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Nas entrelinhas
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Nas entrelinhas
A um mês do importante Sínodo de Bispos, que terá como tema fundamental a família, o Papa anunciou a reforma sobre a anulação do casamento. Esta reforma consiste na redução dos custos dos procedimentos e maior rapidez no processo. Pouco mudam as causas que a justificam: a mentira, a infertilidade, as perturbações mentais e o abuso do outro, desde que existam antes da consagração do matrimónio. Não se trata de um eufemismo para ‘divórcio católico’, mas da continuidade dos princípios de inclusão e misericórdia essenciais no papado de Francisco. Há, no entanto, expressões na carta apostólica para o processo de anulação do casamento que parecem ambíguas, no sentido em que as causas legítimas raramente se manifestam no início do casamento, mas que são incluídas pelo Papa com sensatez. É o caso da violência doméstica. Sei que há uma discussão entre especialistas para se perceber se a reforma processual esconde uma atualização. Por mim, aceito.
Há expressões na carta apostólica para a anulação do casamento que parecem ambíguas, no sentido em que as causas legítimas raramente se manifestam no início do casamento
A trilogia As Mil e Uma Noites de Miguel Gomes pode ser vista sem obedecer à ordem. É possível ver o primeiro volume depois do terceiro, mas penso que há vantagens em assistir aos três filmes pela sua ordem tradicional. Uma delas é poder refletir sobre o todo. O primeiro volume é cáustico até aos jovens pirómanos, e é excelente o ‘Banho dos Magníficos’, final que introduz os efeitos dramáticos da crise, como o desemprego de longa duração. ‘As Lágrimas da Juíza’, história protagonizada pela actriz Luísa Cruz, já no segundo volume, O Desolado, é o ponto alto da trilogia. Uma série de situações que parecem absurdas, mas que revelam os dramas da crise, são reunidas num tribunal presidido por uma juíza que acaba por se revelar incapaz de decidir. Perante o impasse, a indecisão, a ideia insuportável para a justiça de que os crimes cometidos podem ter uma justificação, a história que se segue só pode ser irresolúvel e terrível. Estreia a 24 de Setembro.
Ai, David...
David Simon é um génio. Criou Departamento de Homicídios, The Wire, Treme e agora Show Me A Hero, que podemos ver no canal TVSéries. Digo que ‘podemos’, mas na verdade cada vez posso menos. Esta minissérie tem seis episódios e já vi dois, o que significa que já vi um terço. É com tristeza que digo que é muito maçadora. A luta de um jovem presidente da imaginária Câmara Municipal de Yonkers é até agora tão chata como a de qualquer presidente de câmara de qualquer outro sítio fictício ou real. Em Show Me a Hero, temos afro-americanos e corruptos como em The Wire, mas nem por sombras tão maus nem tão fascinantes. Tal como em Treme há cidadãos que se preocupam com os bairros onde vivem, mas não se comparam com os talentosos habitantes de Nova Orleães. Nem tem a música, claro. Adorava escrever na próxima semana que me enganei, mas creio que nem um furacão, uma invasão de assassinos ou irlandeses poderá salvar esta série camarária.
Aspectos positivos
Um artigo na New York Magazine dá conta de um estudo original e pouco científico sobre a resposta habitual à pergunta: ‘como foi o teu dia?’ A pergunta parece estar preparada para receber as respostas negativas do costume. Como pode ser o dia de qualquer pessoa que trabalha numa empresa, num escritório, num call center? Mau, como parece evidente. Durante três semanas, investigadores da Universidade da Flórida reuniram um grupo de enfermeiros com problemas difíceis de resolver no seu quotidiano e propuseram-lhes que escrevessem os aspetos positivos de cada dia. O previsível ‘ainda bem que é sexta-feira!’ lá apareceu, mas foi acompanhado de manifestações de orgulho por saber o que fazer para salvar a vida de uma pessoa. A experiência tinha como objetivo perceber se falar sobre os aspetos positivos tinha algum efeito nos níveis de stress. Passadas três semanas, havia menos stress neste grupo. Como dizia alguém, ‘pero que las hay, las hay’.
Coragem feminina
Em Paris, teve lugar uma conferência muçulmana que pretendia discutir ‘o papel da mulher no Islão’. O fundamentalista Abu Anas Nader, que defende a legalidade da violação no casamento, era um dos convidados. O evento foi interrompido por dois membros do grupo FEMEN, que em topless saltaram para o palco no momento em que se estaria a discutir se ‘o homem deve bater na mulher’. As versões sobre o momento são contraditórias e no Le Monde apareceu a história de que os imãs no palco estavam a dizer que o profeta Maomé não batia em mulheres e por isso qualquer bom muçulmano também não o deveria fazer. O que seria das pessoas sem os seus exemplos! Acontece que as duas raparigas foram arrastadas do palco com violência e ao pontapé. Seguiram-se ameaças de morte nas redes sociais e apelos à violação. Estranho que logo em França seja permitida uma conferência deste teor, que incita ao ódio e à violência. Vivam as FEMEN e a sua imensa coragem.
Carla Hilário Quevedo | 23/09/2015 15:46
SOL
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