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“Quero ter tempo para ser feliz”

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“Quero ter tempo para ser feliz” Empty “Quero ter tempo para ser feliz”

Mensagem por Admin Sáb Out 10, 2015 10:12 am

“Quero ter tempo para ser feliz” Card_antonio_saraiva_2_091015

Três operações em 2012 levaram-no a desafiar a morte. “O médico diz que não sabe como escapei da terceira vez”, conta António Saraiva. Ficou para trás a ideia de imortalidade e compreendeu que deveria ser ainda mais sereno, algo que tem procurado concretizar no dia-a-dia.


De Ervidel, no distrito de Beja, para Lisboa foi o começo do percurso do actual líder da CIP. O pai queria vê-lo como engenheiro, mas foi operário, líder da Comissão de Trabalhadores e delegado da Lisnave junto do MFA. Conheceu o flagelo dos salários em atraso, tornou-se director comercial de uma associada da empresa, chegou a administrador, depois a dono e, desde 2010, lidera a CIP.

Em 2012, foi operado: como recuperou desse episódio?

Foi muito difícil. Em Setembro de 2012, por mero acaso e muita sorte, foi diagnosticada uma massa tumoral na cabeça do pâncreas que seria certidão de óbito em caso maligno. Felizmente no meu caso, detectado a tempo, era benigno, mas exigiu uma operação de 10 horas a 11 de Outubro. Seis dias depois voltei a ser operado por serem detectados derrames - mais seis horas de operação. Sete dias depois outro problema levou a terceira intervenção, então de sete horas.


Saiu uma pessoa diferente desse processo?

Foi algo muito doloroso no plano físico e psicológico: 40 dias internado, perdi massa muscular e 24 quilos. Estive perto da depressão que, na altura, não queria reconhecer e deixou-me marcas profundas. Até 2012 julgava-me imortal, nunca tinha entrado num hospital. A partir dessa altura percebi que sou mortal, na terceira operação o médico diz que estive mais para lá do que para cá, não sabe como me salvei e percebi que a morte é isso - de repente, não estamos cá. E isso faz toda a diferença, porque andamos sempre a fazer projectos e o melhor é viver cada momento, partilhar com os meus amigos e a minha família, viver cada dia com grande intensidade. Sempre fui calmo e tranquilo, mas fiquei mais sereno. Aliás, durante a minha ausência, houve aqui umas ameaças internas quanto à possível sucessão. Falei com duas pessoas que foram protagonistas desses movimentos e disse algo que, de facto, sinto: percebo e perdoo. Não tenho tempo para odiar seja quem for. Quero ter tempo para ser feliz.

Veio em 1959 de Ervidel, um meio muito mais pequeno: como foi viver em Lisboa?

Não foi fácil. Vim com seis anos acabar a primeira classe cá. O meu pai tinha vindo para a GNR, uma das saídas possíveis para a juventude dessa altura e, passado pouco tempo, chamou-me e à minha mãe. Até aos seis anos vivia num mundo de planície, liberdade e zona de conforto familiar e de amizades. De repente, esses laços cortam-se, venho para o ambiente hostil de uma grande cidade com os seus perigos, um mundo novo sem amigos. Nessa altura, a maneira de estar das pessoas e as relações que se criavam - vim para um bairro que muito amo, a zona do miradouro de Santa Luzia, entre Alfama e o Castelo - eram de partilha e solidariedade. Isso permitiu que depressa o ambiente ficasse amigável, entrosei-me na comunidade e ganhei novos amigos com quem ainda janto todos os meses - o jantar dos miúdos de Santa Luzia -, de tal forma que hoje, quando olho para trás, as minhas memórias da meninice no Alentejo são já muito difusas, enquanto as de Lisboa são muito presentes. 

A influência de os seus pais terem casado muito novos levou-o a declarar-se com 15 anos à sua futura mulher, então com 20?

