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As boas intenções da União Europeia
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As boas intenções da União Europeia
A ditadura da televisão emotiva é uma forma de governo particularmente perigosa quando se trata de resolver problemas complexos
Esta perigosidade aumenta quando os problemas são antigos, ainda que tenham soluções diagnosticadas mas sujeitas a um processo decisório complexo.
A denominada crise dos refugiados na Europa confunde três problemas diferentes, há muito estudados pela Comissão Europeia (desde o mandato de António Vitorino) e para os quais a Comissão apresentou propostas legislativas sistematicamente recusadas, em nome da “soberania”, pelos Estados membros.
O primeiro problema é o da necessidade de reforçar o controlo da fronteira externa da União Europeia evitando que o espaço Schengen seja posto em crise por fronteiras externas permeáveis (ou inexistentes). As garantias de livre circulação que existem para os cidadãos da UE não se aplicam, como é óbvio aos não cidadãos europeus que se apresentem na fronteira externa (atenção a fronteira “externa” é, actualmente e na maior parte dos casos um aeroporto internacional situado dentro do espaço Schengen). A Comissão propôs, várias vezes, um reforço das competências e dos meios da agência FRONTEX e até, oh ignomínia anti-soberanista, um corpo europeu de polícia para controlo da fronteira externa.
O segundo problema traduz-se na ausência de uma verdadeira política comum de asilo que permita, por exemplo, identificar os Estados considerados seguros a partir dos quais não é admissível reivindicar o direito ao asilo. Cada Estado da UE é livre de considerar como “não seguro” um determinado Estado mesmo que a UE tenha decidido que esse Estado é não só seguro como candidato à adesão, como acontece com todos os Estados dos Balcãs e com a Turquia. Para se ter uma ideia do que tal significa basta pensar que do fluxo de “refugiados” que este Verão se dirige à Alemanha, cerca de 40% são cidadãos de Estados dos Balcãs (Albânia, Montenegro, Macedónia e Bósnia Herzegovina).
O terceiro problema resulta da ausência de uma política comum para a imigração que reconheça as implicações do défice demográfico europeu e permita recrutar a mão de obra necessária para o crescimento da economia europeia. Esta é a política mais facilmente permeável à demagogia num contexto de desemprego elevado (com maior incidência nos jovens e nos desempregados de longa duração com mais de 45 anos) e populismo de direita (que floresce há muito em França, na Dinamarca e na Hungria).
Estes três problemas, que reclamam políticas comuns da UE, não têm sido resolvidos nas últimas décadas em nome da “soberania”. O resultado está à vista e o pingue-pongue entre Estados não permite defender a fronteira externa da UE e muito menos separar os candidatos ao direito de asilo dos imigrantes económicos.
O Conselho Europeu desta quarta feira limitou-se a fazer o óbvio: reforçar os contributos financeiros para o Programa Alimentar Mundial e para o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados com o propósito de manter na Turquia, Líbano, Jordânia e Iraque 4 milhões de refugiados sírios.
A UE está muito longe de ter um papel activo na guerra civil síria, a causa do fluxo migratório. Putin, pelo contrário, parece ter encontrado um atalho para que a Rússia, pela força das armas contra o Daesh, volte a ser “fréquentable”.
Os líderes europeus prometeram revistar este dossier durante o Conselho Europeu de 15 e 16 de Outubro. De boas intenções está o inferno cheio. Os refugiados sírios sabem-no melhor do que ninguém.
Escreve à sexta-feira
Mário João Fernandes
25/09/2015 08:00
Jornal i
Esta perigosidade aumenta quando os problemas são antigos, ainda que tenham soluções diagnosticadas mas sujeitas a um processo decisório complexo.
A denominada crise dos refugiados na Europa confunde três problemas diferentes, há muito estudados pela Comissão Europeia (desde o mandato de António Vitorino) e para os quais a Comissão apresentou propostas legislativas sistematicamente recusadas, em nome da “soberania”, pelos Estados membros.
O primeiro problema é o da necessidade de reforçar o controlo da fronteira externa da União Europeia evitando que o espaço Schengen seja posto em crise por fronteiras externas permeáveis (ou inexistentes). As garantias de livre circulação que existem para os cidadãos da UE não se aplicam, como é óbvio aos não cidadãos europeus que se apresentem na fronteira externa (atenção a fronteira “externa” é, actualmente e na maior parte dos casos um aeroporto internacional situado dentro do espaço Schengen). A Comissão propôs, várias vezes, um reforço das competências e dos meios da agência FRONTEX e até, oh ignomínia anti-soberanista, um corpo europeu de polícia para controlo da fronteira externa.
O segundo problema traduz-se na ausência de uma verdadeira política comum de asilo que permita, por exemplo, identificar os Estados considerados seguros a partir dos quais não é admissível reivindicar o direito ao asilo. Cada Estado da UE é livre de considerar como “não seguro” um determinado Estado mesmo que a UE tenha decidido que esse Estado é não só seguro como candidato à adesão, como acontece com todos os Estados dos Balcãs e com a Turquia. Para se ter uma ideia do que tal significa basta pensar que do fluxo de “refugiados” que este Verão se dirige à Alemanha, cerca de 40% são cidadãos de Estados dos Balcãs (Albânia, Montenegro, Macedónia e Bósnia Herzegovina).
O terceiro problema resulta da ausência de uma política comum para a imigração que reconheça as implicações do défice demográfico europeu e permita recrutar a mão de obra necessária para o crescimento da economia europeia. Esta é a política mais facilmente permeável à demagogia num contexto de desemprego elevado (com maior incidência nos jovens e nos desempregados de longa duração com mais de 45 anos) e populismo de direita (que floresce há muito em França, na Dinamarca e na Hungria).
Estes três problemas, que reclamam políticas comuns da UE, não têm sido resolvidos nas últimas décadas em nome da “soberania”. O resultado está à vista e o pingue-pongue entre Estados não permite defender a fronteira externa da UE e muito menos separar os candidatos ao direito de asilo dos imigrantes económicos.
O Conselho Europeu desta quarta feira limitou-se a fazer o óbvio: reforçar os contributos financeiros para o Programa Alimentar Mundial e para o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados com o propósito de manter na Turquia, Líbano, Jordânia e Iraque 4 milhões de refugiados sírios.
A UE está muito longe de ter um papel activo na guerra civil síria, a causa do fluxo migratório. Putin, pelo contrário, parece ter encontrado um atalho para que a Rússia, pela força das armas contra o Daesh, volte a ser “fréquentable”.
Os líderes europeus prometeram revistar este dossier durante o Conselho Europeu de 15 e 16 de Outubro. De boas intenções está o inferno cheio. Os refugiados sírios sabem-no melhor do que ninguém.
Escreve à sexta-feira
Mário João Fernandes
25/09/2015 08:00
Jornal i
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