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A caldeirada
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A caldeirada
Este fim de semana, os deuses alinharam-se. Na minha mesa de fim de semana, feita de vinho e palavras, sentaram-se, improváveis, dois dos protagonistas do mundo que agora temos. Este mundo que deambula, muitas vezes sem sentido, na esotérica "timeline" das reda(la)ções internacionais.
Entre relatórios de missões oficiais e feitos de outras missões mais secretas; entre a crueza da guerra e o cinismo dos parlamentos. Foi na simplicidade de uma conversa de mesa que tive o privilégio de observar melhor o Mundo. E nada do que se anuncia é bom.
Sempre a propósito da natureza, debaixo do sol deste outono, alinharam-se Europa e futuro. O "hard" e o "soft power". O dinheiro e a verdade. A força da guerra, das forças armadas e dos porta-aviões contra a dos políticos que disputam, em tempos de guerra e paz, a hegemonia dos mercados e os cérebros empreendedores.
O Claus (nome de código) é da Escandinávia e assegura a paz em N"Djamena, lá, em África; Ben (idem aspas) é um alemão de Colónia que, há mais de quinze anos, faz negócios financeiros em Lisboa. Um é oficial da NATO, outro empresário de finanças. "Hand on hand", cada um dos dois, apostados em explicar o futuro que se apresenta ao Velho Continente, deixam cair hipóteses no sabor de uma caldeirada lusitana. (Nada a ver com a política em vésperas eleitorais.)
A velha receita lusitana de peixe e vegetais não podia ser mais apropriada - nada é mais confuso, nem tão bom. Até pode valer a pena gastar um parágrafo na receita.
Aqui vai. "Por ordem de chegada e às camadas: azeite, alho e gengibre cortados finos, batatas novas e cebola seccionadas em rodelas meridionais; pimentos vermelhos, vinho branco, piripíri - tanto Mediterrâneo! -, congro, safio, raia, lulas pequeninas, tintureira e berbigão com conchas no fundo do tacho, para que nada se pegue. Salsa, louro e colorau. Lume muito brando e meia hora de suave fervura antes da mesa. Servir a gosto, com uma concha de sopa. E pão fresco de trigo. Desse que engorda. Vale muito a pena".
Felizes, os meus estrangeiros ensopam o miolo fresco na minha pergunta - O que vai acontecer com a Europa?
Alguém sabe? Ninguém. Mas todos concordam que no futuro já nada será como dantes.Depois de o kaiser perder ao fim de mil anos o seu reich; depois de o sexto João de Portugal ter enganado um Napoleão francês emigrando-se a si mesmo com a ajuda dos ingleses, que abençoou como se tivesse ganho; depois da queda do império e a derrota da Invencível Armada, depois do fim da Companhia das Índias e da humilhação de Versalhes, depois de Ialta e de Berlim, depois do Carvão e do Aço - será que ontem a Catalunha quis mesmo ser independente? -, depois de 70 anos de paz tão boa... mas por que será que esta nossa Europa prefere continuar prisioneira do seu espartilho histórico?
- Bela caldeirada! - dizem, em premonitório uníssono, Claus e Ben.Lembro-me do "Fazedor", um livro do escritor argentino Jorge Luís Borges. Nele alguém falava de despachar infinitamente a "Cumparsita" (uma ninharia consternada que agrada a muita gente porque lhes mentiram, dizendo que é velha). Nesse texto, uns personagens, que podíamos ser nós, decidiram suicidar-se para discutir sem estorvo.
Enquanto delirávamos com esta intensidade poética - ao sol quente do final do setembro lusitano -, as notícias da rádio, entre dez músicas seguidas sem parar, diziam que, todos os dias, mais de nove mil sírios e outros vagamente aparentados chegavam ao arame farpado da nossa incompetência.
Como na ameaçada Viena do século XIX, para cá dos Urales parecemos cada vez mais o louco barão von Münchhausen: lunáticos funâmbulos a equilibrar realidade e fantasia, num mundo de ficção em que apenas nós, "os Europeus", conseguimos acreditar.
