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As raízes ocidentais do terror antiocidental
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As raízes ocidentais do terror antiocidental
Os terríveis ataques levados a cabo pelo autoproclamado Estado Islâmico em Paris são um duro alerta de que as potências ocidentais não podem conter – e muito menos isolar-se – das consequências indesejadas das suas intervenções no Médio Oriente.
A situação na Síria, no Iraque e na Líbia, a par com a guerra civil que está a devastar o Iémen, criou vastos campos de morte, gerou vagas de refugiados, e levou ao aparecimento de militantes islamitas que, nos próximos anos, vão continuar a ser uma ameaça para a segurança internacional.
Como é óbvio, as intervenções do Ocidente no Médio Oriente não são um fenómeno novo. À excepção do Irão, do Egipto e da Turquia, todas as grandes potências do Médio Oriente são, em grande parte, uma construção moderna da Grã-Bretanha e de França. As intervenções dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque desde 2001 são apenas o mais recente esforço das potências ocidentais de moldar a geopolítica da região.
Mas estas potências sempre preferiram uma intervenção por decreto, e é esta estratégia – de treino, financiamento e armamento dos jihadistas considerados "moderados" para combater os "radicais" – que agora está a "contra-atacar". Apesar das várias provas em contrário, as potências ocidentais permaneceram presas a uma abordagem que ameaça a sua própria segurança interna. Devia ser óbvio que os que enfrentam os jihadistas violentos nunca podem ser moderados. Ainda assim, mesmo depois de saberem que uma maioria dos membros do Exército Livre da Síriatinham desertado para o Estado Islâmico, os Estados Unidos comprometeram-se com uma ajuda de 100 milhões de dólares para os rebeldes sírios.
Da mesma forma, França distribuiu ajuda aos rebeldes sírios e, recentemente, iniciou ataques aéreos contra o Estado Islâmico. E foi, precisamente, por isso que França foi atacada. De acordo com testemunhas [dos ataques terroristas de Paris], os atacantes no Bataclan – onde foram mortas a maioria das vítimas daquela noite – afirmaram que as suas acções eram culpa do Presidente François Hollande. "Ele não tinha de intervir na Síria", gritaram.
França tem tido uma política externa independente e pragmática, que a levou a opor-se à invasão e ocupação do Iraque, em 2003. Mas depois de Nicolas Sarkozy se tornar presidente em 2007, França alinhou as suas políticas com os Estados Unidos e a NATO e participou activamente na destituição do líder líbio Muammar el-Qaddafi em 2011. E depois de Hollande suceder a Sarkozy em 2012, França surgiu como um dos países mais intervencionistas do mundo, levando a cabo operações militares na República Centro-Africana, na Costa do Marfim, no Mali, no Sahel e na Somália antes de iniciar os ataques aéreos na Síria.
Todas estas intervenções negligenciaram as lições da história. Quase todas as intervenções ocidentais deste século tiveram consequências imprevisíveis, que transpuseram fronteiras e levaram, muitas vezes, a novas intervenções.
No final do século XX não foi diferente. Nos anos 80, durante a presidência de Ronald Reagan, os Estados Unidos (com o financiamento da Arábia Saudita) treinaram milhares de extremistas islâmicos para lutar contra a União Soviética no Afeganistão. O resultado foi a Al Qaeda, cujas acções levaram o presidente George W. Bush a invadir o Afeganistão e lhe deram um pretexto para invadir o Iraque. Como a então secretária de Estado Hillary Clinton admitiu em 2010: "Treinámo-los, equipámo-los, financiámo-los, incluindo alguém chamado Osama bin Laden… e as coisas não correm muito bem para nós."
E ainda assim, ignorando esta lição, as potências ocidentais intervieram na Líbia para derrubar Qaddafi, criando uma fortaleza jihadista às portas da Europa e levando a que armas e militantes fugissem para outros países. Foi esta situação que levou à intervenção de França no Mali e no Sahel.
Sem tempo para descansar, os Estados Unidos, França e a Grã-Bretanha – com o apoio de Estados Wahhabi como a Arábia Saudita ou o Qatar – juntaram-se para derrubar o Presidente sírio Bashar al-Assad, provocando uma guerra civil que permitiu ao Estado Islâmico conquistar território e prosperar. O grupo, rapidamente, assumiu o controlo em vastas áreas, não só da Síria mas também do Iraque, e os Estados Unidos – em conjunto com o Bahrain, a Jordânia, o Qatar, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos – iniciaram, no ano passado, uma série de ataques aéreos na Síria. Recentemente, França – e a Rússia – juntou-se a este esforço.