[risos] Não influenciou. O meu pai tinha 16 e a minha mãe 14 quando se casaram. Quando nasci ele tinha 20 e a minha mãe 18. Isso permitiu que tivesse pais relativamente novos ao longo da vida, ainda agora tenho a felicidade de os ter vivos, com qualidade de vida e autónomos, tive-os sempre jovens ao meu lado, algo que me marcou em termos de afectos. Na minha própria história de vida, a necessidade de ser dono do meu destino muito novo tem a ver com características próprias. Desde muito cedo quis mais e melhor. Isso levou-me a inscrever, no final do curso industrial, aos 17 anos, na Lisnave, contrariando os meus pais. O meu pai queria que continuasse a estudar e fosse engenheiro. Esta sede de independência de ambição q.b. levou-me a pedir namoro à Mariana que, com 20 anos, representava um desafio e uma necessidade de afirmação na conquista daquele coração. Casei-me com 21 anos, fui pai aos 22 e aos 26 da Andreia e do João, ou seja, fui pai jovem. Trabalhava na Lisnave que pagava bem, mas o trabalho era muito duro: trabalhava no fundo dos tanques de petroleiros, fazíamos meia hora lá em baixo e outro tanto cá em cima para regenerar o ar dos pulmões, durante dois anos foi isso que fiz e me deu uma têmpera que me valeu esta vontade de me superar e desafiar. Ao fim de dois anos de Lisnave fui desafiado para uma nova secção de planeamento como ajudante do encarregado-geral e aí fiz toda a progressão que me deu a característica de rigor e método - costumo dizer que sou vítima do método, pois até às escuras sei onde está cada um dos meus objectos.

Como é que um antigo operário metalúrgico chega a patrão dos patrões, aparentemente uma contradição nos termos, embora, no seu caso, não seja assim?

[risos] Para introduzir aí mais alguma pimenta, posso dizer que liderei a Comissão de Trabalhadores na Lisnave. Entrei em 1971, fiz o percurso que referi durante dois anos e, depois, no planeamento. Entretanto, a 22 de Abril de 1974 entrei na tropa, no curso de furriel miliciano...

Como se associou ao 25 de Abril?

Acabei por ter envolvimento porque fui para o quartel das Caldas, onde, a 16 de Março, abortara um golpe de Estado e as altas patentes eram fiéis ao antigo regime. Por isto, o 25 de Abril só chegou à unidade no dia seguinte. Mesmo assim, vi-me envolvido no movimento do MFA por ter fluência oratória e ser o único vindo de Lisboa. Fui nomeado delegado da companhia junto do MFA e, de repente, vejo-me em reuniões na Cova da Moura com o Otelo e uma indisciplina típica dessa altura. Voltando à Lisnave: quando regressei, e finais de 75, o mundo de novidades permanentes tornara-se de greves, paralisações, saneamentos, reflexo dos tempos revolucionários. Entrou em degradação, deixou de reparar 15 navios em simultâneo e passou a oito, depois quatro, ou seja, ia fechar. Tivemos quatro anos de salários em atraso...

Foi a fase mais difícil da sua vida?

Já era pai de dois filhos e, ganhando 2.600 escudos, recebia só cem. Pagava 3.600 da renda de casa em Linda-a-Velha, se não fosse o ordenado da Mariana que trabalhava na informática do porto de Lisboa e a ajuda dos meus pais, seria impossível. Esta fase da minha vida proporcionou-me uma das lições que guardo em termos de engolir orgulho, pois, na minha sede de independência, libertara-me dos meus pais e, claro, ficara sem a mesada. Quando tive necessidade e fui bater à porta de casa deles, a única pergunta que me faziam sempre era: ‘De quanto é que precisas?' Essa foi, de facto, a lição de que não devemos ser orgulhosos porque a vida dá muitas voltas, mas também a do amor dos pais que nunca dizem: ‘Vês? Eu tinha razão...' Percebo que a Lisnave vai entrar em hecatombe, tinha continuado a estudar à noite, ainda completei dois anos de Engenharia Mecânica em quatro no Instituto Superior Técnico a partir de 1980. Fui desafiado para entrar na lista da UGT na Comissão de Trabalhadores, cuja maioria era da CGTP. Entrámos dois, eu e a Elisa Damião, mais tarde deputada pelo PS e que, pelo meio, foi chamada por Torres Couto para o secretariado da UGT. Comecei a desenvolver um processo a que chamei contrato social para a empresa com a ajuda de Agostinho Roseta - foi o primeiro contrato social deste País (embora se fale muito na Autoeuropa), em 1985. De repente, obtive seis lugares e fiquei presidente da Comissão de Trabalhadores. Era preciso aprovar o contrato social que a CGTP não queria, segundo o qual não haveria greves, paralisações, recuperavam-se os salários em atraso e haveria aumentos. Não foi fácil, teve votação de braço no ar e outros episódios que, um dia, escreverei em livro. Na primeira votaram contra, havendo aqueles que votavam com dois braços no ar. Ameacei que anularia a assembleia e faria um referendo, ninguém acreditou, mas foi isso que fiz e consegui sair de lá vivo, ainda hoje estou para perceber porquê... Talvez por conhecê-los e tratá-los a todos pelos nomes. Marquei o referendo para um mês depois e, dois dias antes, a célula da CGTP contactou-me a dizer que, se dois dos oito pontos do acordo fossem alterados, aceitariam. Fiz bluff, disse que seria preciso falar com a administração, mas não o fiz e, no dia seguinte, avisei que as alterações estavam feitas. Na assembleia, foi aprovado por unanimidade.

