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O recorde de usuários online foi de 864 em Sex Fev 03, 2017 11:03 pm
A Europa caiu na realidade
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A Europa caiu na realidade
Até há poucas semanas, os europeus acreditavam que viviam numa espécie de santuário isolado dos atuais conflitos do mundo. É verdade que as notícias e as imagens de migrantes afogados eram horríveis, mas a tragédia que estava a acontecer no Sul de Itália, na Grécia e em Malta parecia muito longe.
A brutal guerra civil na Síria, que já dura há anos, parecia ainda mais longínqua. O presidente sírio, Bashar al-Assad, atirou gás venenoso e, depois, bombas de barril cheias com pregos e fragmentos de metal contra a sua população rebelde. E aqueles que escaparam aos homens de Assad viram-se confrontados com o terror do Estado Islâmico. Centenas de milhares foram mortos e milhões de sírios fugiram. A maior parte vive há anos em campos na Jordânia, no Líbano ou na Turquia, em condições tenebrosas e sem esperança de melhoria.
Assim, durante o verão passado, quando a última réstia de esperança de um regresso à Síria desapareceu e uma alternativa a Assad e ao Estado Islâmico deixou de parecer realista, estas pessoas começaram a dirigir-se para a Europa, a qual parecia prometer um futuro de paz, liberdade e segurança. Os refugiados vieram via Turquia, Grécia e países dos Balcãs ou através do Mediterrâneo para escapar ao caos semelhante que reina na Eritreia, na Líbia, na Somália e no Sudão.
Em agosto, milhares de refugiados ficaram encalhados na estação de comboios Keleti, em Budapeste, dias a fio quando o polémico e incompetente governo húngaro permitiu a escalada da situação. Por fim, milhares de homens, mulheres e crianças - e até mesmo pessoas de idade e deficientes - começaram a fazer o seu caminho a pé em direção à fronteira com a Áustria. Neste ponto, a Europa, testemunhando um êxodo de proporções bíblicas, não podia mais ignorar o desafio e as consequências das crises nas regiões vizinhas. A Europa estava agora a ser diretamente confrontada com as duras realidades das quais se tinha considerado isolada num santuário.
A Europa estava, sem surpresa, impreparada. A União Europeia (UE) não tinha os instrumentos civis, diplomáticos e militares necessários para conter, ainda menos para resolver, as crises e os conflitos na sua vizinhança. E, quando os migrantes se dirigiram para a Europa, a política de asilo comum da UE falhou, porque o chamado acordo de Dublin III não contém qualquer mecanismo eficaz para distribuir os requerentes de asilo entre todos os Estados membros após o seu registo inicial nos Estados fronteiriços da UE (em especial Grécia e Itália). O pedido do primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, para que houvesse solidariedade europeia não foi ouvido.
Quando milhares de refugiados chegaram a Budapeste, a caminho da Alemanha e da Escandinávia, vislumbrou-se um desastre humano e a chanceler alemã, Angela Merkel, teve de optar entre acolher os refugiados e o risco de uma maior escalada da crise em Budapeste. A Alemanha provavelmente não poderia ter ficado de braços cruzados nem sequer por mais dois dias.
Merkel tomou a decisão corajosa e correta de permitir que os refugiados entrassem na Alemanha. Por isso, ela merece respeito incondicional e um apoio total, mais ainda tendo em conta a resposta fria de muitos dentro do seu próprio partido.
Mas Merkel não estava sozinha ao assumir os valores humanitários neste momento decisivo. Grupos da sociedade civil na Alemanha, na Áustria e noutros lugares mobilizaram-se numa dimensão nunca vista até então para ajudar a resolver - em conjunto com as autoridades - o enorme desafio que constitui o afluxo destas pessoas. Sem a empatia ativa do público, as autoridades nunca teriam conseguido. Com o apoio dessas coligações ad hoc, a Europa deve fazer o que for preciso para garantir uma integração bem-sucedida dos refugiados.