Apesar de a Rússia seguir uma campanha militar independente das potências ocidentais (e que passa pelo apoio a Assad), aparentemente, também se tornou um alvo: as autoridades europeias e norte-americanas estão cada vez mais convencidas de que o Estado Islâmico foi responsável pela queda do avião russo na Península do Sinai, no passado mês de Outubro. Esse incidente, em conjunto com os ataques de Paris, pode levar a um maior envolvimento militar na Síria e no Iraque, acelerando o ciclo destrutivo da intervenção. Para já, o perigo de a emoção se sobrepor à razão é já aparente em França, nos Estados Unidos e em outros países.
É necessária uma abordagem mais ponderada que tenha em consideração os erros recentes. Para começar, os líderes ocidentais devem evitar fazer o jogo dos terroristas, como Hollande fez ao afirmar que os ataques de Paris eram um acto de guerra e ao implementar no país medidas sem precedentes. Em vez disso, deviam seguir o conselho de Margaret Thatcher e privar o terrorismo do "oxigénio da publicidade de que ele depende".
Além disso, os líderes ocidentais deviam reconhecer que a guerra contra o terrorismo não pode ser enfrentada com a ajuda de aliados sem escrúpulos como combatentes islamitas ou fundamentalistas financiados pelos países da península arábica. O risco de consequências imprevisíveis – seja a respostas dos terroristas como aconteceu em Paris ou repercussões militares como na Síria – são injustificavelmente elevadas.
Não é tarde para as potências ocidentais considerarem as lições de erros passados e recalibrarem as suas políticas de combate ao terrorismo. Infelizmente, esta parece ser a resposta menos provável aos recentes ataques do Estado Islâmico.
Brahma Chellaney, professor de Estudos Estratégicos no Center for Policy Research em Nova Deli e investigador na Robert Bosch Academy em Berlim. É autor de nove livros, incluindo Asian Juggernaut; Water: Asia’s New Battleground; e Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
23 Novembro 2015, 20:30 por Brahma Chellaney
Negócios
A situação na Síria, no Iraque e na Líbia, a par com a guerra civil que está a devastar o Iémen, criou vastos campos de morte, gerou vagas de refugiados, e levou ao aparecimento de militantes islamitas que, nos próximos anos, vão continuar a ser uma ameaça para a segurança internacional.
Como é óbvio, as intervenções do Ocidente no Médio Oriente não são um fenómeno novo. À excepção do Irão, do Egipto e da Turquia, todas as grandes potências do Médio Oriente são, em grande parte, uma construção moderna da Grã-Bretanha e de França. As intervenções dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque desde 2001 são apenas o mais recente esforço das potências ocidentais de moldar a geopolítica da região.
Mas estas potências sempre preferiram uma intervenção por decreto, e é esta estratégia – de treino, financiamento e armamento dos jihadistas considerados "moderados" para combater os "radicais" – que agora está a "contra-atacar". Apesar das várias provas em contrário, as potências ocidentais permaneceram presas a uma abordagem que ameaça a sua própria segurança interna. Devia ser óbvio que os que enfrentam os jihadistas violentos nunca podem ser moderados. Ainda assim, mesmo depois de saberem que uma maioria dos membros do Exército Livre da Síriatinham desertado para o Estado Islâmico, os Estados Unidos comprometeram-se com uma ajuda de 100 milhões de dólares para os rebeldes sírios.
Da mesma forma, França distribuiu ajuda aos rebeldes sírios e, recentemente, iniciou ataques aéreos contra o Estado Islâmico. E foi, precisamente, por isso que França foi atacada. De acordo com testemunhas [dos ataques terroristas de Paris], os atacantes no Bataclan – onde foram mortas a maioria das vítimas daquela noite – afirmaram que as suas acções eram culpa do Presidente François Hollande. "Ele não tinha de intervir na Síria", gritaram.
