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Porque não falam?
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Porque não falam?
1. Quando algumas pessoas têm a mesma desgraça, juntam-se. É de Almada Negreiros a frase. E foi dita a Carlos Cruz, em direto na RTP, no famoso Zip-Zip, em maio de 1969. Vale a pena procurar esta conversa no YouTube e trazê-la para os nossos tempos. Almada era um do Orpheu, o mais novo do grupo de Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa e de todos os outros que criaram o movimento.
À pergunta de Cruz "Como tinha nascido o grupo, com se aproximaram" aqueles intelectuais, pensadores e artistas, a resposta de Almada: Quando algumas pessoas têm a mesma desgraça, juntam-se.
Não sabemos qual a desgraça que aproxima os intelectuais de agora. Por onde andam? Esta elite e as outras? Porque ficaram mudos? Do que se escondem? Quem são os libertinos do nosso tempo, os diferentes, os corajosos e até os tresloucados que abalam o estado de graça?
Portugal vive um dos momentos mais fascinantes da sua democracia. A política importa. Há escolhas possíveis. As alternativas são claras, a clivagem dramática. Há curiosidade. As pessoas estão a importar--se com a política, vejo-o todos os dias nas audiências televisivas. A abstenção, é verdade, aumentou nas últimas eleições, mas os dias seguintes têm alimentado uma expectativa sobre os caminhos e cenários, como provavelmente não se via desde o período revolucionário.
São estes os momentos para dizer que existimos. No fim da década de 1960, anos de chumbo, Carlos Cruz perguntou a Almada Negreiros como observava o Movimento de Orpheu à luz daqueles tempos: "Perdi-o de vista", respondeu-lhe. Perdemo-los de vista. Não há Almada nos ventos que passam. Nem Natália Correia a chocar os bons costumes, o truca-truca, o deputado Morgado encavacado, nem Alegre que ninguém o calava e, no final, só se ficou a ouvir Cavaco.
Temos pintores a pintar, arquitetos a arquitetar, escritores a escrever, atores a atuar, encenadores e realizadores, músicos a tocar, mas ninguém a desafinar. A desafiar os sons do silêncio. Falta-nos Luiz Pacheco, que dizia o indizível. Ou Mário Viegas, que boicotava o politicamente correto. Artes e Letras, mortes lentas, já nem corretos são no seu politicamente hoje. Eunucos, consciência cívica zero. Participação social é um post trivial na página do Facebook.
Quando chegamos ao ponto de perguntar a um criador o que pensa, é porque verdadeiramente não sabemos para que servem. Filósofos ou poetas, intelectuais amestrados, a pátria adormeceu os artistas, estão todos fechados na sua obra, alguém, qual deles nos provoca sobressalto? Quem nos tira do conforto? Que espírito rebelde nos sobressalta?
"Não era um pressentimento, era autêntico, uma verdade legítima", continua mestre Almada a explicar a desgraça que os juntou. E o impacto que teve, a surpresa que causou: "Ninguém nos supôs. Ninguém esperava que nascessem determinados portugueses naquele momento. Nós estávamos fora da sociedade - se é que havia sociedade!"
Cem anos depois de Orpheu, é necessário descobrir que sociedade é esta.
2. Não é para Julião Sarmento ou Cabrita Reis dizerem se preferem a coligação ou o Bloco. Não se trata de pedir a Souto de Moura que comente o discurso do Presidente. Ou a Eduardo Gageiro que vá fotografar as portas que Abril abriu. Não é preciso saber se Sérgio Godinho tornou a votar Jerónimo ou não resistiu à barriga prenha de Joana. Não se trata de ver as artes na política.
Não é por Quintanilha ser deputado, porque provavelmente não será um bom deputado e não ficará no Parlamento por muito tempo. É só lamento, é estranheza, é o enorme vazio que criam por não se ouvirem, por ninguém falar. Porque as águas estão agitadas, ninguém se compromete. Quando ficam calmas, ninguém as agita.
