – e isso é que é grave. Porque tão lógicas e sensatas medidas há muito deviam ter sido tomadas, e de modo continuado.
Para quem passeia pelas nossas serras, como qualquer madeirense que se preza, não vê naqueles picos escalvados outra coisa que não seja uma muda, mas ensurdecedora, acusação à incúria dos homens. E as tímidas iniciativas de repovoamento florestal não parecem gozar, nem de decidido apoio público, nem da sociedade civil – essa força moral, muitas vezes invocada, quase outras tantas desprezada, mas capaz de fazer inverter a inércia dos poderes instituídos.
Decerto não se faz o repovoamento florestal apenas por decreto.
Decerto há que conquistar mentalidades, e para isso lá estão as escolas, as associações, as autarquias, os partidos políticos.
Mas há outro aspeto, que poucas vezes é referido: a biomassa será indubitavelmente uma das fontes de energia do futuro. Com a vantagem de ser renovável. Quem dispuser desse capital, estará bem colocado para gerir o seu destino. Mas, curiosamente, este assunto não parece interessar os atuais governantes, que até parecem desvalorizar os crimes dos incendiários. Por outras palavras, preparar o futuro não ganha votos hoje, pelo menos no nosso País.
A manter-se a tradição, num futuro talvez não muito distante, será de prever que possa vir a ser lançada uma daquelas típicas campanhas improvisadas e mal estudadas, do tipo produção de cereais no Alentejo, no tempo do Estado Novo, ou da reconversão de culturas tradicionais, sem ter em conta os impactos culturais e sociais do problema. É o que comummente se chama uma solução à antiga portuguesa: a quente, sem estratégia definida, sem trabalhos de suporte, portanto sem garantia de sucesso. Como o plantio de árvores no Verão, para mobilizar crianças de férias e cumprir calendário.
Só que a floresta não se improvisa, porque as árvores levam anos a desenvolver-se – indiferentes a programas políticos ou a disposições legais. Tal como o curso das ribeiras, o crescimento da floresta segue as regras da Natureza, e esta tem as suas leis e os seus caprichos.
Distantes vão os tempos de “domar a Natureza selvagem”; melhor é compreendê-la e tê-la como aliada.
Nuno Santa Clara
Diário de Notícias da Madeira
Domingo, 20 de Setembro de 2015
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