28.09.2015
JOSÉ MANUEL DIOGO
Jornal de Notícias
Entre relatórios de missões oficiais e feitos de outras missões mais secretas; entre a crueza da guerra e o cinismo dos parlamentos. Foi na simplicidade de uma conversa de mesa que tive o privilégio de observar melhor o Mundo. E nada do que se anuncia é bom.
Sempre a propósito da natureza, debaixo do sol deste outono, alinharam-se Europa e futuro. O "hard" e o "soft power". O dinheiro e a verdade. A força da guerra, das forças armadas e dos porta-aviões contra a dos políticos que disputam, em tempos de guerra e paz, a hegemonia dos mercados e os cérebros empreendedores.
O Claus (nome de código) é da Escandinávia e assegura a paz em N"Djamena, lá, em África; Ben (idem aspas) é um alemão de Colónia que, há mais de quinze anos, faz negócios financeiros em Lisboa. Um é oficial da NATO, outro empresário de finanças. "Hand on hand", cada um dos dois, apostados em explicar o futuro que se apresenta ao Velho Continente, deixam cair hipóteses no sabor de uma caldeirada lusitana. (Nada a ver com a política em vésperas eleitorais.)
A velha receita lusitana de peixe e vegetais não podia ser mais apropriada - nada é mais confuso, nem tão bom. Até pode valer a pena gastar um parágrafo na receita.
Aqui vai. "Por ordem de chegada e às camadas: azeite, alho e gengibre cortados finos, batatas novas e cebola seccionadas em rodelas meridionais; pimentos vermelhos, vinho branco, piripíri - tanto Mediterrâneo! -, congro, safio, raia, lulas pequeninas, tintureira e berbigão com conchas no fundo do tacho, para que nada se pegue. Salsa, louro e colorau. Lume muito brando e meia hora de suave fervura antes da mesa. Servir a gosto, com uma concha de sopa. E pão fresco de trigo. Desse que engorda. Vale muito a pena".
Felizes, os meus estrangeiros ensopam o miolo fresco na minha pergunta - O que vai acontecer com a Europa?
Alguém sabe? Ninguém. Mas todos concordam que no futuro já nada será como dantes.Depois de o kaiser perder ao fim de mil anos o seu reich; depois de o sexto João de Portugal ter enganado um Napoleão francês emigrando-se a si mesmo com a ajuda dos ingleses, que abençoou como se tivesse ganho; depois da queda do império e a derrota da Invencível Armada, depois do fim da Companhia das Índias e da humilhação de Versalhes, depois de Ialta e de Berlim, depois do Carvão e do Aço - será que ontem a Catalunha quis mesmo ser independente? -, depois de 70 anos de paz tão boa... mas por que será que esta nossa Europa prefere continuar prisioneira do seu espartilho histórico?
- Bela caldeirada! - dizem, em premonitório uníssono, Claus e Ben.Lembro-me do "Fazedor", um livro do escritor argentino Jorge Luís Borges. Nele alguém falava de despachar infinitamente a "Cumparsita" (uma ninharia consternada que agrada a muita gente porque lhes mentiram, dizendo que é velha). Nesse texto, uns personagens, que podíamos ser nós, decidiram suicidar-se para discutir sem estorvo.
Enquanto delirávamos com esta intensidade poética - ao sol quente do final do setembro lusitano -, as notícias da rádio, entre dez músicas seguidas sem parar, diziam que, todos os dias, mais de nove mil sírios e outros vagamente aparentados chegavam ao arame farpado da nossa incompetência.
Como na ameaçada Viena do século XIX, para cá dos Urales parecemos cada vez mais o louco barão von Münchhausen: lunáticos funâmbulos a equilibrar realidade e fantasia, num mundo de ficção em que apenas nós, "os Europeus", conseguimos acreditar.
28.09.2015
JOSÉ MANUEL DIOGO
Jornal de Notícias
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