Não teve medo?

Na primeira assembleia tive. Era no refeitório com espaço para duas mil pessoas e, depois de comunicar o referendo, aquela massa imensa de pessoas avançou para a mesa onde estava com outros elementos. Ainda estou para saber por que razão agi assim, terá sido reacção de animal acossado, mas saltei de lá, fui para o meio deles a tratá-los pelos nomes, aquilo surpreendeu-os e nada se passou. Não sei o que poderia ter acontecido. Quando aceitei entrar na lista de oposição passei a ser um alvo. À chegada à empresa, todos os dias, passava por entre um cordão de gente e, se nunca me bateram, fui insultado e cuspido muitas vezes, algo que me ensinou a suportar situações delicadas com dignidade e de cabeça erguida, granjeando-me respeito do outro lado. Fez-se o contrato social, era muito novo e isso deu-me destaque na UGT e no PS, situação em que arranjamos inimigos de estimação que não escolhemos. Comecei a sentir, junto das minhas hostes, talvez por inveja, pressões que me levaram a não candidatar, voltando ao meu posto de trabalho em Janeiro de 87. Em Junho a administração desafiou-me a ser director comercial da Luso-Italiana, uma associada da Lisnave, fabricante das torneiras Zenit. Pedi para estar lá e avaliar se teria condições para ser director comercial, aceitando apenas ser nomeado em Janeiro do ano seguinte caso reunisse condições. E assim aconteceu até hoje, acumulando com a da Luso-Alemã um ano e tal depois. Mais tarde convidam-me para a administração, fiquei com o pelouro comercial e, em 1996, Salvador de Mello chamou-me para anunciar que iam vender a empresa onde eu tinha voltado a nascer no plano profissional. 

Arriscou e quis comprar a empresa?

Sim, surpreendi-o e eu próprio estou para saber como fiz aquilo. Não tinha dinheiro e pedi condições de pagamento com prazo, sugerindo que o banco Mello fizesse a avaliação da empresa e assim foi. Propuseram cinco anos para pagar, respondi 30, ficou em 15, prazo que tem sido dilatado.


Nunca se arrependeu?

Não, mas lembro-me bem que, quando saí da reunião, tinha as pernas a tremer: ‘o que fui eu fazer', pensava, o mesmo me dizendo a minha mulher. Mas falei com alguns dos principais clientes, pedi adiantamentos por conta e, pagando com o pêlo do próprio cão, como costuma dizer-se, comprei a empresa com uma engenharia financeira sem a banca. E assim um operário metalúrgico chega à Comissão de Trabalhadores e ajuda a salvar uma empresa; volto para a secção; sou desafiado para director comercial; vou para aquela que é hoje a minha empresa; faço um percurso; compro-a; sou desafiado pelos companheiros da associação dos metalúrgicos para integrar a direcção com José Manuel Fernandes a liderar; faço dois mandatos como vice-presidente e convencem-me a ser o sucessor na liderança; estou presidente da associação e o engenheiro Francisco van Zeller convida-me para vice-presidente da CIP; à saída de Van Zeller no final dos mandatos, dizem-me que devo ser o quinto presidente da CIP e, a partir de 2010, assumo o cargo.

A contrariar a lógica de presidentes com fortuna pessoal e/ou formação universitária?

É verdade. António Vasco de Mello, Pedro Ferraz da Costa, Nogueira Simões e Francisco van Zeller, os meus antecessores, preenchem essas condições e deram a esta casa o melhor de si. 

Houve suspeitas à sua volta?


Terei sido uma surpresa, pois não me conheciam e compreendo que sentissem dúvidas face ao meu passado na Comissão de Trabalhadores. Mas penso que já esbati essas questões: sou quem sou, valho o que valho, tenho virtudes e defeitos, mas sou fiel intérprete da missão desta casa na defesa da iniciativa privada, dos empresários e da sua dignificação.

00:07 h
Paulo Jorge Pereira
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