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A exclusão do trabalhador fabril

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Mensagem por Admin Sáb Dez 12, 2015 1:03 pm

Vi, pela primeira vez, o nome chinês "Haier" num frigorífico numa loja americana há cerca de uma década. Na época, aquilo parecia um símbolo poderoso da mudança económica global. Quando eu era criança, na Grã-Bretanha dos anos 70, os aparelhos elétricos tinham todos a tendência de ostentar etiquetas a dizer "fabricado no Japão" ou "fabricado na Coreia" (ou, ocasionalmente, fabricado nos EUA ou na Alemanha).

Desde então, a China tornou-se famosa - ou de má fama - como a fábrica do mundo. A empresa Haier, cuja sede é na cidade de Qingdao, gosta de se autodenominar como o fabricante número um do mundo de grandes eletrodomésticos. Com mais de 30 biliões de dólares de receitas, ultrapassou a Whirlpool e tornou-se o maior produtor mundial de eletrodomésticos. Por outras palavras, o rótulo "fabricado na China" deu origem a um enorme sucesso.

Recentemente, no entanto, fiquei a saber que há uma segunda e mais inesperada razão para o nome Haier ser um poderoso símbolo da mudança económica. Poucas semanas atrás conheci Zhang Ruimin, o carismático presidente da empresa, num debate no Drucker Forum em Viena. Enquanto expunha a sua estratégia empresarial, Zhang revelou despreocupadamente que a empresa chinesa tinha cortado o seu pessoal em mais de 15% nos últimos dois anos, dispensando dez mil gerentes de nível médio, assim como muitos trabalhadores comuns.

Isso não aconteceu devido à falta de procura de frigoríficos; longe disso. Em vez disso, Zhang tem vindo a implementar aquilo a que gosta de chamar uma estratégia de "networking" e "distância zero para o consumidor". Isto significa, basicamente, usar a internet e outras ferramentas tecnológicas para cortar camadas de burocracia humana e de procedimentos na Haier - assim como milhares de empregos.

Ouso dizer que alguns leitores irão encolher os ombros perante esta realidade, uma vez que as empresas ocidentais têm vindo, desde há vários anos, a utilizar as redes digitais para eliminar trabalhadores. De todas as vezes que conheci executivos no ano passado, em empresas que vão desde a Rio Tinto, passando pela Levi Strauss, até à Syngenta, eles enalteceram sempre os benefícios da utilização da digitalização para aumentar a "produti-vidade". Na verdade, esta ten-dência está agora tão bem entrincheirada no mundo ocidental que os analistas da escola de gestão Oxford Martin acham que 47% dos empregos americanos atuais podem desaparecer nas próximas duas décadas. Mas o facto de pessoas como Zhang estarem agora a falar sobre as "eficiências" da digitalização na China traz todo um novo cariz a esta tendência. Afinal de contas, a razão pela qual essas etiquetas de "fabricado na China" se tornaram tão omnipresentes foi a de que os custos laborais chineses têm sido muito baixos - mais baixos do que os do ocidente.

O ponto crucial relativamente à digitalização é que não só os robôs e os códigos de barras executam várias funções de forma mais barata, eficiente e consistente do que os trabalhadores americanos como também cortam nos custos humanos na China e na Índia. E isso tem grandes implicações para a economia global. Por um lado, pode tornar mais fácil as empresas americanas e europeias manterem os processos industriais no Ocidente, em vez de os exportarem para a China.

Pode também reduzir o número de postos de trabalho ligados a essas etiquetas "fabricado na China/Índia/Vietname", o que poderia alterar a forma como os mercados emergentes irão de-senvolver-se nos próximos anos. "Desde a revolução industrial que a fabricação de produtos tem sido a chave para o rápido crescimento económico. Mas a indústria atual já não é o que era", escreveu Dani Rodrik, o economista de Harvard, num blogue há alguns meses. Ele teme que os mercados emergentes estejam agora a encaminhar-se para uma "desindustrialização prematura". Países como a Índia e a China já não podem pretender imitar a revolução industrial do Reino Unido, durante a qual uma grande parte da força de trabalho esteve empregada nas fábricas durante várias décadas antes de a economia ter amadurecido. Em vez disso, os mercados emergentes podem ter de contar com o setor dos serviços para empregar os trabalhadores.

Mesmo que Rodrik esteja certo (e nem todos os economistas concordam com ele), este cenário não é necessariamente um desastre. A história mostra que a tecnologia já antes mudou a natureza do trabalho: no século XIX, por exemplo, a revolução agrícola destruiu milhões de empregos agrícolas. Mas, nessa época, surgiram novos postos de trabalho para absorver os trabalhadores. E eles estavam nas fábricas.

Algo de semelhante pode muito bem acontecer de novo. Zhang insiste em que os ex-trabalhadores da Haier já estão a adaptar-se à mudança industrial - encontrando novas funções ligadas à internet, criando pequenas empresas, colaborando com a Haier ou vendendo-lhe serviços. E as consultoras, como a McKinsey e a PwC, acham que a digitalização pode vir a criar milhões de novos empregos nos mercados emergentes durante as próximas décadas. Zhang argumenta que esses novos empregos oferecem muito mais "criatividade" e "liberdade" aos trabalhadores - pelo menos em comparação com rotina de fabricar frigoríficos.

Talvez seja verdade. Mas o outro lado da moeda da "liberdade" do trabalhador digitalizado é muitas vezes a insegurança - basta olhar para o debate acalorado em torno da Uber. De qualquer maneira, se descobrir a etiqueta Haier nas lojas neste Natal, vale a pena lembrar-se das alterações agora incorporadas nesse rótulo "fabricado na China". A digitalização já não é apenas um jogo ocidental - mesmo, ou especialmente, em relação a uma coisa tão humilde como um frigorífico.

Jornalista do Financial Times

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12 DE DEZEMBRO DE 2015
00:01
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