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A breve utilidade da história familiar
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A breve utilidade da história familiar
Ela nutre alguma ternura pelo velho retrato do Príncipe.
A minha sobrinha Maria Luísa (a voz progressista desta família minhota onde os conservadores só raramente são liberais) já achou os assuntos de família uma velharia. Vê neles, agora, uma certa utilidade.
Ainda que não o confesse, ela nutre alguma ternura pelo velho retrato do Príncipe pendurado ao fundo do corredor da casa de Ponte de Lima, o que eu atribuo à desilusão que chegou cedo ao seu progressismo, alimentado de combates tentadores que iam da liberalização do haxixe à quebra do sigilo bancário e que hoje se vêem diante da hipótese de assumir o governo e de administrar largamente a pátria.
Enquanto isso acontece, em prestações que a televisão acompanha, o retrato do Senhor Dom Miguel veio da casa de restauro de Braga onde foi limpo com a dedicação habitual – suprema ironia, coube à minha sobrinha Maria Luísa a tarefa de o levar, depositar, recolher e devolver às penumbras do casarão de Ponte de Lima.
O restauro periódico do quadro é uma atribuição que passou por três gerações da família. O meu bisavô, pai da Tia Benedita, legou o quadro aos vindouros sob a protecção das paredes de granito de Ponte de Lima, onde os Homens de outras épocas viveram exilados e recolhidos, cercados por um país que se esforçavam por entender mas com que não queriam muitos contactos.
Com o tempo, perderam os ressentimentos e parte das certezas absolutas. Só a Tia Benedita permaneceu em 1920, leitora do ‘Cardeal Saraiva’ e dos jornais católicos do Alto Minho.
O miguelismo da família não teve contorcionismos: foi sempre assumido e não incomodava os descrentes; tratava-se de uma velharia confortável e tão inocente como os velhos álbuns de família e as cartas rabugentas de Camilo Castelo Branco aos seus contemporâneos, mas com menos pormenores de História e gramática mais descuidada.
Esse miguelismo salvou-nos de muitos incómodos – o país foi sendo sucessivamente republicano, salazarista, democrata, socialista; a Tia Benedita foi sempre miguelista e acreditava que havia uma ordem no mundo. Esse desejo de alguma ordem é uma coisa conservadora e muito útil. Primeiro, porque nos diz que o mundo é imperfeito; depois, porque nos leva a optar pelo mal menor em vez de procurar estabelecer a perfeição a todo o custo.
É esta a utilidade da história da nossa família.
01.11.2015 00:30
ANTÓNIO SOUSA HOMEM
Correio da Manhã
A minha sobrinha Maria Luísa (a voz progressista desta família minhota onde os conservadores só raramente são liberais) já achou os assuntos de família uma velharia. Vê neles, agora, uma certa utilidade.
Ainda que não o confesse, ela nutre alguma ternura pelo velho retrato do Príncipe pendurado ao fundo do corredor da casa de Ponte de Lima, o que eu atribuo à desilusão que chegou cedo ao seu progressismo, alimentado de combates tentadores que iam da liberalização do haxixe à quebra do sigilo bancário e que hoje se vêem diante da hipótese de assumir o governo e de administrar largamente a pátria.
Enquanto isso acontece, em prestações que a televisão acompanha, o retrato do Senhor Dom Miguel veio da casa de restauro de Braga onde foi limpo com a dedicação habitual – suprema ironia, coube à minha sobrinha Maria Luísa a tarefa de o levar, depositar, recolher e devolver às penumbras do casarão de Ponte de Lima.
O restauro periódico do quadro é uma atribuição que passou por três gerações da família. O meu bisavô, pai da Tia Benedita, legou o quadro aos vindouros sob a protecção das paredes de granito de Ponte de Lima, onde os Homens de outras épocas viveram exilados e recolhidos, cercados por um país que se esforçavam por entender mas com que não queriam muitos contactos.
Com o tempo, perderam os ressentimentos e parte das certezas absolutas. Só a Tia Benedita permaneceu em 1920, leitora do ‘Cardeal Saraiva’ e dos jornais católicos do Alto Minho.
O miguelismo da família não teve contorcionismos: foi sempre assumido e não incomodava os descrentes; tratava-se de uma velharia confortável e tão inocente como os velhos álbuns de família e as cartas rabugentas de Camilo Castelo Branco aos seus contemporâneos, mas com menos pormenores de História e gramática mais descuidada.
Esse miguelismo salvou-nos de muitos incómodos – o país foi sendo sucessivamente republicano, salazarista, democrata, socialista; a Tia Benedita foi sempre miguelista e acreditava que havia uma ordem no mundo. Esse desejo de alguma ordem é uma coisa conservadora e muito útil. Primeiro, porque nos diz que o mundo é imperfeito; depois, porque nos leva a optar pelo mal menor em vez de procurar estabelecer a perfeição a todo o custo.
É esta a utilidade da história da nossa família.
01.11.2015 00:30
ANTÓNIO SOUSA HOMEM
Correio da Manhã
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