França tem tido uma política externa independente e pragmática, que a levou a opor-se à invasão e ocupação do Iraque, em 2003. Mas depois de Nicolas Sarkozy se tornar presidente em 2007, França alinhou as suas políticas com os Estados Unidos e a NATO e participou activamente na destituição do líder líbio Muammar el-Qaddafi em 2011. E depois de Hollande suceder a Sarkozy em 2012, França surgiu como um dos países mais intervencionistas do mundo, levando a cabo operações militares na República Centro-Africana, na Costa do Marfim, no Mali, no Sahel e na Somália antes de iniciar os ataques aéreos na Síria.
Todas estas intervenções negligenciaram as lições da história. Quase todas as intervenções ocidentais deste século tiveram consequências imprevisíveis, que transpuseram fronteiras e levaram, muitas vezes, a novas intervenções.
No final do século XX não foi diferente. Nos anos 80, durante a presidência de Ronald Reagan, os Estados Unidos (com o financiamento da Arábia Saudita) treinaram milhares de extremistas islâmicos para lutar contra a União Soviética no Afeganistão. O resultado foi a Al Qaeda, cujas acções levaram o presidente George W. Bush a invadir o Afeganistão e lhe deram um pretexto para invadir o Iraque. Como a então secretária de Estado Hillary Clinton admitiu em 2010: "Treinámo-los, equipámo-los, financiámo-los, incluindo alguém chamado Osama bin Laden… e as coisas não correm muito bem para nós."
E ainda assim, ignorando esta lição, as potências ocidentais intervieram na Líbia para derrubar Qaddafi, criando uma fortaleza jihadista às portas da Europa e levando a que armas e militantes fugissem para outros países. Foi esta situação que levou à intervenção de França no Mali e no Sahel.
Sem tempo para descansar, os Estados Unidos, França e a Grã-Bretanha – com o apoio de Estados Wahhabi como a Arábia Saudita ou o Qatar – juntaram-se para derrubar o Presidente sírio Bashar al-Assad, provocando uma guerra civil que permitiu ao Estado Islâmico conquistar território e prosperar. O grupo, rapidamente, assumiu o controlo em vastas áreas, não só da Síria mas também do Iraque, e os Estados Unidos – em conjunto com o Bahrain, a Jordânia, o Qatar, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos – iniciaram, no ano passado, uma série de ataques aéreos na Síria. Recentemente, França – e a Rússia – juntou-se a este esforço.
Apesar de a Rússia seguir uma campanha militar independente das potências ocidentais (e que passa pelo apoio a Assad), aparentemente, também se tornou um alvo: as autoridades europeias e norte-americanas estão cada vez mais convencidas de que o Estado Islâmico foi responsável pela queda do avião russo na Península do Sinai, no passado mês de Outubro. Esse incidente, em conjunto com os ataques de Paris, pode levar a um maior envolvimento militar na Síria e no Iraque, acelerando o ciclo destrutivo da intervenção. Para já, o perigo de a emoção se sobrepor à razão é já aparente em França, nos Estados Unidos e em outros países.
É necessária uma abordagem mais ponderada que tenha em consideração os erros recentes. Para começar, os líderes ocidentais devem evitar fazer o jogo dos terroristas, como Hollande fez ao afirmar que os ataques de Paris eram um acto de guerra e ao implementar no país medidas sem precedentes. Em vez disso, deviam seguir o conselho de Margaret Thatcher e privar o terrorismo do "oxigénio da publicidade de que ele depende".
Além disso, os líderes ocidentais deviam reconhecer que a guerra contra o terrorismo não pode ser enfrentada com a ajuda de aliados sem escrúpulos como combatentes islamitas ou fundamentalistas financiados pelos países da península arábica. O risco de consequências imprevisíveis – seja a respostas dos terroristas como aconteceu em Paris ou repercussões militares como na Síria – são injustificavelmente elevadas.
Não é tarde para as potências ocidentais considerarem as lições de erros passados e recalibrarem as suas políticas de combate ao terrorismo. Infelizmente, esta parece ser a resposta menos provável aos recentes ataques do Estado Islâmico.
Brahma Chellaney, professor de Estudos Estratégicos no Center for Policy Research em Nova Deli e investigador na Robert Bosch Academy em Berlim. É autor de nove livros, incluindo Asian Juggernaut; Water: Asia’s New Battleground; e Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
23 Novembro 2015, 20:30 por Brahma Chellaney
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