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Transposições
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Transposições
Conta-se que, quando alguém perguntou a Christine Lagarde, a atual diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), o que pensava da colossal falência do grupo Lemon Brothers (na altura, o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos), ela teria respondido que “se fosse Lemon Sisters, aquilo não teria acontecido”.
Fino humor de Christine, ou militância feminista? Ou transposição de um problema?
O importante é que aquela monumental falência apanhou de surpresa aparentemente toda a gente, e especial as agências de rating - aquelas que teimam em nos considerar como lixo, apesar de todas as garantias nacionais e internacionais sobre o cumprimento das obrigações financeiras. Como nos tempos em que Eça de Queirós pugnava para que não fossemos considerados como as ”repúblicas caloteiras da América do Sul”.
Como explicar essa discrepância nas avaliações, por parte de agências altamente cotadas e respeitadas?
Vamos tentar uma transposição.
Há bancos que emprestam dinheiro para aquisição de casa própria. Louvável atividade: não só se põe o dinheiro a girar, como se dinamiza o setor da construção (talvez o mais dinamizador da Economia), tendo ainda o condão de transformar os que pouco ou nada têm em proprietários. Ou seja, de transformar os proletários em pequenos burgueses.
Dir-se-ia que aqui poderia residir uma eficacíssima medida de erradicação do socialismo mais radical; seria como uma vacina contra as utopias da coletivização.
Mas, curiosamente, não só a esquerda mais radical não se insurge contra a política de aquisição de casa própria, como o capitalismo dificulta o acesso ao crédito, quer através de entraves à sua concessão, quer mediante elevadas taxas de juro, ou critérios de avaliação desajustados. Com resultados duvidosos: basta ver o volume de crédito mal parado…
E temos outro fenómeno ainda (aparentemente) mais estranho: quando alguém vai ao banco para liquidar a sua dívida (pela feliz conjuntura de uma herança, emigração bem sucedida, ou lotaria premiada), o banco tenta demover o cliente dessa remissão, oferecendo outros produtos, até mais rentáveis, mas mantendo a dívida – a dívida com os tais jurozinhos que são a alma do negócio.
Nova transposição.
Os nossos credores externos funcionam de modo semelhante. Ninguém se iluda: o que está em causa não é o não cumprimento, é precisamente o cumprimento. Uma garantia de cumprimento faz baixar as taxas de juro, e isso acarreta prejuízo. Daí que as tais agências de rating manipulem os valores do risco. E sem risco para elas: basta uma dica na Internet.
Taxas de juro despropositadas não são fenómeno novo. As guerras, sobretudo a partir do século XIX, foram feitas com recurso ao crédito público, e nunca faltaram investidores; até havia mais procura em alturas de crise, uma vez que os juros subiam. Ou seja, o patriotismo era só de fachada. Quanto ao incumprimento, ficou célebre o da Alemanha depois de 1919: quando o dinheiro perdeu o valor, a dívida desapareceu… bem como as poupanças dos investidores.
Por isso, a atual situação política em Portugal bem pode tornar-se um caso de estudo (como foi o 25 de Abril).
Temos assim, por um lado, um Governo que não cumpriu as metas, o que, dito em várias instâncias nacionais e internacionais, não é grave. Por outro lado, a ameaça de um “Governo Incógnita”, que, ao que tudo indica, não poderá fugir aos compromissos externos. O problema está no modo de cumpri-los (como no caso da resolução da dívida da casa própria ao banco).
Se, como se diz, uma condição necessária para a tão propalada retoma económica seja a paz social, qual seria – numa abordagem teórica – o Governo que melhor garantiria essa tranquilidade? Tudo indica que seria o que melhor, além de maioritário, se entendesse com o setor mais descontente do tecido social, contendo a espiral reivindicativa. E, entre outras coisas, com a participação dos sindicatos.
Sacrilégio? Nem por isso. A título de exemplo, foi nessa base que se processou a recuperação da Alemanha depois da II Guerra Mundial, e, entre nós, se evitou o encerramento da Auto Europa.
Porém, o “Governo Incógnita” teria pela frente os tais a quem não interessa a diminuição da dívida. Os métodos serão variados, da ameaça à sedução, das grandes ideias à vulgar contabilidade. Mas o objetivo é preciso e conciso: manter a dependência no maior grau possível, porque é bom para o negócio. E, para mais ajuda, os maiores defensores da necessidade de paz social são os que agora mais se empenham em pintar negros quadros de tragédia.
Nem é necessário pensar em Bruxelas, Wall Street ou Frankfurt: basta pensar em como se devem divertir nos cafés de Badajoz…
Dentro de debate político, temos agora uma novidade: uma dicotomia esquerda/direita, coisa que não se via desde os tempos do rotativismo dos últimos anos da Monarquia. Algo semelhante ao sucedido em França com Léon Blum em 1936, ou com Mitterrand em 1972. Ou podemos pensar que estamos a enveredar por uma solução à inglesa ou americana, com dois partidos alternando-se no poder.
Desde 1851 até 1910, regeneradores, históricos, progressistas, liberais e outros que tais alternaram no governo, com a anuência ou cumplicidade do Rei. Não é fácil estabelecer as diferenças programáticas entre eles: andavam todos ao mesmo, ou seja, entrar para o governo, organizar e ganhar eleições, derrubar o governo, completando o ciclo. Tudo para chegar ao Poder e mantê-lo.
Uma transposição é descabida, porque na atual situação existe uma clivagem ideológica esquerda/direita fácil de identificar. Mas também não existe uma identificação perfeita entre os membros de cada uma das coligações. Mesmo a aparente unidade da direita não resiste a uma análise cuidada: a título de exemplo, pouco há de comum entre as referências à doutrina social da Igreja, por parte do CDS, e o neoliberalismo em voga no PSD, condenado pelo Papa Francisco.
De comum, talvez as lutas internas nos partidos. Fontes Pereira de Melo, Hintze Ribeiro, Alpoim, Luciano de Castro, João Franco e outros, lutaram mais dentro dos próprios partidos do que contra aos adversários. Todos com um objetivo, como o herói da banda desenhada Iznogoud: ser Califa no lugar do Califa…
Quando os governos caíam, era nomeado pelo rei novo executivo, que preparava novas eleições, mudando leis e círculos, de modo a não perder. Podia mesmo ser alterada a Carta Constitucional.
Será que vamos assistir a nova transposição?
Nuno Santa Clara
Diário de Notícias da Madeira
Domingo, 15 de Novembro de 2015
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