Isto não é coisa pouca. O alheamento das elites empobrece-nos. Fica mais pobre a sociedade sem pensamento e sem confronto de ideias. E perde o norte o país em que a elite se resignou. Ou se acomodou. Ou se acobardou. Ou apenas anda a tratar da vidinha.
Na fase que antecedeu a campanha eleitoral, mais de trinta "personalidades" foram convidadas para ir à TVI colocar uma questão ao vice-primeiro-ministro Paulo Portas. A entrevista tinha o formato "tenho uma pergunta para si" e podia ser a que quisessem, posta da forma que entendessem. Ao vivo e a cores. Animicamente mortos, recusaram. Por medo ou por receio, uns porque tinham sido nomeados, outros porque temiam ser demitidos.
Depois dos votos contados, nova tentativa para ouvir o que os líderes pensam: empresários encartados, a alta finança, o topo da gestão, profissionais liberais. Do que precisa Portugal? De um par de chinelos e de um roupão, a nossa elite foi ver a televisão em casa. Não se querem meter na política, alegaram. Muitos precisaram que a política se metesse com eles, para nos tirar do buraco em que nos enfiaram. Novo banco, velho país engravatado, que anda todo emproado a assoar-se à gravata.
3. Por falta de comparência, a opinião esgota-se num duopólio. Falam políticos e jornalistas, mais outras raras exceções. A maioria foge da própria sombra. Que movimento emerge da universidade? Da academia saem cada vez mais doutores e menos líderes. Das instituições sobram regulamentos e escasseia quem dê o exemplo.
Até os economistas desistiram dos manifestos. Os gestores não voltaram ao Beato. Compromisso Portugal?! Aos empresários a voz esvaiu-se com o capital. E por onde anda Ulrich, o enfant terrible? O banqueiro ficou grisalho, a banca ficou terrível mas por outros motivos.
Centenário de Orpheu. Fernando Pessoa. Banqueiro anarquista. República. Monarquia. A quem ouvimos hoje o atrevimento de gritar: o rei vai nu!?! A elite está amorfa, recolheu-se por sua livre e espontânea vontade.
O que sente Almada por "esta gente que tem uma admiração enorme por si?", pergunta-lhe ainda Cruz. "Comove-me. Pretendo até evitá-la, porque me comove. São meus irmãos."
26 DE OUTUBRO DE 2015
01:12
Sérgio Figueiredo
Diário de Notícias
À pergunta de Cruz "Como tinha nascido o grupo, com se aproximaram" aqueles intelectuais, pensadores e artistas, a resposta de Almada: Quando algumas pessoas têm a mesma desgraça, juntam-se.
Não sabemos qual a desgraça que aproxima os intelectuais de agora. Por onde andam? Esta elite e as outras? Porque ficaram mudos? Do que se escondem? Quem são os libertinos do nosso tempo, os diferentes, os corajosos e até os tresloucados que abalam o estado de graça?
Portugal vive um dos momentos mais fascinantes da sua democracia. A política importa. Há escolhas possíveis. As alternativas são claras, a clivagem dramática. Há curiosidade. As pessoas estão a importar--se com a política, vejo-o todos os dias nas audiências televisivas. A abstenção, é verdade, aumentou nas últimas eleições, mas os dias seguintes têm alimentado uma expectativa sobre os caminhos e cenários, como provavelmente não se via desde o período revolucionário.
São estes os momentos para dizer que existimos. No fim da década de 1960, anos de chumbo, Carlos Cruz perguntou a Almada Negreiros como observava o Movimento de Orpheu à luz daqueles tempos: "Perdi-o de vista", respondeu-lhe. Perdemo-los de vista. Não há Almada nos ventos que passam. Nem Natália Correia a chocar os bons costumes, o truca-truca, o deputado Morgado encavacado, nem Alegre que ninguém o calava e, no final, só se ficou a ouvir Cavaco.
Temos pintores a pintar, arquitetos a arquitetar, escritores a escrever, atores a atuar, encenadores e realizadores, músicos a tocar, mas ninguém a desafinar. A desafiar os sons do silêncio. Falta-nos Luiz Pacheco, que dizia o indizível. Ou Mário Viegas, que boicotava o politicamente correto. Artes e Letras, mortes lentas, já nem corretos são no seu politicamente hoje. Eunucos, consciência cívica zero. Participação social é um post trivial na página do Facebook.