A confluência iniciada durante o "verão dos refugiados" vai mudar a Alemanha e a Europa. A UE só será capaz de enfrentar o desafio - e aproveitar a oportunidade - de integrar os recém--chegados se o fizer em conjunto e num espírito de solidariedade europeia. Se a unidade falhar nesta crise, as consequências para todas as partes envolvidas, especialmente para os refugiados, serão graves.
Em primeiro lugar, um sistema novo e eficaz para a segurança das fronteiras externas da Europa deve ser estabelecido o mais rapidamente possível. Isso inclui um procedimento comum para analisar os pedidos de asilo e um mecanismo para distribuir os refugiados entre os países da UE de forma justa. Além disso, se a UE quiser manter os seus valores fundamentais, incluindo a abolição das fronteiras internas, terá de se concentrar na estabilização dos seus vizinhos do Médio Oriente, do Norte de África e da Europa de Leste com dinheiro, compromissos e todo o seu poder militar e diplomático. Uma abordagem unida será crucial.
Mas a Europa deve evitar o tipo de realpolitik desastrosa que trairia os seus valores fundamentais noutros lugares. Seria um grave erro, por exemplo, trair os interesses da Ucrânia e levantar as sanções impostas à Rússia devido à crença equivocada de que a assistência do Kremlin é necessária na Síria. A cooperação com a Rússia, embora útil e conveniente, não deve ocorrer à custa de terceiros e dos interesses e unidade ocidentais. A tentativa de resgatar os erros do passado não é aconselhável quando isso significa cometer erros ainda maiores.
Certamente que existe um risco de que a crise de refugiados vá fortalecer os partidos nacionalistas e populistas em países membros da UE. Mas a renacionalização da política dentro da UE ganhou força muito antes do verão de 2015 e não é um resultado da crise de refugiados. No seu cerne está um conflito de fundo sobre o futuro da Europa: o regresso a um continente de Estados-Nação ou o avanço para uma comunidade de valores partilhados? Os europeus convictos terão de mobilizar todas as suas forças e reunir toda a sua coragem para os tempos que aí vêm.
por Joschka Fischer
Diário de Notícias
A brutal guerra civil na Síria, que já dura há anos, parecia ainda mais longínqua. O presidente sírio, Bashar al-Assad, atirou gás venenoso e, depois, bombas de barril cheias com pregos e fragmentos de metal contra a sua população rebelde. E aqueles que escaparam aos homens de Assad viram-se confrontados com o terror do Estado Islâmico. Centenas de milhares foram mortos e milhões de sírios fugiram. A maior parte vive há anos em campos na Jordânia, no Líbano ou na Turquia, em condições tenebrosas e sem esperança de melhoria.
Assim, durante o verão passado, quando a última réstia de esperança de um regresso à Síria desapareceu e uma alternativa a Assad e ao Estado Islâmico deixou de parecer realista, estas pessoas começaram a dirigir-se para a Europa, a qual parecia prometer um futuro de paz, liberdade e segurança. Os refugiados vieram via Turquia, Grécia e países dos Balcãs ou através do Mediterrâneo para escapar ao caos semelhante que reina na Eritreia, na Líbia, na Somália e no Sudão.
Em agosto, milhares de refugiados ficaram encalhados na estação de comboios Keleti, em Budapeste, dias a fio quando o polémico e incompetente governo húngaro permitiu a escalada da situação. Por fim, milhares de homens, mulheres e crianças - e até mesmo pessoas de idade e deficientes - começaram a fazer o seu caminho a pé em direção à fronteira com a Áustria. Neste ponto, a Europa, testemunhando um êxodo de proporções bíblicas, não podia mais ignorar o desafio e as consequências das crises nas regiões vizinhas. A Europa estava agora a ser diretamente confrontada com as duras realidades das quais se tinha considerado isolada num santuário.
