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Portugal não tem cura
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Portugal não tem cura
Quando apanham uns tostões, já se sabe, é para se mascararem de “modernos”.
A revista Visão trazia na capa: “Voltou o dinheiro fácil”, o que para muita gente foi com certeza um motivo de congratulação.
Não interessa que a poupança tenha caído nos três primeiros meses deste ano, nem que a balança comercial tenha voltado a ser (temporariamente?) deficitária. Os portugueses são portugueses porque são ou imaginam que são europeus. Fora isso, coitados, não são coisa nenhuma e precisam, portanto, de imitar as “raças” superiores que vivem lá mais para norte ou para ocidente. E quando apanham uns tostões, já se sabe, é para se mascararem de “modernos”. Compram, ou recompram, uma casa, um carro novo, o último computador, um tablet e um smartphone e vão passear para a Tailândia ou outro sítio exótico como as pessoas civilizadas.
No meio das belezas da segunda metade do século XIX, houve em Portugal um pequeno percalço. O Brasil arranjou uma guerra com o Paraguai (1864- 1870) e a moeda brasileira, que nos chegava da emigração, perdeu uma parte substancial do seu valor. Ora era com ela, ou quase só com ela, que nós pagávamos as nossas contas no estrangeiro, porque o “real” português não valia nada. A “classe média” indígena ficou muito agitada. Os dois partidos do regime (o regenerador e o progressista) fabricaram um governo a que chamaram “Fusão”, o Porto veio para a rua e resolveu inventar para seu uso uma “união nacional” e tudo até 1871 ficou numa grande balbúrdia, que só Fontes conseguiu acalmar, com um empréstimo confortável, que nos permitiu não perder a nossa querida “identidade nacional”.
Nesse tempo, a “classe média” (um conceito por excelência ambíguo) não passava de uns milhares de pobrezinhos, que trabalhavam para o Estado e arrastavam as suas pretensões melancolicamente pelos cafés da Baixa e por alguns clubes recreativos. Uma carga de polícia chegava para os meter na ordem. Hoje não. Hoje a verdadeira “classe média” com hábitos de consumo “como na Europa” é uma grande massa de centenas de milhares de pessoas (na maioria funcionários públicos), distribuídas por Portugal inteiro e com um voto na mão. Não se contentam com o óbolo exíguo que recebem do Estado, protestam contra a sua imaginária “escravatura” fiscal e querem “mudar”. Para quê já confirmámos: para gozar os benefícios da civilização como ela se goza em Nova Iorque ou em Bali, com a comodidade que o seu “bom gosto”, aprendido na TVI, na SIC e em revistas, manifestamente exige. Portugal não tem cura.
VASCO PULIDO VALENTE
26/09/2015 - 05:05
Público
A revista Visão trazia na capa: “Voltou o dinheiro fácil”, o que para muita gente foi com certeza um motivo de congratulação.
Não interessa que a poupança tenha caído nos três primeiros meses deste ano, nem que a balança comercial tenha voltado a ser (temporariamente?) deficitária. Os portugueses são portugueses porque são ou imaginam que são europeus. Fora isso, coitados, não são coisa nenhuma e precisam, portanto, de imitar as “raças” superiores que vivem lá mais para norte ou para ocidente. E quando apanham uns tostões, já se sabe, é para se mascararem de “modernos”. Compram, ou recompram, uma casa, um carro novo, o último computador, um tablet e um smartphone e vão passear para a Tailândia ou outro sítio exótico como as pessoas civilizadas.
No meio das belezas da segunda metade do século XIX, houve em Portugal um pequeno percalço. O Brasil arranjou uma guerra com o Paraguai (1864- 1870) e a moeda brasileira, que nos chegava da emigração, perdeu uma parte substancial do seu valor. Ora era com ela, ou quase só com ela, que nós pagávamos as nossas contas no estrangeiro, porque o “real” português não valia nada. A “classe média” indígena ficou muito agitada. Os dois partidos do regime (o regenerador e o progressista) fabricaram um governo a que chamaram “Fusão”, o Porto veio para a rua e resolveu inventar para seu uso uma “união nacional” e tudo até 1871 ficou numa grande balbúrdia, que só Fontes conseguiu acalmar, com um empréstimo confortável, que nos permitiu não perder a nossa querida “identidade nacional”.
Nesse tempo, a “classe média” (um conceito por excelência ambíguo) não passava de uns milhares de pobrezinhos, que trabalhavam para o Estado e arrastavam as suas pretensões melancolicamente pelos cafés da Baixa e por alguns clubes recreativos. Uma carga de polícia chegava para os meter na ordem. Hoje não. Hoje a verdadeira “classe média” com hábitos de consumo “como na Europa” é uma grande massa de centenas de milhares de pessoas (na maioria funcionários públicos), distribuídas por Portugal inteiro e com um voto na mão. Não se contentam com o óbolo exíguo que recebem do Estado, protestam contra a sua imaginária “escravatura” fiscal e querem “mudar”. Para quê já confirmámos: para gozar os benefícios da civilização como ela se goza em Nova Iorque ou em Bali, com a comodidade que o seu “bom gosto”, aprendido na TVI, na SIC e em revistas, manifestamente exige. Portugal não tem cura.
VASCO PULIDO VALENTE
26/09/2015 - 05:05
Público
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