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Rude
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Rude
No Negrito, sobre o passeio que se estende pelo sopé do forte, e daí por entre as grandes pedras de basalto, um homem rude vê o mar. Vem do bar dos motoqueiros, talvez do parque de estacionamento. Desce as escadas aos tropeções, percorre o passadiço e detém-se ali, a ver o mar.
É forte e disforme, como um saco plástico que se tivesse enchido, esvaziado e tornado a encher. Aclara diversas vezes a garganta, cuspindo ruidosamente. Tem duas protuberâncias grandes no peito, sinal de má nutrição e desregramentos em geral. Calça uns chinelos velhos, que quase não chega a erguer do chão.
Imagino um desempregado. Um dia de desespero. Mas ele fica simplesmente ali a ver o mar.
E eu pergunto-me: o que vê ele? O que vê um homem rude quando vê o mar? É distância ou pro-ximidade, o que vêem os seus olhos? É beleza ou motivo de preocupação? Admira de facto ou limita-se a despistar uma hipótese prática? Confere se a maré está de lapas ou vê desenhar-se a sua tragédia na espuma?
Verá o que eu vejo? Verá o que só ele vê? Em suma: é um momento de consciência, este, em que homem e mar fazem parte de um mesmo cosmos harmónico e funcional, ou um instante de contemplação, um recuo, uma perspectiva?
Saberá ele que a natureza também pode ser suja e mórbida? Saberá que aquele pedaço de madeira que as ondas atiram contra o rocha traz consigo uma história triste, uma violência? Ou é precisamente isso que ele sabe, e mais nada?
Quando um homem rude vê o mar, assim quieto, olhando as ondas que rebentam aos seus pés, então é porque as coisas já estão definitivamente mal? Ou porque, apesar de tudo, há naquela água que se estilhaça e se reconstitui uma esperança?
O que vê um homem rude quando vê o mar, e o que leva ele consigo agora por ali acima, virando as costas à água e arrastando os chinelos em direcção ao parque de estacionamento?
16 DE DEZEMBRO DE 2015
00:01
Joel Neto
Diário de Notícias
É forte e disforme, como um saco plástico que se tivesse enchido, esvaziado e tornado a encher. Aclara diversas vezes a garganta, cuspindo ruidosamente. Tem duas protuberâncias grandes no peito, sinal de má nutrição e desregramentos em geral. Calça uns chinelos velhos, que quase não chega a erguer do chão.
Imagino um desempregado. Um dia de desespero. Mas ele fica simplesmente ali a ver o mar.
E eu pergunto-me: o que vê ele? O que vê um homem rude quando vê o mar? É distância ou pro-ximidade, o que vêem os seus olhos? É beleza ou motivo de preocupação? Admira de facto ou limita-se a despistar uma hipótese prática? Confere se a maré está de lapas ou vê desenhar-se a sua tragédia na espuma?
Verá o que eu vejo? Verá o que só ele vê? Em suma: é um momento de consciência, este, em que homem e mar fazem parte de um mesmo cosmos harmónico e funcional, ou um instante de contemplação, um recuo, uma perspectiva?
Saberá ele que a natureza também pode ser suja e mórbida? Saberá que aquele pedaço de madeira que as ondas atiram contra o rocha traz consigo uma história triste, uma violência? Ou é precisamente isso que ele sabe, e mais nada?
Quando um homem rude vê o mar, assim quieto, olhando as ondas que rebentam aos seus pés, então é porque as coisas já estão definitivamente mal? Ou porque, apesar de tudo, há naquela água que se estilhaça e se reconstitui uma esperança?
O que vê um homem rude quando vê o mar, e o que leva ele consigo agora por ali acima, virando as costas à água e arrastando os chinelos em direcção ao parque de estacionamento?
16 DE DEZEMBRO DE 2015
00:01
Joel Neto
Diário de Notícias
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