A Europa estava, sem surpresa, impreparada. A União Europeia (UE) não tinha os instrumentos civis, diplomáticos e militares necessários para conter, ainda menos para resolver, as crises e os conflitos na sua vizinhança. E, quando os migrantes se dirigiram para a Europa, a política de asilo comum da UE falhou, porque o chamado acordo de Dublin III não contém qualquer mecanismo eficaz para distribuir os requerentes de asilo entre todos os Estados membros após o seu registo inicial nos Estados fronteiriços da UE (em especial Grécia e Itália). O pedido do primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, para que houvesse solidariedade europeia não foi ouvido.
Quando milhares de refugiados chegaram a Budapeste, a caminho da Alemanha e da Escandinávia, vislumbrou-se um desastre humano e a chanceler alemã, Angela Merkel, teve de optar entre acolher os refugiados e o risco de uma maior escalada da crise em Budapeste. A Alemanha provavelmente não poderia ter ficado de braços cruzados nem sequer por mais dois dias.
Merkel tomou a decisão corajosa e correta de permitir que os refugiados entrassem na Alemanha. Por isso, ela merece respeito incondicional e um apoio total, mais ainda tendo em conta a resposta fria de muitos dentro do seu próprio partido.
Mas Merkel não estava sozinha ao assumir os valores humanitários neste momento decisivo. Grupos da sociedade civil na Alemanha, na Áustria e noutros lugares mobilizaram-se numa dimensão nunca vista até então para ajudar a resolver - em conjunto com as autoridades - o enorme desafio que constitui o afluxo destas pessoas. Sem a empatia ativa do público, as autoridades nunca teriam conseguido. Com o apoio dessas coligações ad hoc, a Europa deve fazer o que for preciso para garantir uma integração bem-sucedida dos refugiados.
A confluência iniciada durante o "verão dos refugiados" vai mudar a Alemanha e a Europa. A UE só será capaz de enfrentar o desafio - e aproveitar a oportunidade - de integrar os recém--chegados se o fizer em conjunto e num espírito de solidariedade europeia. Se a unidade falhar nesta crise, as consequências para todas as partes envolvidas, especialmente para os refugiados, serão graves.
Em primeiro lugar, um sistema novo e eficaz para a segurança das fronteiras externas da Europa deve ser estabelecido o mais rapidamente possível. Isso inclui um procedimento comum para analisar os pedidos de asilo e um mecanismo para distribuir os refugiados entre os países da UE de forma justa. Além disso, se a UE quiser manter os seus valores fundamentais, incluindo a abolição das fronteiras internas, terá de se concentrar na estabilização dos seus vizinhos do Médio Oriente, do Norte de África e da Europa de Leste com dinheiro, compromissos e todo o seu poder militar e diplomático. Uma abordagem unida será crucial.
Mas a Europa deve evitar o tipo de realpolitik desastrosa que trairia os seus valores fundamentais noutros lugares. Seria um grave erro, por exemplo, trair os interesses da Ucrânia e levantar as sanções impostas à Rússia devido à crença equivocada de que a assistência do Kremlin é necessária na Síria. A cooperação com a Rússia, embora útil e conveniente, não deve ocorrer à custa de terceiros e dos interesses e unidade ocidentais. A tentativa de resgatar os erros do passado não é aconselhável quando isso significa cometer erros ainda maiores.
Certamente que existe um risco de que a crise de refugiados vá fortalecer os partidos nacionalistas e populistas em países membros da UE. Mas a renacionalização da política dentro da UE ganhou força muito antes do verão de 2015 e não é um resultado da crise de refugiados. No seu cerne está um conflito de fundo sobre o futuro da Europa: o regresso a um continente de Estados-Nação ou o avanço para uma comunidade de valores partilhados? Os europeus convictos terão de mobilizar todas as suas forças e reunir toda a sua coragem para os tempos que aí vêm.
por Joschka Fischer
Diário de Notícias
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