Quando chegamos ao ponto de perguntar a um criador o que pensa, é porque verdadeiramente não sabemos para que servem. Filósofos ou poetas, intelectuais amestrados, a pátria adormeceu os artistas, estão todos fechados na sua obra, alguém, qual deles nos provoca sobressalto? Quem nos tira do conforto? Que espírito rebelde nos sobressalta?
"Não era um pressentimento, era autêntico, uma verdade legítima", continua mestre Almada a explicar a desgraça que os juntou. E o impacto que teve, a surpresa que causou: "Ninguém nos supôs. Ninguém esperava que nascessem determinados portugueses naquele momento. Nós estávamos fora da sociedade - se é que havia sociedade!"
Cem anos depois de Orpheu, é necessário descobrir que sociedade é esta.
2. Não é para Julião Sarmento ou Cabrita Reis dizerem se preferem a coligação ou o Bloco. Não se trata de pedir a Souto de Moura que comente o discurso do Presidente. Ou a Eduardo Gageiro que vá fotografar as portas que Abril abriu. Não é preciso saber se Sérgio Godinho tornou a votar Jerónimo ou não resistiu à barriga prenha de Joana. Não se trata de ver as artes na política.
Não é por Quintanilha ser deputado, porque provavelmente não será um bom deputado e não ficará no Parlamento por muito tempo. É só lamento, é estranheza, é o enorme vazio que criam por não se ouvirem, por ninguém falar. Porque as águas estão agitadas, ninguém se compromete. Quando ficam calmas, ninguém as agita.
Isto não é coisa pouca. O alheamento das elites empobrece-nos. Fica mais pobre a sociedade sem pensamento e sem confronto de ideias. E perde o norte o país em que a elite se resignou. Ou se acomodou. Ou se acobardou. Ou apenas anda a tratar da vidinha.
Na fase que antecedeu a campanha eleitoral, mais de trinta "personalidades" foram convidadas para ir à TVI colocar uma questão ao vice-primeiro-ministro Paulo Portas. A entrevista tinha o formato "tenho uma pergunta para si" e podia ser a que quisessem, posta da forma que entendessem. Ao vivo e a cores. Animicamente mortos, recusaram. Por medo ou por receio, uns porque tinham sido nomeados, outros porque temiam ser demitidos.
Depois dos votos contados, nova tentativa para ouvir o que os líderes pensam: empresários encartados, a alta finança, o topo da gestão, profissionais liberais. Do que precisa Portugal? De um par de chinelos e de um roupão, a nossa elite foi ver a televisão em casa. Não se querem meter na política, alegaram. Muitos precisaram que a política se metesse com eles, para nos tirar do buraco em que nos enfiaram. Novo banco, velho país engravatado, que anda todo emproado a assoar-se à gravata.
3. Por falta de comparência, a opinião esgota-se num duopólio. Falam políticos e jornalistas, mais outras raras exceções. A maioria foge da própria sombra. Que movimento emerge da universidade? Da academia saem cada vez mais doutores e menos líderes. Das instituições sobram regulamentos e escasseia quem dê o exemplo.
Até os economistas desistiram dos manifestos. Os gestores não voltaram ao Beato. Compromisso Portugal?! Aos empresários a voz esvaiu-se com o capital. E por onde anda Ulrich, o enfant terrible? O banqueiro ficou grisalho, a banca ficou terrível mas por outros motivos.
Centenário de Orpheu. Fernando Pessoa. Banqueiro anarquista. República. Monarquia. A quem ouvimos hoje o atrevimento de gritar: o rei vai nu!?! A elite está amorfa, recolheu-se por sua livre e espontânea vontade.
O que sente Almada por "esta gente que tem uma admiração enorme por si?", pergunta-lhe ainda Cruz. "Comove-me. Pretendo até evitá-la, porque me comove. São meus irmãos."
26 DE OUTUBRO DE 2015
01:12
Sérgio Figueiredo
Diário de Notícias
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